Gratuidade no transporte público é uma proposta para assegurar a mobilidade urbana
Em entrevista, o pesquisador do Ipea,
Ernesto Galindo, defende que as gratuidades, ou parte delas, assim como
acontece em muitos países da Europa, têm de ser bancadas pelo Estado
19/12/2013
Garantir
o transporte gratuito para 7,5 milhões de pessoas que recebem uma renda
per capita de até R$ 70 é uma das alternativas à infinidade de Projetos
de Lei que tramitam na Câmara dos Deputados e no Senado, a fim de
melhorar a mobilidade urbana no Brasil.
Segundo o pesquisador do
Ipea, Ernesto Galindo, autor da Nota Técnica Transporte Integrado Social
– uma proposta para o pacto da mobilidade urbana, que propõe a isenção
das tarifas de ônibus a uma parcela da população, este projeto é viável
"através da desoneração do sistema, ou seja, tirar tributos federais,
estaduais e municipais do transporte público, garantindo que ele se
torne mais barato”.
Em entrevista concedida à IHU On-Line, por
telefone, Galindo esclarece que é possível subsidiar o transporte
público através da "gratuidade” do serviço para estudantes e
trabalhadores informais, por exemplo, a partir da instituição de leis
federais, e através da "desoneração” dos tributos referentes ao
transporte público.
"A União, os Estados e Municípios devem
desonerar o transporte público, mas essas desonerações só podem ocorrer
mediante assinaturas de convênios e de um acerto em que o operador do
sistema de transporte público se obriga a reduzir as tarifas. (...) Os
estados e municípios já reduziram alguns tributos por pressão popular.
Então, a parte das desonerações cabe a todo mundo, mas a parte da
gratuidade deve ser garantida pelo governo federal através de leis”,
salienta.
Ernesto Galindo é técnico de Planejamento e Pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Confira a entrevista:
Como
e em que medida a isenção da tarifa de 7,5 milhões de pessoas que não
têm acesso ao transporte pode ser uma alternativa à mobilidade urbana?
Em
primeiro lugar gostaria de esclarecer que essa proposta surgiu num
contexto muito específico: além das manifestações que aconteceram a
partir de junho, as quais tiveram uma pauta muito forte na questão da
mobilidade urbana, o Ipea foi incentivado a escrever uma nota por conta
do Pacto da Mobilidade Urbana anunciado pela presidente Dilma e por
conta de uma série de Projetos de Lei que tramitam na Câmara dos
Deputados ou no Senado, os quais tratam do assunto do transporte
público, e que surgiram ou oportuna ou oportunisticamente.
Analisamos
que muitas propostas não tinham um cálculo do impacto orçamentário.
Então, inicialmente imaginamos uma série de formas de poder subsidiar o
transporte público, depois analisamos as implicações de alguns dos
impactos dos projetos de lei que estão tramitando no Congresso, e
definimos a seguinte proposta: reunimos algumas gratuidades e as
vinculamos ao Projeto de Lei Regime Especial de Incentivos para o
Transporte Urbano de Passageiro - Reitupe, que está tramitando há mais
de dez anos no Congresso, o qual define que a União, os Estados e os
Municípios devem desonerar o transporte público, mas essas desonerações
só podem ocorrer mediante assinaturas de convênios e de um acerto em que
o operador do sistema de transporte público se obriga a reduzir as
tarifas. Além disso, existe uma exigência de controle social, de
melhorias no sistema de integração, bilhetagem única, etc.
Nesse
contexto priorizamos quem tem uma renda muito baixa, ou seja, compatível
com o valor que se trabalha no Programa Bolsa Família, quer dizer, 70
reais per capita mensal. A partir desse recorte, baixamos de um universo
de mais de 20 milhões de pessoas para um universo de 7,5 milhões.
Baixamos também o impacto orçamentário de mais de R$ 20 bilhões para um
impacto de oito bilhões, mas consideramos que será possível chegar a
menos de cinco bilhões, analisando apenas as 44 maiores cidades do país.
Nós tínhamos informações sobre o valor da tarifa nessas cidades e foi
possível, a partir dos dados, calcular o impacto. Além disso, de fato
essas são as cidades que mais concentram transporte público.
Como
subsidiar o custo dessas 7,5 milhões de pessoas a fim de garantir o
Transporte Integrado Social? O senhor sugere que o governo federal
juntamente com os estados e municípios arquem com os subsídios. Como?
