"Carrópolis", a cidade invadida pelo automóvel
Vídeo montagem apresentado na Bienal faz um retrospecto do avanço da cultura do automóvel, revelando seus impactos negativos na vida de cidades,como SP, Rio ou NY
Autor: Regina Rocha / Mobilize Brasil | Postado em: 11 de dezembro de 2013 | Fonte: Mobilize Brasil
Destaque da X Bienal de Arquitetura de São Paulo, encerrada neste mês, o vídeo e instalação "Carrópolis", produzido pelo grupo vapor 324, conseguiu impressionar o público da mostra com um trabalho que é, a um só tempo, sensível e documental, contundente e revelador dos impactos do carro na vida das cidades, sobretudo a partir da segunda metade do século passado.
Thomas Frenk, membro da vapor 324, conta que o convite para a realização desse trabalho partiu dos curadores da Bienal, que tinham uma série de documentos, vídeos e fotos, e queriam dar uma unidade a esse material. "O que fizemos foi transformar uma coleção estática de telas, com o tema do carro, em um produto dinâmico". O público da Bienal pode ver, de uma arquibancada, cenas como a do ex-prefeito Paulo Maluf apresentando sua "grandiosa obra", o Minhocão, que ele dizia ser uma nova solução de sistema viário para São Paulo.
Veja o texto da Bienal sobre o vídeo Carrópolis:
"O automóvel transformou profundamente as cidades a partir do fim da Segunda Guerra Mundial, quando os produtos de consumo foram se tornando cada vez mais acessíveis às massas. Assim como as enceradeiras, os liquidificadores e os aparelhos de televisão mudaram a vida doméstica, os carros modificaram a paisagem urbana, acrescentando agilidade e praticidade ao cotidiano das pessoas num tempo em que a gasolina era muito barata. E, mais do que isso, tornaram-se o principal objeto de desejo, moldando o imaginário de muitas gerações. O automóvel era, então, um signo de poder, liberdade e ascensão social, apontando para um futuro limpo e ordenado, feito de torres conectadas a vias amplas e atravessadas por máquinas velozes. Daí vieram Detroit, Los Angeles, Atlanta, Houston, Dallas, Brasília.
Acontece que a liberdade proporcionada pelo automóvel individual só funciona bem quando beneficia um número limitado de pessoas. No momento em que o carro se generaliza, o trânsito entope as ruas, os espaços públicos são sacrificados por obras viárias cada vez mais áridas e a mancha urbana se desmancha nos subúrbios: nos bairros-dormitórios, nas favelas, nos conjuntos habitacionais de baixa renda e nos condomínios de luxo. Assim, outros programas se instalam no coração das cidades, como bolsões de estacionamentos e edifícios-garagem, feitos para receber os novos cidadãos mecânicos. Ao mesmo tempo, antigos programas se suburbanizam: hotéis dão lugar a motéis, cinemas se tornam drive-ins, letreiros publicitários mudam de escala e viram outdoors e os centros comerciais se metamorfoseiam em shopping centers. A cidade se funde com a estrada, como mostra a lição de Las Vegas. E, quanto mais crescem as vias expressas, os viadutos e os túneis, mais o lucro da indústria automobilística tem uma participação destacada na economia dos países, lastreada no poder econômico do petróleo.
Idealmente, o carro é uma máquina capaz de nos transportar de forma ágil e confortável, permitindo ao condutor o dom do livre-arbítrio, isto é, a possibilidade de mudar de planos ao sabor das solicitações cada vez mais flutuantes da vida contemporânea. Ocorre que essa máquina pesada e movida a combustível fóssil não renovável não trafega por ondas imateriais, como as de telefonia. Está claro, portanto, que não será possível construirmos cidades mais justas e habitáveis se não invertermos a ordem das prioridades, privilegiando a mobilidade coletiva ao invés da individual. Transporte público de qualidade foi a pauta inicial das manifestações de junho no Brasil, focando a mobilidade como nossa condição essencial de direito à cidade. Não é o caso de condenarmos o carro em si, mas o uso irresponsável que fazemos dele. A expressão da livre iniciativa individual se tornou estagnação suicida."
Assista ao vídeo Carrópolis:
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