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quinta-feira, 3 de julho de 2014

PORQUE SOMOS CADA VEZ MENOS?

PORQUE SOMOS CADA VEZ MENOS?



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Por: Catarina Pires 24/06/2014 - Fotografia de Leonardo Negrão / Global Imagens

O saldo demográfico português é cada vez mais negativo. O geógrafo Jorge Malheiros explica o fenómeno.
Esta semana, o Instituto Nacional de Estatística revelou que o país perdeu 60 mil pessoas em 2013. Com o aumento da esperança de vida, a diminuição dos nascimentos diminuem e a emigração a levar do país grande parte dos seus ativos, Portugal atravessa uma crise demográfica. O que fazer?As respostas de Jorge Malheiros, geógrafo, professor universitário do Instituto de Geografia e Ordenamento do Território da Universidade de Lisboa e vice-presidente da Associação Portuguesa de Demografia.

Portugal está a atravessar uma crise demo gráfica. Isto quer dizer exatamente o quê?

Que estamos a passar por um proces so de regressão populacional, que ten de a acelerar, e por um processo de enve lhecimento, que tem vindo a intensificar–se bastante e que resulta da conjugação de um saldo migratório negativo, nos últimos três ou quatro anos, e de um saldo natural também negativo em virtude de uma di minuição da fecundidade e da natalidade que, embora já seja antiga, se acentuou re centemente. O grande crescimento do flu xo emigratório ou os desequilíbrios demo gráficos internos, com a concentração da população no litoral e nas duas áreas me tropolitanas de Lisboa e do Porto, são tam bém expressões dessa crise.


Os últimos três a quatro anos de que fala fo ram marcados pela crise económica e pelas políticas de austeridade. Pode dizer-se que isso agravou a crise demográfica?
Embora a curva da natalidade venha a decrescer em termos estruturais há mui to tempo, cerca de 40 anos – tivemos o últi mo crescimento visível logo a seguir ao 25 de Abril e depois um outro, menos signifi cativo, nos anos 1990 –, nestes últimos três a quatro anos, de facto, esta diminuição acen tuou-se bastante. Andávamos próximos dos cem mil nascimentos anuais e passámos pa ra os oitenta a noventa mil. Mais do que a cri se económica, foi o tipo de resposta adotado que ajudou a acentuar alguns destes proces sos. Uma resposta muito tardia e deficitária nas estratégias de crescimento e/ou de cria ção de emprego contribui claramente pa ra que a emigração aumente e o número de nascimentos diminua.


O convite à emigração, feito pelo primeiro–ministro no início do seu mandato, parece ter sido aceite.
Sim, e isso leva-nos a pensar que país que remos. Se Portugal continuar a perder a po pulação mais jovem e a envelhecer de for ma substancial, daqui a trinta ou quarenta anos estará, provavelmente, nos sete/oito milhões de habitantes. Ora, a regressão de mográfica significa normalmente declínio e perda de dinâmica económica. Em países com níveis de desenvolvimento médio ou elevado, à componente económica está as sociada, em regra, estabilidade demográfi ca e não regressão, muito menos forte. Es tamos a falar de um país com dez milhões e meio que em trinta ou quarenta anos pode rá ter, se nada for feito, menos dois ou três milhões de pessoas. Imagine um país com um conjunto de população idosa nacional e estrangeira – porque pode dar-se o caso de a seguir aos golden visa para quem inves te em imobiliário caro, termos o golden visa II para idosos que venham passar a sua refor ma a Portugal – assistida pelos poucos mais jovens que restam. Seria um país franca mente triste. E estranho.


