Especialista pede que cardeal denuncie práticas da Monsanto em discurso
O Cardeal Peter Turkson discursará na entrega do World Food Prize
2013, que tem entre os vencedores um executivo da Monsanto e fundador
da Syngenta
11/10/2013
da Redação
Em
artigo publicado pela National Catholic Reporter, o integrante do
Comitê sobre a segurança alimentar mundial da Organização das Nações
Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), David Andrews pede que o
cardeal Peter Turkson denuncie as práticas nocivas da Monsanto contra o
meio ambiente e a produção de alimentos saudáveis no discurso que fará
na entrega do Prêmio Mundial de Alimentação (World Food Prize 2013
Borlaug Dialogue), em Des Moines, Iowa (EUA). O prêmio deste ano tem
entre seus vencedores um executivo da Monsanto e fundador da Syngenta.
Segundo
Andrews, Turkson deveria aproveitar esta oportunidade para falar a
verdade sobre a Monsanto, bem como sobre a mudança climática, a fome no
mundo e a nutrição. “A empresa acabou com muitos de seus concorrentes
nos mercados de sementes, portanto, análises sobre capitalismo feitos
pelo Pontifício Conselho Justiça e Paz teriam uma relevância particular e
merecem ser aplicados nesta instância”, explica.
Além
disso, ele denuncia a tentativa da transnacional de manipular o
Vaticano. De acordo com Andrews, houve duas conferências em Roma sobre
biotecnologia promovidas pela Santa Sé e patrocinadas, em parte, pela
Monsanto. “A Monsanto promoveu as reuniões como se tivesse o endosso do
Vaticano sobre biotecnologia. Tenha em mente que a Monsanto gastou
milhões de dólares, proclamando-se nas rádios, na televisão, em cartazes
e anúncios, como sendo um exemplo de agricultura sustentável”,
ressalta.
Confira o artigo.
Monsanto, Syngenta e o discurso do Cardeal Turkson
David Andrews,
National Catholic Reporter
O
Cardeal Peter Turkson, presidente do Pontifício Conselho Justiça e Paz
do Vaticano, fará um discurso na entrega do World Food Prize 2013
Borlaug Dialogue, em Des Moines, Iowa (EUA), que acontece de 16 a 18 de
outubro. O evento incluirá uma cerimônia em homenagem aos vencedores do
prêmio deste ano: três cientistas (entre eles, um executivo da Monsanto e
fundador da Syngenta) responsáveis por descobertas na área dos OGMs, ou
Organismos Geneticamente Modificados.
Talvez
seja melhor que eu deixe claro minha opinião sincera em relação a esse
assunto. Morei em Iowa por 13 anos e trabalho com questões da vida
rural, alimentos e política de fazendas há 40 anos. Fui
diretor-executivo da Conferência Nacional da Vida Rural Católica em Des
Moines. Eu servi na Comissão de Política Interna da Conferência dos
Bispos Católicos dos Estados Unidos e fui consultor do Pontifício
Conselho Justiça e Paz no Vaticano durante a presidência do falecido
Cardeal Van Thuan. Servi como consultor em política alimentar nas Nações
Unidas. No momento, sirvo como ponto focal para a América do Norte no
Comitê sobre a segurança alimentar mundial da Organização das Nações
Unidas para Alimentação e Agricultura - FAO, em Roma. Não sou novato no
assunto. Venho acompanhando essas questões com certa profundidade há
muitos anos.
Houve duas grandes conferências em
Roma sobre biotecnologia organizadas pela Igreja Católica e
patrocinadas, em parte, pela Monsanto. A primeira, em 2004, foi na
Pontifícia Universidade Gregoriana, e a segunda, organizada pela
Pontifícia Academia das Ciências, foi em 2008. Nenhum dos casos envolveu
a política ou o ensino oficial da Igreja. Após a segunda conferência,
que foi completamente parcial, a publicação que se seguiu foi
identificada como produto dos participantes, não da Academia. No
entanto, tais nuances foram perdidas entre o público, que não faz
distinção de quem fala para quem na Santa Sé.
A
Monsanto promoveu as reuniões como se tivesse o endosso do Vaticano
sobre biotecnologia. Tenha em mente que a Monsanto gastou milhões de
dólares, proclamando-se nas rádios, na televisão, em cartazes e
anúncios, como sendo um exemplo de agricultura sustentável.
Turkson
deveria aproveitar esta oportunidade para falar a verdade sobre a
Monsanto, bem como sobre a mudança climática, a fome no mundo e a
nutrição. A empresa acabou com muitos de seus concorrentes nos mercados
de sementes, portanto, análises sobre capitalismo feitos pelo Pontifício
Conselho Justiça e Paz teriam uma relevância particular e merecem ser
aplicados nesta instância.
