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segunda-feira, 30 de junho de 2014

China “estica” mapa nacional para defender reivindicações marítimas

China “estica” mapa nacional para defender reivindicações marítimas

Pequim levou para a cartografia seu conflito com o Sudeste Asiático pela soberania de centenas de ilhas no Mar da China Meridional, com um mapa oficial que pela primeira vez inclui todas as águas em conflito, o que “estica” as cartas nacionais em milhares de quilômetros ao sul.
O mapa, apresentado ao público nesta semana pela Editoria Cartográfica de Hunan, muda radicalmente o aspecto que os mapas nacionais da China têm, já que pela primeira vez é vertical e não horizontal, como todos são pendurados em salas de aula, bibliotecas e escritórios do país.
Isso se deve ao fato de que pela primeira vez aparecem na mesma escala que a grande massa continental chinesa arquipélagos como as Ilhas Spratly e as Ilhas Paracel, que a China disputa com Vietnã, Filipinas, Indonésia, Malásia, Brunei e Taiwan, e que tenta reivindicar também construindo nelas desde cidades a pistas de pouso ou instalações turísticas.
O mapa é um pouco chocante, porque muitas dessas ilhas são tão pequenas que mal são visíveis na nova representação geográfica, e o aspecto final é o de um plano no qual a China está um pouco descentralizada, na parte superior.
Representações oficiais anteriores da China também incluíam as ilhas em conflito, mas em escala menor que o resto do país e em minimapas inseridos em um cantinho, de maneira similar a outros países com arquipélagos afastados de sua massa continental, como as Ilhas Canárias, da Espanha; ou a Ilha de Páscoa, do Chile.
O mapa atual, que estende cinco mil quilômetros ao sul os limites da China, coloca 10 linhas como fronteiras marítimas imaginárias entre o gigante asiático e os países do sudeste do continente.
O novo mapa também não deixa de incluir uma dessas linhas de fronteira entre o Japão e as Ilhas Diaoyu (Senkaku para os japoneses), controladas de fato por Tóquio, mas que Pequim reivindica, em outro grande conflito.
O litígio que mais dor de cabeça causa este ano a Pequim é, no entanto, o que mantém com o Vietnã pelas Ilhas Paracel (Xisha para os chineses, Hoang Sa para os vietnamitas), desde que, no começo de maio, a companhia petrolífera estatal China National Offshore Oil Corporation (CNOOC) transferiu uma de suas plataformas extratoras para as águas em disputa.
Os navios vietnamitas que tentaram deter essa instalação foram respondidos com canhões de água por navios chineses. Dias depois, o conflito se transferiria para as ruas do Vietnã, onde os protestos derivavam em ataques ao comércio chinês nesse país, que terminaram com quatro mortes.
O uso dos mapas nos muitos conflitos da China com seus países vizinhos é frequente no regime comunista, que costuma mostrar em exposições ou em reuniões políticas cartas elaboradas por seus navegantes em séculos passados com a intenção de defender suas reivindicações.
O uso político da cartografia não se reduz aos conflitos pelas Paracel, Spratly e Diaoyu/Senkaku: também é obrigatório nos mapas chineses que a ilha de Taiwan, apesar de estar separada unilateralmente do resto da China desde 1949, seja mostrada como uma província do país, algo que nem sempre ocorre no Ocidente.
Outro detalhe no qual as mapas chineses podem diferir dos publicados no resto do mundo é o da controversa fronteira entre o gigante asiático e a Índia. Os mapas chineses costumam mostrar como parte do país a região de Aksai Chin, na Caxemira, que em cartas internacionais, às vezes, figura como “região reivindicada” por Pequim e Nova Délhi.
Além disso, até há quase uma década, esses mesmos mapas chineses consideravam um país independente o estado indiano de Siquim, entre Nepal e Butão, que durante décadas contou com apoio político de Pequim, já que o regime comunista buscava um território que o separasse completamente da Índia no Himalaia.

sábado, 28 de junho de 2014

Por espaço, Cidade do México aposta nos 'arranha-solos'

Por espaço, Cidade do México aposta nos 'arranha-solos'


Atualizado em  27 de junho, 2014
Prédio subterrâneo no México (BBC)
Um dos prédios subterrâneos projetados para a Praça da Constituição, na Cidade do México
De fora, eles se parecem como três grandes cones de vidro enterrados na terra. Mas são a entrada de luz e ar para um shopping subterrâneo gigante no oeste da Cidade do México.

