Grajaú ocupado
No distrito mais populoso de São Paulo, moradores não conseguem pagar alugueis e ocupações pipocam em terrenos vazios
por Piero Locatelli — publicado 30/08/2013
Em julho deste ano, Luzia Maria da Silva, de 50 anos, entregava currículos para trabalhar como merendeira em escolas. Moradora do distrito do Grajaú, distante quarenta e dois quilômetros do centro de São Paulo, ela soube das ocupações de terrenos vazios na região enquanto buscava emprego. “Dentro da perua, escutei um pessoal que já tinha pegado a terra comentando o assunto. Então eu falei 'vou tentar também'. Se eu não tentar, quem é que vai tentar por mim? E fui em busca de lugar para morar.”
Luzia marcou seu espaço numa ocupação no bairro Moraes Prado. Ela se sustenta com pequenos trabalhos, como a venda de panos de prato, e conta não ter condições de pagar o aluguel de 400 reais por dois cômodos em um cortiço, onde vive com sua filha de 11 anos. “É uma vida que não dá para continuar. Ou você paga aluguel, ou você come.” Ela agora se divide entre o cortiço e o barraco armado no terreno.
O caso de Luzia não é isolado. Em busca de moradia, muitos contam ter marcado seus lugares em terrenos vazios na região da zona sul de São Paulo. Incapazes de pagar aluguel, contam ter seguido o exemplo de outros moradores. Hoje há quatorze terrenos ocupados no distrito do Grajaú, segundo dados da subprefeitura da Capela do Socorro.
A subprefeita Cleide Pandolfi diz que não esperava as ocupações, discordando dos relatos feitos pelos moradores. “A gente não consegue identificar as demandas antigas de associações de moradores. Não há uma comissão ligada a um movimento desse tipo. São sempre pessoas avulsas, uma figura ou outra que está orquestrando isso,” diz. “A região não teve mesmo um plano habitacional, mas agora, quando vai ter, acontecem essas invasões orquestradas. Isso só me leva a pensar que tem um objetivo político”.
Protestos. A tomada de terrenos na região começou logo após os protestos de junho pela redução da passagem de ônibus e metrô. Enquanto as manifestações do centro da cidade ganhavam atenção, atos também aconteciam na periferia, inclusive no Grajaú.
Em 20 de junho, militantes de partidos políticos e movimentos sociais foram hostilizados por manifestantes com bandeiras do Brasil na avenida Paulista. No mesmo dia, moradores do Grajaú fecharam a ponte do Socorro, sobre a marginal Pinheiros, com uma faixa escrito “Somos sem pátria, somos revolucionários”.
As primeiras ocupações aconteceram logo após esses protestos e se espalharam pelo bairro. Os quatro terrenos visitados pela reportagem mostravam situações semelhantes: em áreas espaçadas, com as árvores preservadas, os lotes são marcados com no máximo cinco metros por vinte e cinco. Os moradores explicam que, por ser uma Zona Especial de Interesse Social, esse é o tamanho que deve ser seguido para viabilizar políticas habitacionais de "interesse social".
Com os nomes dos moradores em placas, alguns dos terrenos estão ocupados pelos moradores, que dormem no local, e outras aguardam a chegada dos seus donos, por enquanto provisórios. Os que já ergueram um teto no terreno contam com barracos de lona e, em alguns casos, de chapas de madeira compensada.
Uma das possibilidades aventadas pelos ocupantes é que a Caixa Econômica compre as áreas e construa habitação de acordo com o programa Minha Casa Minha Vida Entidades. Nele, os próprios moradores, por meio de uma entidade parceira do governo, tomam conta do projeto e da execução das obras de moradia.
A subprefeita diz que esse tipo de política “não vale” para o Grajaú. “A invasão inviabiliza a construção de unidades habitacionais. Temos que construir prédio para verticalizar, já que estamos entre duas represas. Nós temos que deixar a permeabilidade, e cumprir a demanda desse jeito, sem contribuir para as enchentes”, afirma.
A região cresceu nas margens das represas Billings e Guarapiranga em um ritmo maior do que o da cidade nos últimos trinta anos. Desde a década de 80, a população do Grajaú triplicou e agora alcança 456.777 pessoas, o que o transformou no bairro mais populoso da cidade.
Boa parte desse crescimento aconteceu a partir de ocupações feitas ao longo desse período. Zenilde de Souza Silva, 60 anos, que hoje busca uma casa, conta ter participado da tomada de um terreno no começo dos anos 80. “A diferença é que antigamente não despejavam ninguém. A prefeitura colocava água, tinha luz, e ela mesma trazia os postes. Eram umas invasões que eles deixavam, não tiravam.”
Para a Rede Extremo Sul, movimento social que atua na região, políticas como o Programa Mananciais (da prefeitura) atendem aos interesses da especulação imobiliária. “Todos sabemos que a região dos mananciais abrange uma área enorme, que inclui o Autódromo de Interlagos, áreas habitadas por ricos, grandes casas noturnas, que, é óbvio, permanecerão intocadas. As áreas ameaçadas são apenas a de comunidades pobres,” diz a rede Extremo Sul em manifesto.
Granja do Japonês. Um das ocupações atuais acontece na Granja do Japonês, no bairro do Jardim Lucélia, onde o movimento Rede Extremo Sul auxilia os moradores a se organizarem no local. Ao lado da granja, corre um riacho poluído. Atrás dos barracos erguidos, algumas galinhas se alimentam juntamente com os pombos e são vendidas ali mesmo.
No terreno da granja, Hélio Carlos, de 28 anos, erguia um barraco de compensado de madeira em um dos 900 lotes divididos na área. “Estou tomando a decisão certa para não gastar dinheiro. Se eu fizer de bloco e depois derrubar, a vida fica ainda mais difícil.”
Sem emprego fixo, ele ganha entre 800 e 900 reais por mês em trabalhos diversos como o de pedreiro, e diz não conseguir mais pagar os 400 reais de aluguel para ele e seu filho. Por isso, foi se abrigar na casa de um tio. “Morar em casa de parente é a pior coisa. Chega um dia de cara fechada, outro de cara aberta. E aí, faço o quê? A situação é difícil”, conta. “Um dia eu fui trabalhar, quando voltei vi aquela multidão aqui dentro e acabei entrando nesse espaço também”, lembra.
Segundo os moradores, na área ocupada não havia ninguém há pelo menos quatorze anos. Procurado, o advogado do proprietário se recusou a falar com a reportagem.
A área está com a reintegração de posse decretada, a exemplo do que aconteceu em outras ocupações da região. Nesta semana, uma ocupação no Jardim Itajaí foi desocupada e outras correm o mesmo risco, inclusive dois terrenos de posse da prefeitura da cidade.
As pessoas retiradas das áreas entram nas filas de programas habitacionais. A subprefeita diz que elas não terão preferência sobre outros já cadastrados na distribuição de vagas: “A gente está evitando que outras pessoas que chegaram por último e até de fora no movimento passem na frente.”
A Secretaria de Habitação da prefeitura mantém vinte programas de moradia em curso na região. Em nota, a secretaria afirma que “as ocupações são movimentos isolados e recentes na região". "Reiteramos que as ocupações prejudicam a política habitacional em curso cuja meta é a entrega 55 mil domicílios nos próximos quatro anos, para enfrentar um déficit de 230 mil.”
Luzia, por sua vez, diz não confiar nos programas habitacionais da prefeitura e do estado. “Se a gente ficar na fila do CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano), eu vou morrer e não vai ter moradia. Ter terra depois de estar no caixão não adianta.”
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