Como um líder da
África e do Sínodo da África, Turkson bem saberá o que os agricultores
africanos preferem, em termos de tecnologia agrícola. Estou em contato
constante e frequente com pequenos agricultores e suas organizações da
África, e eles falam claramente sobre o que querem - e não é
biotecnologia.
Infelizmente, o governo dos
Estados Unidos fala como se concordasse com a Monsanto sobre esta
questão. Quando me encontrei com representantes dos Estados Unidos em
Roma, eles tenderam a defender a biotecnologia.
Quando
a Avaliação Internacional do Conhecimento, da Ciência e da Tecnologia
Agrícola para o Desenvolvimento (IAASTD) foi publicada, em 2008, clamava
pelo uso da agroecologia, e não preconizava a biotecnologia. A Monsanto
e a Syngenta retiraram seu apoio, bem como os Estados Unidos. Esse
relatório saiu depois de 400 participantes, alguns anos de estudo e
US$12 milhões em despesas. Isso resultou na afirmação de que não é mais
possível fazer negócios como antigamente, e chamou a atenção para uma
mudança nas práticas da agricultura.
Turkson deve
chamar a atenção para o fato de que as condições políticas e
econômicas, e não a ciência ou os benefícios agrícolas, permeiam os
planos da Monsanto. Esta é uma empresa que passou décadas processando os
agricultores e gastou milhões na luta contra a transparência na
rotulagem. Turkson deve reprisar o forte apoio da Igreja ao direito ao
alimento, o direito à água e o direito às sementes.
Outro
fator é o impacto que tem o produto promovido pela Monsanto, sua
semente, sobre o meio ambiente. Ao mesmo tempo que a força da semente
cria resistência contra as pragas ou ervas daninhas, ela também danifica
o solo e soma ao impacto tóxico que tem sobre o meio ambiente.
O
problema com a produção agrícola hoje como defendida pelos EUA e pela
Monsanto é seu foco no cultivo de alimentos para animais e de
biocombustíveis, que não alimentam pessoas. Eles usam a necessidade de
alimentar 9 bilhões de pessoas como desculpa para produzir mais grãos
para o gado e para os biocombustíveis. Na época em que o Papa Francisco
era arcebispo de Buenos Aires, defensores das fazendas encontraram-se
com ele para explicar como a biotecnologia tinha arruinado e mudado a
agricultura na Argentina, tornando-a uma monocultura de milho ou soja em
enormes fazendas, mudando, assim, a tradição das fazendas de famílias.
Recentemente,
um grupo argentino chamado Grupo de Reflexión Rural compartilhou comigo
uma carta escrita ao Papa pedindo que Turkson reconhecesse a devastação
causada pela biotecnologia na Argentina e no mundo. "Nos últimos anos,
disseminamos o conceito de Ecoteologia através de reuniões ecumênicas e
da Internet, para incentivar os católicos a recuperar seus valores de
cuidar da criação e a buscar inspiração espiritual na natureza e no meio
ambiente", disse o grupo na carta.
Como outros,
os argentinos reconhecem o papel importante de Turkson ao falar no
Borlaug Dialogue, onde a Monsanto será homenageada, e gostariam de
compartilhar algo que falou ao L'Osservatore Romano, no dia 5
de janeiro de 2011: Agricultores africanos não teriam necessidade alguma
de sementes geneticamente modificadas se tivessem acesso a terras
aráveis, que "não estivessem destruídas, devastadas ou envenenadas pelo
armazenamento de resíduos tóxicos". Forçar os agricultores a comprar
sementes patenteadas reproduz "o habitual jogo de dependência
econômica," que, de alguma forma, é "uma nova forma de escravidão",
disse Turkson. Esta declaração reflete com precisão o ponto de vista da
sociedade civil e de milhões de pequenos agricultores.
Uma
nova forma de colonialismo está sendo espalhada ao redor do mundo e a
Monsanto é uma de suas portadoras principal. Não estou apenas fazendo
menção a uma resistência ludita às novas tecnologias; eu vi essas novas
tecnologias em ação por tempo suficiente para avisar Turkson para que
não transmitisse a mensagem errada em Des Moines. Ele precisa ser claro e
direto ao falar a verdade ao poder.
David Andrews é representante sênior da Food & Water Watch em Washington - D.C.
Tradução por Ana Carolina Azevedo.
Reproduzido no Brasil pela página Unisinos.
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