Desenvolvimento ou semicolônia? Acordo YPF-Chevron
Quando o governo argentino expropriou 51% da empresa
Repsol, da Espanha, falou da nacionalização do petróleo e da recuperação
da soberania; no entanto, agora, assinou contrato com a empresa
estadunidense Chevron, oferecendo-lhes vantagens inéditas. O que
significa isso para nossa soberania nacional?
26/07/2013
Adolfo Pérez Esquivel
Nosso
país tem suportado todo tipo de calamidades; creio que mais do que as 7
pragas bíblicas. Porém, temos a capacidade de sobreviver e continuar
construindo apesar de tudo.
Uma delas é a dívida
externa, que passou a ser a "dívida eterna”, cujos fundos abutres não
perdem a oportunidade de ‘pisar’ sua vítima.
Os
sucessivos governos negaram-se e negam a fazer uma auditoria para
determinar a dívida legítima da ilegítima; e hoje os abutres reclamam o
pagamento de uma dívida imoral e ilegítima e o país deve submeter-se a
tribunais dos EUA.
Enquanto o governo insiste nos
benefícios alcançados e em defender a "década ganha” do modelo K, que
se autodefine "nacional e popular”, surgem contradições e incertezas que
enervam os ânimos e provocam justificadas tensões nos diversos setores
sociais, internamente e também em âmbito regional e internacional.
Quando
o governo argentino expropriou 51% da empresa Repsol, da Espanha, falou
da nacionalização do petróleo e da recuperação da soberania; no
entanto, agora, assinou contrato com a empresa estadunidense Chevron,
oferecendo-lhes vantagens inéditas. O que significa isso para nossa
soberania nacional?
Coloquemos em evidência algumas das consequências do flamejante acordo da YPF com a petroleira transnacional:
O julgamento perdido pela Chevron no Equador por violar Direitos Humanos e a impunidade por parte da Corte Suprema Argentina
A
empresa Chevron-Texaco, após 20 anos de julgamento no Equador, foi
condenada a pagar 19 bilhões de dólares pelos danos ocasionados pelo
derrame de milhões de litros de petróleo e pela contaminação de rios e
cerca de 500 mil hectares no território de comunidades indígenas. Esses
danos foram denunciados pelas comunidades indígenas e pela Conaie
(Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador).
A
empresa condenada foi embora do Equador e aterrizou na Argentina, com o
beneplácito do governo, e a justiça argentina acolheu a demanda
judicial equatoriana e a embargou pelo montante devido. A empresa apelou
à Corte Suprema de Justiça da Argentina e esta suspendeu o embargo
motivado pelos acordos da YPF-Chevron, abrindo um precedente de
impunidade jurídica, que atingirá a todos os povos latino-americanos.
Recentemente,
tivemos um Congresso na Academia de Ciências do Ambiente, em Veneza,
onde levei o problema mencionado para que os cientistas e juristas
avaliassem o impacto e consequências na perspectiva do direito
internacional e a situação sanitária e impacto ambiental sobre os povos.
Porque vimos impulsionando junto a várias organizações a criação de um
Tribunal Penal Internacional do meio Ambiente. É inconcebível que uma
empresa esteja prófuga da justiça, nesse caso da Justiça do Equador, e
possa continuar operando em outro país.
A Iniciativa do Departamento de Estado estadunidense y o Fracking
Esse
acordo se dá no marco da "Iniciativa Global de Gás de Esquisito”, do
Departamento de Estado estadunidense, que nos inclui desde o ano 2010.
Em 2012, tivemos um encontro de intelectuais de 21 países em Cuba "Pela
paz e pela preservação do meio ambiente”, junto ao Comandante Fidel
Castro. Nesse encontro, Fidel falou dessa iniciativa do Departamento de
Estado e de que a Argentina é o terceiro país, depois da China e dos
EUA, com maiores reservas de Shale Gás (gás de esquisito). O "Decreto
Chvron” (Dec. Nº 929/13) implica a exploração de hidrocarbonetos não
convencionais que são extraídos mediante um método de fratura hidráulica
(fracking), que é altamente contaminante para o meio ambiente e, claro,
para as populações.