Diz que nenhum país consegue ter cresci mento económico com regressão demográ fica. É uma pescadinha de rabo na boca? 
Repare, o envelhecimento em si não é mau, a velocidade a que está a acontecer é que é problemática. O desequilíbrio entre jovens e idosos, e sobretudo entre ativos e não ativos idosos, é que pode pôr em causa muitos aspetos da sustentabilidade social. Uma sociedade precisa da experiência dos mais velhos, mas também de população jo vem para arriscar e inovar. A questão cen tral é a do equilíbrio entre gerações, fun damental para a sustentabilidade social. Se acreditamos num modelo de Estado so cial, temos de ter uma população ativa que seja suficiente para cobrir as despesas rela cionadas com os não ativos. Um desequi líbrio neste domínio terá custos elevados. E não se trata apenas da sustentabilidade da Segurança Social, está em causa o próprio funcionamento do Estado e da economia, pa ra os quais a população ativa contribui atra vés dos seus impostos, diretos e indiretos, dos seus rendimentos e da sua produtivida de. E, além disso, creio que há outro aspe to importante, que é de ordem mais sim bólica, e que tem que ver com o nosso «es tado de alma» enquanto nação e povo, que transpõe para a geração seguinte a ideia de futuro, de progresso, de mudança, o que é bem mais difícil de fazer com uma população muito envelhecida.

A crise demográfica em Portugal tem para lelo na Europa?

Tão extrema não. Mas a Europa atra vessa, toda ela, com exceções como a França e a Irlanda, uma situação demo gráfica muito complicada, sobretudo nos países do Sul e do Leste, que têm natali dade e fecundidade mais baixas e per dem população por via dos saldos migra tórios negativos. Mas em Portugal o pro blema é mais grave ainda, e daí falar-se em crise demográfica. Temos as taxas de fecundidade mais baixas do mundo, so mos um dos dez países mais envelheci dos do mundo e fizemos uma transição muito rápida em direção a este envelhe cimento. Não obstante a necessidade de a Europa criar políticas comuns em ma téria de demografia, Portugal tem de ter uma política própria.

Como se inverte, então, esta tendência?
Acredito que é possível, em cerca de dez anos, retomar uma natalidade próxima dos cem mil nados-vivos anuais. Para isso, é necessária uma política amiga das pes soas. O discurso de que «as pes soas não es tão melhor, mas o país está» tem de acabar. O país são as pessoas, os cidadãos. Dito is to, apesar de se verificar uma componen te estrutural de diminuição da natalidade, há níveis mínimos que estão em sintonia com o desejo que muitos casais jovens têm de ter, pelo menos, dois filhos. Tendo em conta esse desejo e o volume de população portuguesa que ainda não o realizou e tem idade para o fazer, creio que seria possível voltar aos cem mil nascimentos, o que já permitiria um equilíbrio entre nascimentos e óbitos, aproximando-nos da reposição das gerações. Não é preciso crescer, nem crescer muito, estes valores já atenuariam o processo de envelhecimento.

E em que consistiria essa política amiga das pessoas?
Para inverter a tendência de crise de mográfica, tem de haver no domínio económico uma clara política de cria ção de emprego e de melhoria do quadro das relações laborais. É preciso estabili dade para se ter filhos. Não se pode pe dir às pessoas que os tenham num qua dro de precariedade e vulnerabilidade, porque os filhos são para muito tempo, não são para seis meses, como os contra tos de trabalho precários. Depois, com plementarmente, podem criar-se incen tivos diretos à natalidade: subsídios, me lhoria dos sistemas de apoio às crianças, como a rede de creches, aumento das li cenças parentais, reformas mais cedo para quem tem filhos… há uma série de medidas de compensação que podem ser criadas. É essencial ainda equilibrar o fe nómeno migratório de forma a que, por exemplo, os portugueses que emigram não sintam a necessidade de ter os filhos fora do país. Nasce um número significa tivo de crianças de pais portugueses no estrangeiro. Se os juntássemos cá, tínha mos um saldo natural positivo.