Basicamente
isso é possível através da desoneração do sistema, ou seja, tirar
tributos federais, estaduais e municipais do transporte público,
garantindo que ele se torne mais barato. Esse é um compromisso dos três
entes, sendo que, dos quatro tributos previstos, a União já desonerou
três: a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico – Cide,
que incide sobre os combustíveis; PIS e COFINS, que são cobrados da
empresa que presta serviço de transporte público; e uma alteração numa
cobrança de seguridade social que recai sobre esse tipo de empresa, que
alterou a forma de incidência desse tributo, ou seja, passou a ser
cobrada em cima de 2% do faturamento, e isso fez com que reduzisse a
carga tributária sobre essas empresas. O único tributo que a União ainda
não reduziu foi o PIS e COFINS para importação de alguns produtos como
chassi de pneus e combustíveis. Nós consideramos que esse é o caso mais
complicado para conseguir reverter o valor da tarifa, porque está
envolvido com cadeias monopolizadas ou oligopolizadas.
Os estados e
municípios já reduziram alguns tributos por pressão popular. Então, a
parte das desonerações cabe a todo mundo, mas a parte da gratuidade deve
ser garantida pelo governo federal através de leis. Os municípios e os
estados devem arcar com as gratuidades que eles determinam, ou seja, há
casos em que estudantes e doadores de sangue têm gratuidade no
transporte, e assim por diante.
É possível garantir a gratuidade sem aumentar o imposto de outros serviços?
Talvez
o termo gratuidade seja incorreto, porque sempre que falamos em
gratuidade, é claro que alguém está deixando de pagar, mas, para alguém
deixar de pagar, outro está pagando. O que acontece no Brasil, e não é
um padrão no mundo todo, é que o custo das passagens gratuitas é arcado
pelos demais passageiros. Ou seja, outros passageiros pagam para que o
idoso possa andar de graça no transporte público brasileiro, por
exemplo. É claro que isso gera uma injustiça social, porque muitas vezes
pessoas com rendas mais baixas do que um determinado idoso acabam
arcando com o custo da passagem desse idoso. Então, consideramos que as
gratuidades, ou parte delas, assim como acontece em muitos países da
Europa, têm de ser bancadas pelo Estado.
Aí você pergunta: mas
então você está tirando algo de outras pessoas? Sim. Esse é o padrão que
ocorre com qualquer serviço, seja saúde, educação, e uma série de
outros serviços. O que temos de evitar é que quem tem menos condição
arque com esse custo. A lógica é que isso recaia sobre as pessoas que
têm mais condições.
Como o senhor vê a proposta do Pacto
da Mobilidade Urbana da presidente Dilma? Esse pacto já apresentou
alguma ação concreta? Em que medida o Transporte Integrado Social é uma
alternativa ao Pacto da Mobilidade Urbana?
Primeiramente
quero esclarecer que li algumas matérias na imprensa e houve uma falha
de interpretação no nosso texto quando os meios de comunicação informam
que para o Ipea o Pacto da Mobilidade Urbana não fez nada e, por isso,
estava colocando uma proposta através do Transporte Integrado Social.
Esta informação está equivocada, até porque o Ipea é um órgão do governo
federal e, apesar de termos a liberdade de apontar críticas, o objetivo
é que elas sejam construtivas.
Então, aconteceu que acompanhamos a
discussão do Pacto da Mobilidade Urbana com a Casa Civil, com o
Conselho das Cidades, com o Conselho de Assuntos Federativos, com o
Conselhão que foi presidido pelo presidente do Ipea, e levamos essa
proposta para todos esses espaços, inclusive discutimos com movimentos
sociais. A presidente Dilma recebeu os movimentos sociais e essas
propostas. O próprio Conselho das Cidades emitiu uma resolução indicando
de que forma esse pacto deveria ser feito, como poderiam ser utilizados
os R$ 50 bilhões anunciados pela presidente para tratar da questão da
mobilidade.
O que nós comentamos é que, de fato, até o momento há
de concreto os 50 bilhões anunciados pela presidente, mas, em
contrapartida, os movimentos sociais e outras instâncias dentro do
governo também têm suas propostas referentes à mobilidade urbana e já as
colocaram na mesa, anunciando uma série de propostas que consideramos
válidas.
A diferença dessas propostas para as que estamos propondo
agora é simplesmente porque analisamos que há um contexto em que vários
Projetos de Lei poderão ser aprovados e terão um impacto muito grande.
Sugerimos, portanto, que o poder Executivo se antecipe a isso e tenha
uma contraproposta, porque se chegarem à presidência propostas que têm
custos anuais de mais de 20 bilhões para o governo federal, o governo
ficará em uma saia justa. Então, é importante que o Estado entenda esses
impactos e tenha uma contraproposta para isso, tenha uma forma de
priorizar esse público que está sendo colocado nos Projetos de Lei.
Deseja acrescentar algo?
Os
pontos fundamentais são esses: entender o contexto no qual essa questão
está sendo proposta, que se trata de uma contraproposta aos projetos
que estão tramitando na Câmara e no Senado, e entender que apesar de o
pacto da mobilidade urbana não ter oficialmente nenhum resultado que vá
além dos 50 bilhões — pelo menos no ponto de vista do governo — existe
uma movimentação muito forte, dentro e fora do governo, de diversas
propostas para esse pacto.
Foto: Mario Henrique de Oliveira
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