Este é um dos novos projetos realizados na capital que, segundo seus idealizadores, podem ser uma alternativa para controlar o tamanho de uma das maiores cidades do mundo: a construção de prédios sob a terra.
Além do centro comercial, chamado de Garden Santa Fe, um aquário, do empresário Carlos Slim, considerado o maior da América Latina, também foi construído debaixo da terra.
Existe, ainda, um projeto para construir um complexo de 65 pisos subterrâneos com escritórios e lojas sob a emblemática praça central da cidade, a da Constituição, também conhecida como Zócalo.
Apesar de existirem prédios residenciais e comerciais que utilizam pisos subterrâneos como estacionamentos, as construções abaixo da terra são uma novidade no país.
Mas, para alguns, a questão é polêmica, já que várias regiões da capital mexicana eram um lago e são consideradas vulneráveis a tremores.
Os empreendedores por trás dos complexos subterrâneos, no entanto, garantem que a tecnologia atual permite construções sem riscos em qualquer região da capital mexicana.

Cones de luz e ar

O centro comercial Garden Santa Fe foi construído em um parque quase abandonado e frequentemente usado como estacionamento de veículos, disse à BBC Mundo Francisco Montes de Oca, diretor da Arquitectoma, empresa que desenvolveu o projeto.
Originalmente, o plano era construir um estacionamento, algo necessário na zona oeste da capital, área com mais de 56 edifícios empresariais e onde muitos trabalhadores se deslocam por automóveis.
No Garden Santa Fe, foram utilizadas técnicas de construção desenvolvidos no Reino Unido, nas quais um muro de concreto é construído em torno da escavação para evitar deslizamentos de terra.
Os cones de vidro visíveis a partir da superfície permitem a entrada de ar e luz solar, o que reduz significativamente a iluminação artificial e, portanto, reduz o consumo de energia, dizem os empreendedores.
Além disso, manteve-se um parque com jardins e árvores na superfície. Sob ele, são 65 mil metros quadrados de área construída, em seis níveis: dois para lojas e quatro para estacionamentos.
Nesta área da Cidade do México, o solo é mais resistente do que no centro, disse Montes de Oca, o que reduz o risco de danos por tremores.
Construções subterrâneas podem ser uma alternativa para a Cidade do México, cuja área de 1.495 quilômetros quadrados tem poucas regiões ainda disponíveis para ocupação.
"Acho que é um absurdo crescer horizontalmente. A cidade tem crescido a tais dimensões que as pessoas que tentam chegar a seus trabalhos levam duas ou três horas. É realmente um absurdo", disse Montes de Oca.

Peixes sob a terra

Aquário subterrâneo na Cidade do México (BBC)
Aquário subterrâneo na Cidade do México é o maior da América Latina
A razão principal pela qual o Aquário Inbursa foi construído sob a terra é que o seu proprietário, o Grupo Carso, de Slim, não queria que nada atrapalhasse a vista do Museu Soumaya, onde é exibida a coleção particular do empresário, que inclui obras de Rodin, Salvador Dalí e Tintoretto, entre outras.
Mas também foi uma decisão prática: o terreno disponível para construí-lo não teria espaço para abrigar 1,7 milhões de litros de água do mar, 230 espécies diferentes, 500 exemplares e todas as instalações necessárias para mantê-los, disse à BBC Mundo Edgar Delgado, um dos projetistas do aquário.
Assim, o complexo localizado no noroeste da Cidade do México foi desenvolvido em quatro níveis a 25 metros abaixo da terra.
O passeio dos visitantes inicia-se no terceiro subsolo, onde estão as espécies que vivem à maior profundidade no mar.
A construção é cercada por um muro para evitar deslizes e movimentos do terreno - a alguns metros dali, há uma área de circulação de trens cargueiros.

