O capital venceu: no Equador, a “pacha mama” chora
A política neodesenvolvimentista da “Revolução Cidadã” tende a se intensificar nos próximos anos. Conseguirá o discurso do “sumak kawsay” prevalecer diante da faminta lógica do capital internacional?
04/09/2013
Gustavo Menon
O atual presidente do Equador, Rafael Correa, declarou no mês passado o fim da iniciativa Yasuní-ITT que visava preservar, no subsolo da floresta amazônica equatoriana, cerca de 920 milhões de barris de petróleo. O anúncio do fim da medida abre caminho para a ampla exploração de petróleo no parque nacional Yasuní, área essa, de rica biodiversidade e habitada por inúmeros povos indígenas. Em um pronunciamento em rede nacional, Correa anunciou solenemente em Quito: "já esperamos tempo suficiente"; "o mundo fracassou conosco”.
Localização do parque nacional Yasuní na Amazônia equatoriana
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O projeto era uma alternativa de cooperação internacional, onde em troca de se preservar a biosfera e o território ali presente, seriam destinados recursos ao Estado equatoriano. O programa foi um fracasso. Poucos agentes internacionais contribuíram para proposta. De acordo com o governo, até agora há apenas US$ 13,3 milhões, em fundos disponíveis depositados no Yasuní-ITT, isto é, apenas 0,37% da quantia estimada inicialmente no projeto.
Os ambientalistas equatorianos, que lutam pelo conceito do bom viver (“sumak kawsay”), alegam que se o petróleo existente no parque Yasuní continuasse intacto, no subsolo, evitaria a emissão de 400 milhões de toneladas de CO2 no futuro. Cabe ressaltar, que a autorização para extração de petróleo, na região amazônica do país, coloca em xeque a sobrevivência das populações indígenas. Além disso, há um risco de destruição eminente para uma das mais ricas biodiversidades do globo. Muitos ambientalistas equatorianos alegam, inclusive, que o petróleo nos poços de Yasuní é de má qualidade, um óleo denso, que irá provocar uma terrível poluição para fauna e flora equatoriana e, quando queimado pelas empresas transnacionais, vai, obviamente, emitir poluentes.
A confederação das nacionalidades indígenas da Amazônia equatoriana (CONFENIAE), organização vinculada à CONAIE (talvez um dos maiores movimentos indígenas da América do Sul), condenou veementemente a concessão desses poços seja para PETROECUADOR (empresa estatal) ou qualquer outra transnacional do ramo petrolífero. Para o presidente da CONFENIAE, Franco Viteri Gualinga, o fim da iniciativa Yasuní-ITT, associada à política extrativista do governo da Alianza PAIS, abrem-se as portas para um verdadeiro etnocídio.
A extração das jazidas de petróleo em Yasuní também é contestada por ferir o Artigo 71 da atual Carta Magna equatoriana, constituição essa, apontada por muitos especialistas, como um dos sistemas jurídicos mais avançados do mundo. A nova constituição, resultado de amplo debate com os movimentos sociais, enxerga a natureza como um sujeito de direitos. Isso implica no respeito à reprodução de seus ciclos, a sua restauração e seus processos evolutivos. A ideia do bom viver no novo texto constitucional diz respeito ao resgate da cosmovisão indígena onde a preservação da natureza, seria, assim, um elemento vital para a vida dos próprios seres humanos.
O princípio constitucional dos diretos da natureza e do bom viver destaca que a natureza não é uma propriedade particular, mas sim um patrimônio fundamental para a existência humana. Neste sentido, todas as atividades econômicas são permitidas desde que não alterem a capacidade da natureza em reconstituir-se e continuar existindo. Em resumo, extrair recursos, sob esse ponto de vista, é permitido, mas, se essa extração implicar em um dano irreversível ao meio ambiente, a permissão passa a inexistir.
A política neodesenvolvimentista da “Revolução Cidadã” tende a se intensificar nos próximos anos. Conseguirá o discurso do “sumak kawsay” prevalecer diante da faminta lógica do capital internacional? A encruzilhada equatoriana entre o neodesenvolvimentismo e o bem-viver parece pender mais para o lado do grande capital. Ouro negro do capital ou o ouro verde da Amazônia e sua biodiversidade? Lutar incansavelmente em defesa da floresta e da vida dos povos indígenas torna-se uma premissa necessária para a existência de uma sociedade mais justa, democrática e plural.
Gustavo Menon é mestre em ciências sociais pela PUC-SP. Docente no SENAC-SP e na Faculdade de Ciências de Guarulhos – FACIG.
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