Para Chomsky, empresas da web permitirão a governos 'saber tudo' sobre internautas
Atualizado em 11 de julho, 2013
O linguista americano Noam Chomsky, conhecido pelas
críticas que faz à conduta das autoridades de seu próprio país, acredita
que as grandes corporações da internet estão juntando dados diversos de
usuários da internet com mais competência do que os governos, e que
isso permitirá que as autoridades possam conhecer "tudo" a respeitos dos
seus cidadãos.
Em entrevista à BBC Mundo, no Instituto de
Tecnologia de Massachusetts (MIT) ─ no mesmo lugar onde, em 1962, John
Carl Robnett Licklider concebeu pela primeira vez a ideia de uma rede
global ─, Chomsky opina que as revelações do ex-técnico da CIA Edward
Snowden sobre a espionagem de cidadãos praticada pelos EUA são uma prova
de que os governos podem se beneficiar de dados sobre usuários que são
coletados pelas grandes corporações.
Chomsky, que revolucionou a linguística e escreveu mais de cem
livros, reconhece que a web pode ser valiosa - ele mesmo a usa o tempo
todo -, mas desmistifica seu impacto e questiona suas consequências.
O linguista argumenta que o advento do telégrafo
e das bibliotecas públicas teve um impacto muito maior do que a rede
mundial de computadores nas comunicações e no acesso ao conhecimento.
Além disso, ele considera o Google Glass —
óculos inteligentes ainda em fase de testes — "orwelliano e ridículo" e
acredita que a web pode isolar e radicalizar seus usuários.
Veja a seguir os destaques da entrevista:
Internet x telégrafo
"A internet representa uma mudança, mas houve mudanças maiores quando se observa o último século e meio.
A transição entre a comunicação viabilizada pela
navegação à vela e a viabilizada pelo telégrafo foi muito maior do que
(a transição) entre o correio tradicional e a internet.
Há 150 anos, se você mandasse uma carta à
Inglaterra, a resposta poderia demorar dois meses, porque viajaria em um
barco ou talvez não chegasse a seu destino.
Quando surgiu o telégrafo, a comunicação se
tornou praticamente instantânea. Agora que temos a internet, ela apenas
ficou um pouco mais rápida."
Internet x bibliotecas
"Há um século, quando foram criadas bibliotecas
públicas na maioria das cidades americanas, a disponibilidade de
informação e o incremento da riqueza cultural foi amplamente maior do
que o gerado pela internet.
Agora você não precisa atravessar a rua para ir à
biblioteca e pode acessar a informação em sua própria sala de estar.
Mas a informação já estava lá, do outro lado da rua.
A diferença entre a internet e uma biblioteca é
menor do que a diferença entre a ausência de uma biblioteca e sua
existência (...). Além disso, na biblioteca pelo menos você pode confiar
que o material terá certo valor, porque passou por um processo de
avaliação.
A internet é um conjunto de ideias, e é difícil
distinguir entre o que alguém pensou enquanto atravessava a rua ou algo
que alguém de fato estudou com profundidade."
Mais unidos ou mais separados?
"Caminhar falando ao telefone é uma forma de se manter em contato com os demais, mas será um passo adiante ou para trás?
Acho que provavelmente seja um passo para trás, porque separa as pessoas e constrói relações superficiais.
Em vez de falar com as pessoas cara a cara,
conhecê-las pela interação, está se desenvolvendo uma espécie de caráter
casual dessa cultura.
Conheço adolescentes que acham que têm centenas
de amigos, quando na verdade estão muito isolados. Quando escrevem no
Facebook que amanhã terão uma prova na escola, recebem uma resposta como
"boa sorte" e concebem isso como amizade.
Ainda não vi nenhum estudo a respeito, mas acho
que a nova tecnologia isola as pessoas em um grau significativo,
separa-as umas das outras."
Mente mais aberta?
"A internet fornece acesso instantâneo a todo o
tipo de ideias, opiniões, perspectiva, informações. Será que isso
ampliou nossas perspectivas ou as estreitou?
Acho que as duas coisas. Para alguns, ampliou.
Se você sabe o que está procurando e tem um senso razoável de como agir,
a internet abre perspectivas. Mas se você chega à internet
desinformado, pode acontecer o oposto.
A maioria das pessoas usa a internet como entretenimento, diversão. Mas entre a minoria que a usa para buscar informação, nota-se que elas identificam muito rapidamente seus sites favoritos e os visitam porque eles reforçam suas próprias ideias. Daí você fica viciado nesses sites, que dizem exatamente o que você está pensando e (você) não olha mais aos demais.
Isso tem um efeito cíclico; o site se torna mais radical, e você se torna mais radical e se separa dos demais."
Sem segredos
"Apenas por fins comerciais, Google, Amazon e
etc. estão colecionando enormes quantidades de informação sobre as
pessoas - informação que não acho que eles devessem ter.
Rastreiam os seus hábitos, suas compras, seu
comportamento, o que você faz, e estão tentando controlá-lo direcionando
você para determinado caminho.
Acho que isso é feito em níveis que superam o do governo. Por isso, o governo está pedindo ajuda (a essas corporações).
Os mais jovens muitas vezes não veem problema
nisso. Vivem em uma sociedade e uma cultura de exibicionismo, em que
tudo é colocado no Facebook, em que você quer que todo o mundo saiba
tudo sobre você. Assim, o governo também saberá tudo sobre você."
Tecnologia neutra?
"Quando os meios para fazer algo estão
disponíveis e acessíveis, são tentadores. E as pessoas, principalmente
as mais jovens, tendem a usá-los.
A internet é uma tecnologia acessível, há muita
pressão para o seu uso, todo mundo quer dizer 'eu fiz isso, eu fiz
aquilo'. Há um componente de autoglorificação.
Mas também há toneladas de publicidade. A
internet vende a si própria como um meio de comunicação e, até certo
nível, isso é verdadeiro: posso conversar com amigos de verdade em
diferentes partes do mundo e interagir com eles de uma maneira que seria
difícil por correio.
Por outro lado, a internet tem o efeito oposto. É
como qualquer tecnologia: é basicamente neutra, você pode usá-la de
forma construtiva ou danosa. As formas construtivas existem, mas são
poucas."
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