Rasgando a terra

Um dos projetos mais polêmicos se chama Rascasuelos, e consiste em construir uma pirâmide invertida de 65 pisos subterrâneos para abrigar escritórios e lojas sob a principal praça do país, a Zócalo, na capital mexicana.
A pirâmide teria um vazio no espaço central para permitir a circulação de ar e a entrada de luz natural, apesar de toda a estrutura planejada ser de concreto para conter a pressão da terra.
A obra tem custo estimado de US$ 769 milhões (cerca de R$ 1,7 bilhão) e foi projetada pelo grupo Bunker Arquitectura.
O prédio está na fase de projeto, mas sua apresentação pública causou polêmica, pois a área onde planeja-se sua construção foi o coração de Tenochtitlán, a capital do povo asteca, que foi construída dentro de um lago.
Sob a Zócalo, existem vestígios da cultura pré-hispânica. À margem da praça, estão alguns dos edifícios mais antigos e emblemáticos do México. É, também, uma zona muito vulnerável a tremores.
Os responsáveis pelo Rascasuelos, no entanto, afirmam que o projeto não afetará a região e que a técnica de construção prevê o risco dos movimentos de terra.
No centro da Cidade do México, existem normas para restringir o tamanho de arranha-céus. Mas os limites são diferentes para aqueles sob a terra.

sexta-feira, 27 de junho de 2014

Brasil lidera racha polêmico sobre novos objetivos do milênio da ONU

Brasil lidera racha polêmico sobre novos objetivos do milênio da ONU


Atualizado em  27 de junho, 2014
Dilma fala na ONU - Getty Images
Brasil está liderando a oposição contra um objetivo relacionado à governança, justiça e paz
A Organização das Nações Unidas (ONU) está realizando um extenso debate para definir quais serão as novas metas que substituirão os Objetivos do Milênio – e o Brasil está no centro de uma das principais controvérsias desse processo.

Os oito Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) foram firmados em 2000 com a finalidade principal de reduzir a pobreza mundial. Eles vão desde a eliminação da fome à universalização da educação primária, e se desdobram em metas concretas, como reduzir em dois terços a mortalidade de crianças menores de cinco anos.
O prazo para o cumprimento das metas é 2015 e, por isso, os países já vêm debatendo quais serão os novos objetivos que irão substituí-los.
Dentro desse processo, o Brasil lidera a oposição a um objetivo relacionado à governança, justiça e paz - e conta com o apoio de boa parte dos países em desenvolvimento. Recentemente, a Rússia também se manifestou duramente contra.
Do outro lado, defendendo a inclusão deste objetivo, há um bloco formado, principalmente, por países ricos como as nações da Europa Ocidental, Estados Unidos, Japão e Austrália.
Um oficial da ONU que acompanha de perto o debate disse à BBC Brasil que essa está sendo a discussão mais difícil dentro das negociações para estabelecer os chamados Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
Carocolândia, em São Paulo - Reuters
Brasil defende que foco do novos objetivos deve estar no combate a pobreza