A imigração, nos anos noventa, em Por tugal, adiou de alguma forma esta crise demográfica?
Sobretudo na segunda metade dos anos noventa e no início deste século, a imi gração foi um fenómeno importante. Al guém disse, a determinada altura, que os imigrantes eram uma boa notícia para o país. E foram, de facto. Os países que têm economias mais dinâmicas são os mais atrativos em termos de imigração, atraem população mais do que a repelem. O que aconteceu em Portugal nesses dez-quinze anos felizes – simbolicamente felizes para todos nós porque há uma série de eventos que no imaginário nacional se traduzem na ideia de um Portugal moderno, que ca minhava a passos largos para a conver gência com os países mais avançados da União Europeia – teve na imigração um dos seus elementos representativos, so bretudo na oriunda do Brasil e, mais ain da, do Leste da Europa, porque menos tra dicional e foi, à época, uma novidade.

E que impacte teve em termos demográficos?
Muito positivo. Por um lado, direto, porque a sua chegada originou um sal do migratório positivo, e, por outro, in direto, porque, por via do reagrupa mento familiar, tivemos um nascimen to grande de filhos de casais estrangeiros ou «mistos». Até há muito pouco tempo cerca de dez por cento dos nascimentos em território nacional (e em regiões co mo o Algarve isto multiplicava-se por mais de dois) eram filhos de mãe estran geira. De resto, estas deram um contri buto importante para o superavit que tí nhamos em termos de nascimentos re lativamente aos óbitos que prevaleceu até 2007-2008. Este foi-se tornando pro gressivamente mais pequeno e se não fossem os nascimentos de mãe estran geira, seria já negativo na primeira me tade do decénio inicial deste século e não apenas em 2009. E há um outro factor a realçar: a noção de cosmopolitismo. Não é um chavão, traduz uma sociedade mais ajustada a estes novos tempos de globali zação e interação entre povos. Vários es tudos associam a competitividade à ideia de diversidade, em diferentes domínios. A presença de imigrantes é sinal de diver sidade e o desenvolvimento da tolerân cia, aspeto fundamental nessa ideia da competitividade urbana, também se ma nifesta na forma como nos relacionamos com o outro. Uma presença muito forte deste outro, seja ele africano, brasileiro ou europeu de leste, ajudou-nos a abrir horizontes e, certamente, a inovar mais.

Nas últimas eleições europeias, assisti mos à ascensão de partidos de extrema direita, com um discurso xenófobo e racis ta, que venceram em França e na Dinamar ca e tiveram uma votação expressiva, por exemplo, na Grécia. Em Portugal o risco de isto vir a acontecer não existe?
Risco existe sempre, mas é pouco pro vável, sobretudo se formos capazes de prolongar as condições que caraterizam o contexto atual. Parece-me que houve na sociedade portuguesa um razoável consenso nacional em torno de uma po lítica de integração dos imigrantes, em bora a gestão dos fluxos migratórios não tenha corrido tão bem, ou não teríamos tido que fazer tantas regularizações ex traordinárias. Mas a ideia de que as pes soas vêm para trabalhar e têm de ter di reitos porque dão um contributo para a sociedade nacional parece-me estar bem assente. Para a maioria dos portugueses, a xenofobia e o racismo não são aceitá veis, até porque há um paralelismo com a emigração, que é uma experiência cole tiva nacional que ajuda a compreender e a gerar empatia com os imigrantes. Mas se isto explica que não tenhamos parti dos de pendor xenófobo e anti-imigração relevantes, não quer dizer que o perigo não exista. Basta que, no contexto euro peu, ganhe força e se difunda este discur so e a tendência, terrível a meu ver, pa ra a reposição das fronteiras externas e o controlo da circulação interna num qua dro de exaltação dos nacionalismos, para que possamos assistir, dentro de portas, ao crescimento de forças políticas como as que ganharam as eleições em França. Há que trabalhar a nível europeu no sen tido de impedir estes processos. Se não o fizermos, os riscos são grandes, não só para os imigrantes de países terceiros, mas também para os designados conci dadãos europeus, colocando mesmo em causa todo o ideário que permitiu a edifi cação da União Europeia.

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