O Brasil e as "potências emergentes"
Importantes econômica e
geopoliticamente, BRICS podem estabelecer cooperação e parcerias. Mas
não uma aliança estratégica, por ocuparem posições díspares no cenário
mundial
por José Luis Fiori
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publicado
24/10/2013
Considerar a China uma “potência emergente” é, no mínimo, um descuido
etnocêntrico ou um grave erro histórico. No caso da Rússia é uma
tentativa explícita de diminuir a importância de uma nação que assombra
os europeus desde que os soldados de Alexander Nevsky derrotaram e
expulsaram do território russo os cavaleiros teutônicos, germânicos e
suecos na famosa Batalha do lago Chudskoie, em 1242. E que, no século
XX, alcançou em poucas décadas a condição de segunda maior potência
econômica, militar e atômica do mundo. Apesar disto, tornou-se um lugar
comum colocar estes dois países na categoria das “potências emergentes”,
ao lado da Índia e do Brasil, e a própria África do Sul acabou sendo
incluída na produção midiática do grupo BRICS.
A somatória simples indica que o peso demográfico e econômico destes
cinco países é considerável. Juntos, governam cerca de 3 bilhões de
seres humanos, quase metade da população mundial, e desde 2003, o
crescimento do grupo representou 65% da expansão do PIB mundial. O
produto interno bruto destes países já é de cerca de US$ 29 trilhões, ou
seja, 25% do PIB mundial, e já é superior ao dos EUA, e da União
Europeia, tomados isoladamente, pela paridade do “poder de compra”. A
formação de um grupo de cooperação diplomática e econômica, e a
existência de um fluxo comercial e financeiro significativo dentro deste
grupo de países é um fato novo e pode vir a ser a base material de
algumas parcerias setoriais, e localizadas, entre todos ou alguns deles.
Mas não é suficiente para justificar uma “aliança estratégica” entre
estes cinco países que ocupam posição de destaque, nas suas regiões,
pelo seu tamanho, território, população e economia – mas são muito
diferentes, do ponto de vista de sua inserção internacional, geopolítica
e econômica.
Logo depois da dissolução da União Soviética, e durante toda a década
de 1990, muitos analistas vaticinaram o fim da grande potência
eurasiana. Mas a Rússia já foi destruída e reconstruída muitas vezes, ao
longo de sua história milenar. Por sua vez, China e Índia controlam um
terço da população mundial, têm 3.200 quilômetros de fronteiras comuns,
possuem arsenais atômicos e sistemas balísticos de longo alcance e já se
enfrentaram em várias guerras. Dentro do xadrez geopolítico asiático,
China e Índia disputam várias zonas de influência sobrepostas, e possuem
algumas alianças regionais antagônicas. Por sua vez, Brasil e África do
Sul compartem, com os gigantes asiáticos, o fato de serem as economias
mais importantes de suas respectivas regiões, e de serem responsáveis
por uma parte expressiva do produto e do comércio da América do Sul e da
África. Mas os dois países não têm disputas territoriais com seus
vizinhos, não enfrentam ameaças externas imediatas à sua segurança, e
não são potências militares relevantes. Mesmo assim, o Brasil é mais
extenso, populoso, rico e industrializado do que a África do Sul, dispõe
de recursos estratégicos, tem capacidade para ser auto-suficiente do
ponto de vista alimentar e energético e possui uma importância e uma
projeção regional, política e econômica, dentro da América do Sul, muito
maior do que a da África do Sul dentro do continente africano. E, por
isto também, o Brasil tem, no médio prazo, um potencial de expansão
pacífica e de projeção internacional de sua influência muito maior que a
dos africanos – e talvez mais desimpedida, ou desbloqueada, que a dos
russos e dos asiáticos.
Nas próximas décadas, o mais provável é que a Rússia tente reverter
suas perdas sofridas depois do fim da Guerra Fria e se proponha um
imediato retorno ao núcleo central das grandes potências, deixando de
ser “potência emergente”. Enquanto a China tende a se afastar de
qualquer aliança que restrinja sua ação no tabuleiro internacional, já
na condição de quem participa diretamente da gestão econômica do poder
mundial. Por sua vez, a Índia não tem nenhuma perspectiva nem projeto
expansivo global e deve se dedicar cada vez mais ao seu “entorno
estratégico”, onde a expansão da China aparece como sua principal ameaça
regional. Comparado com estes três “países continentais”, o Brasil tem
menor importância econômica do que a China e muito menor poder militar
do que a Rússia e a Índia. Mas, ao mesmo tempo, o Brasil é o único
destes países que está situado numa região onde não enfrenta disputas
territoriais com seus vizinhos, e por isto é o país com maior potencial
de expansão pacífica, dentro da sua própria região. Por último, o
Brasil, mais do que a África do Sul, deve manter e ampliar sua posição
de estado relevante, dentro do sistema mundial, mas com pouca capacidade
ainda de projetar seu poder fora do seu “entorno estratégico”, durante
as próximas décadas.
Somando e subtraindo, a categoria das “potências emergentes” pode
gerar inciativas diplomáticas importantes, mas o mais provável é que
este grupo perca coesão e eficácia, na medida em que o século XXI for
avançando, e que cada um destes cinco países seja obrigado a tomar o seu
próprio caminho, mesmo na contramão dos demais, na luta pelo poder e
pela riqueza mundial.
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José Luís Fiori é professor titular de
Economia Política Internacional da UFRJ, é Coordenador do Grupo de
Pesquisa do CNPQ/UFRJ, “O poder Global e a Geopolítica do Capitalismo”,www.poderglobal.net. O último livro publicado pelo autor, O Poder Global, editora Boitempo, pode ser encontrado em nossa loja virtual. O acervo de seus textos publicados no Outras Palavras, podem ser lidos aqui.
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