Argumentos brasileiros

No início deste mês, chegou-se a um esboço inicial em que foram estabelecidos 17 objetivos, mas a intenção é diminuir esse número, para facilitar a divulgação.
Os temas de governança, justiça e paz compõem, por hora, o 16º. Ele inclui metas como a redução dos homicídios e do tráfico de armas; garantia de acesso à justiça e liberdade de expressão; e ampliação da transparência governamental.
Em nota enviada para a reportagem, o Itamaraty explicou que a adoção de "objetivos independentes sobre governança poderia tirar o foco dos esforços centrais que os ODS devem promover - em particular, a erradicação da pobreza".
Outro argumento reiterado pelo país é que houve um acordo dentro da ONU de que a base para a definição dos novos objetivos seria o documento final da Rio+20, conferência realizada em 2012 no Rio de Janeiro.
O texto foi aprovado por consenso pelos 190 países presentes, resultado atribuído à liderança do diplomata brasileiro Luiz Alberto Figueiredo, atual Ministro das Relações Exteriores.
A relevância desse documento acaba valorizando o papel do Brasil nas atuais negociações. A importância da boa governança e da paz para o desenvolvimento sustentável é citada no texto, mas isso não é previsto como um objetivo específico.
"O Brasil e os países em desenvolvimento, em particular, têm defendido que os ODS devem ser voltados aos grandes desafios para o desenvolvimento sustentável, nos campos econômico, social e ambiental. Isso significa que se deveria dar prioridade aos temas já acordados em 2012 na Rio+20", acrescenta a nota do Itamaraty enviada à BBC Brasil.

Reação

Diversas organizações da sociedade civil têm se mobilizado em reação à posição do Brasil. Elas contestam que essa seja uma “agenda” dos países ricos e lembram que mesmo em nações como Estados Unidos e Reino Unido há problemas, como o acesso limitado dos mais pobres à justiça.
Países pobres marcados por intensos conflitos também têm defendido a importância desses temas. Em um documento conjunto, os 54 países africanos defenderam que paz e segurança deve ser um dos seis pilares das negociações, mas não está claro se o continente ficaria contra a posição do Brasil caso ela predomine entre as nações em desenvolvimento.
Getty Images
Altos índices de violência do Brasil tornam o tema da segurança delicado para o país, avalia instituto
A Article 19, organização baseada em Londres que promove a liberdade de expressão e a transparência governamental, está liderando uma campanha internacional para defender que os temas de governança sejam confirmados como ODS.
Já a Open Society Foundations, do multimilionário George Soros, convidou o ministro do Supremo Tribunal Federal Roberto Barroso para um debate sobre o assunto dentro da ONU. Na ocasião, Barroso afirmou que é "difícil conceber a ideia de desenvolvimento sustentável, em qualquer de suas três dimensões – econômico, social e ambiental –, sem incorporar a justiça como um elemento essencial”.
Para Betsy Apple, da Open Society Foundations, o Brasil está defendendo uma visão limitada do que é desenvolvimento. A avaliação é a mesma do Instituto Igarapé, organização brasileira que trabalha para integrar as agendas de segurança e desenvolvimento.
"Uma coisa não existe sem a outra. É uma visão estreita separá-las", afirma Eduarda Hamann, uma das coordenadoras do instituto.
A BBC Brasil apurou, porém que existe dentro da ONU certa compreensão em relação ao posicionamento do Brasil de que assuntos de segurança poderiam ser uma "distração", devido a sua complexidade. O país argumenta que não seria possível falar de paz sem discutir, por exemplo, o conflito Israel-Palestina ou a política externa americana.

Políticas e receio

O Brasil não nega a importância da paz e da governança para o desenvolvimento sustentável e tem proposto que algumas metas relacionadas e essas questões sejam incluídas dentro de outros objetivos, como os que tratam de redução da desigualdade e promoção da educação.
Os críticos dessa proposta dizem que diluir as questões de governança, justiça e paz em outros objetivos não daria a devida visibilidade aos temas.
Historicamente, o Brasil muitas vezes defendeu que as duas coisas – segurança e desenvolvimento - são inseparáveis. Para Hamann, a posição da delegação brasileira na ONU hoje parece reflexo da circunstância política atual.
Por um lado, o país quer fortalecer o documento da Rio + 20, que é considerado "um filho" do Brasil. Por outro lado, quer valorizar mais os tópicos em que tem mais poder de influência – o que aumenta seu papel de liderança nos processos de implementação dos ODS.
"O país é uma referência na questão social e ambiental, mas não na questão de segurança", destaca Hamann.
Haveria ainda um receio do Brasil de que a adoção de um ODS específico para questões relacionadas à paz daria um papel central ao Conselho de Segurança da ONU dentro do processo de implementação dos objetivos – e este órgão, que reúne as grandes potências militares, não é considerado democrático por muitos por não refletir a geopolítica atual em sua representação.
Outra preocupação explicitada pelo país nas negociações é que ações internacionais de redução à pobreza fiquem condicionadas a questões de segurança.
Na avaliação do Instituto Igarapé, a posição do Brasil também pode refletir um temor de intervenções externas em assuntos delicados internamente, como os altos índices de violência.
Em declaração neste mês na ONU, a Rússia disse que se o 16º objetivo proposto for é aprovada "uma porta se abrirá para a interferência nos assuntos internos dos Estados".