Seria importante que o
governo nacional investigue porque o fracking está proibido na França,
na Bulgária, no Estado de Vermont (EUA) e no Quebec (Canadá), enquanto
que em outros lugares foi aprovada a moratória (suspensão), tal como
aconteceu em Nova York e em várias regiões da Europa. Não seria a
primeira vez que os países centrais exportam a contaminação para os
países do mal chamado "terceiro mundo”, para cuidar do mal chamado
"primeiro mundo”. Recordam das indústrias de papel no Uruguai?
Isso é soberania ambiental?
Os Direitos dos Povos Originários
Porém,
esse acordo afeta nossa soberania em muitos níveis. Por exemplo, viola a
normativa internacional e nacional dos direitos dos povos indígenas
devido a que não foram consultados previamente à assinatura do contrato,
tal como estabelece a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos
dos Povos Indígenas, em seu artigo 19; no artigo 6, do Convênio da OIT
Nº 169 sobre Povos Indígenas e Tribais em países independentes; e no
inciso 17 do artigo 75, da Constituição Nacional argentina. E nossa
soberania plurinacional? O anti-imperialismo é somente de estátuas
(Cristóvão Colombo por Juana Azurduy)?
Teremos que indenizar a Chevron? Os Tratados Bilaterais de Investimento e o Ciadi.
O
contrato permite que nos submetamos aos tribunais da França e dos EUA
por motivo dos Tratados Bilaterais de investimento que temos com esses
países. Isso significa que a Chevron levará nossos recursos com
facilidades inéditas; vai nos contaminar e se quisermos rescindir o
contrato devido às suas consequências desfavoráveis, seremos processados
pela Chevron junto ao Ciadi e teremos que indenizá-la, pagando-lhe
milhões de dólares.
A Argentina é o país com mais
julgamentos no mundo no Ciadi, um organismo do Banco Mundial que
costuma ditar a favor das transnacionais e o montante aproximado que as
empresas estrangeiras demandam é de aproximadamente 65 bilhões de
dólares.
Isso é soberania jurídica? O governo
argentino se perguntou porque a Bolívia, o Equador e a Venezuela
denunciaram ao Ciadi e se retiraram desse organismo em 2007, 2009 e
2012, respectivamente? Se perguntou porque o Brasil nunca entrou no
Ciadi?
Soberania Energética e unidade latino-americana
A
recuperação de 51% da YPF e seu decreto regulatório foram importantes
passos que demos e que eu apoiei pessoalmente. Porém, o governo desviou o
caminho de forma grotesca e improvisada, entregando com enormes
benefícios uma das potenciais jazidas mais importantes do mundo: Vaca
Muerta. E permitindo que a Chevron gire regalias ao exterior, sem
retenções e que nos venda nosso próprio petróleo ao preço internacional.
É
tão difícil pensar em uma YPF 100% pública e nacional, que faça
convênios estratégicos de unidade latino-americana com as petroleiras
PDV (Venezuela), Petrobras (Brasil), YPFB (Bolívia) e Ancap (Uruguai)? É
tão difícil pensar que os recursos naturais dos latino-americanos sejam
dos latino-americanos? É tão difícil pensar que nosso governo invista o
necessário em investigação e desenvolvimento de energias renováveis
para ter novos complementos?
A irresponsabilidade
governamental oculta as graves consequências para o povo que tem essa
medida, como também o faz com a megamineração (Barrick Gold e outras) e
os agrotóxicos (Monsanto).
O Vice-Ministro da
Economia, Kicillof, diz alegremente que "vamos ter um carnaval de
atividade”. Não sei até que ponto os que governam medem as consequências
do que representa esse contrato e o que significa a palavra soberania.
Por algum motivo mantêm em segredo os convênios.
Mas, estamos seguros que "desenvolvimento” é alcançar o equilíbrio entre as necessidades dos povos e o meio ambiente.
O
governo nacional deve consultar de maneira vinculante a todo o povo
argentino sobre essas decisões que, uma vez postas em marcha, têm
consequências irreversíveis que atingem muitas gerações.
Os
argentinos devemos debater para que queremos nossa energia e a serviço
de quem, sem esquecer que não somos os donos da Mãe Terra, simplesmente
somos seus filhos e devemos cuidá-la e honrá-la.
Adolfo Pérez Esquivel é prêmio Nobel da Paz e presidente do Serviço Paz e Justiça da Argentina.
Tradução: ADITAL
Nenhum comentário:
Postar um comentário