'Risco alto'

As negociações seguem em andamento em grupos de trabalho formados por alguns países. Em setembro, uma proposta será apresentada na Assembleia Geral da ONU.
As discussões sobre quais serão os ODS e como sua implementação será feita e financiada devem estar concluídas um ano depois, para a assembleia de 2015.
Betsy Apple, da Open Society Foundations, vê um risco alto de que o objetivo de governança, paz e justiça seja eliminado. "O Brasil é muito influente nesse processo e por isso muitos países o acompanham".
"Se o Brasil não apoiar esse objetivo por causa de uma agenda política de curto prazo, pode acabar eliminando-o, pois outros países importantes são de fato contra [esses princípios], como Rússia, China e Índia. Isso coloca Brasil em uma posição muito poderosa", afirma o consultor jurídico da Article 19, Dave Banisar.

Objetivos de Desenvolvimento Sustentável

17 propostas que ainda estão em negociação:

1. Acabar com a pobreza em todas as suas formas em todos os lugares.

2. Acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar e nutrição adequada para todos, e promover a agricultura sustentável.

3. Alcançar saúde para todos em todas as idades.

4. Fornecer educação equitativa, inclusiva e de qualidade e oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos.

5. Atingir a igualdade de gênero e a autonomia para mulheres e meninas em todos os lugares.

6. Garantir água limpa e saneamento para todos.

7. Garantir serviços de energia modernos, confiáveis, sustentáveis e a preços acessíveis para todos.

8. Promover o crescimento econômico forte, sustentável e inclusivo e trabalho digno para todos.

9. Promover a industrialização sustentável.

10. Reduzir as desigualdades dentro dos países e entre eles.

11. Construir cidades e assentamentos humanos inclusivos, seguros e sustentáveis.

12. Promover padrões de produção e consumo sustentáveis.

13. Promover ações em todos os níveis para combater as mudanças climáticas.

14. Alcançar a conservação e o uso sustentável dos recursos marinhos.

15. Proteger e restaurar os ecossistemas terrestres e interromper toda a perda de biodiversidade. 

16. Alcançar sociedades pacíficas e inclusivas, o Estado de direito, e instituições eficazes e capazes.

17. Fortalecer e melhorar os meios de implementação [desses objetivos] e a parceria global para o desenvolvimento sustentável.

Bolívia inverte relógio, que passa a girar à esquerda para representar “mudança política”

Bolívia inverte relógio, que passa a girar à esquerda para representar “mudança política”

















Jornal La Patria
Governo esclarece que o objetivo do “relógio do sul” é conscientizar a população e valorizar cultura andina
26/06/2014
O governo boliviano inverteu o sentido do relógio que fica na fachada do Legislativo, fazendo com que ele gire no sentido “anti-horário”, à esquerda, para contar as horas. O objetivo da medida é representar as mudanças vivenciadas pelo país nos últimos oito anos, durante a gestão do presidente Evo Morales, quando houve uma revalorização da cultura andina.
O ministro das Relações Exteriores, David Choquehuanca, e o presidente do Senado, Eugenio Rojas, que como Evo são indígenas aimaras, falaram nesta terça-feira (24/06) sobre a iniciativa, batizada de "relógios do Sul".
O objetivo, segundo eles, é conscientizar a população de que a Bolívia é uma nação do sul, por isso a forma de registrar o tempo nos relógios deve ser diferente, como acontece com o solstício e o equinócio.
A mudança foi realizada na meia-noite de sexta-feira (20/06), quando começou o inverno no hemisfério sul, e surpreendeu quem passava pela Praça Murillo, a principal de La Paz, onde estão os palácios do Congresso e da presidência.
"Não temos que complicar, simplesmente nos conscientizar que vivemos no sul. Não estamos no norte", disse Choquehuanca que garantiu que a iniciativa, longe de pretender "causar algo a alguém", tem como objetivo revalorizar a cultura nacional.
"Quem disse que o relógio tem que girar desse lado sempre? Por que sempre temos que obedecer, por que não podemos ser criativos?", questionou o ministro boliviano.
Regalo boliviano
Choquehuanca revelou que na recente celebração da Cúpula dos países do G77 e a China, na Bolívia, as delegações receberam um relógio de mesa invertido em forma de mapa boliviano e que inclui o território litorâneo que o país perdeu na guerra contra o Chile de 1879.
O chanceler boliviano admitiu que a ideia não é absolutamente original porque ele ganhou um relógio de pulso com essas características em Londres, mas ressaltou que essa foi uma criação vinculada à identidade do sul.
Segundo o ministro, a iniciativa está no contexto de outros avanços do reconhecimento da cultura andina, como o uso da bandeira indígena whipala, hoje um símbolo nacional reconhecido na Constituição.
Choquehuanca também citou outros elementos da cultura local que hoje são defendidos pela Carta Magna do país, como a folha de coca, e as campanhas a favor da Madre Tierra, ou Pachamama, além da valorização da quinoa.
Para ele, é preciso uma mudança de mentalidade e o estímulo do funcionamento dos dois hemisférios do cérebro para entender "os relógios do sul".

Para compreender Michel Foucault

Para compreender Michel Foucault



Há trinta anos, morria filósofo-ativista que recusou papel de líder, mas estimulou a transgredir “verdades” fabricadas e eternizadas pelo poder. Por Bruno Lorenzatto

por Bruno Lorenzatto — publicado 26/06/2014


“Mostrar às pessoas que elas são muito mais livres do que pensam, que elas tomam por verdadeiro, por evidentes, certos temas fabricados em um momento particular da história, e que essa pretensa evidência pode ser criticada e destruída.”
(Michel Foucault)

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Michel Foucault fala ao megafone ao lado de Jean-Paul Sartre, em manifestação

Há trinta anos, em junho de 1984, morria em Paris Michel Foucault. Um pensador do século XX que inventou certo modo radical de pensar, que atravessa este início de século: suas reflexões permanecem fundamentais para os movimentos de contestação política e social; para todos aqueles que desejam “saber como e até onde seria possível pensar de modo diferente”.
Foucault participou teórica e praticamente dos movimento sociais que poderíamos chamar de vanguarda de seu tempo, sobretudo durante as décadas de sessenta e setenta: a luta antimanicomial (sua experiência num hospital psiquiátrico foi uma das motivações que o levou a escrever História da Loucura); as revoltas nos presídios franceses (junto com Gilles Deleuze criou o GIP – Grupo de Informação sobre as Prisões, que buscava dar voz aos presos e às outras pessoas diretamente envolvidas no sistema prisional; com base nessa experiência escreveu Vigiar e Punir); o movimento gay (uma das motivações para sua História da Sexualidade).
O pensador francês também escreveu artigos para jornais e revistas no calor da hora sobre acontecimentos importantes, deu conferências e entrevistas em diversos países, inclusive no Brasil. Contrapunha seu papel de intelectual ao “intelectual universal”, isto é, uma espécie de líder que pensa pelas massas e as dirige para a “verdadeira” luta. O filósofo via a si mesmo como um “intelectual específico”, aquele que em domínios precisos contribui para determinadas lutas em curso no presente. Parafraseando Deleuze, Foucault foi o primeiro a ensinar a indignidade de falar pelos outros.
Ele dizia que suas pesquisas nasciam de problemas que o inquietavam na atualidade: evidências que poderiam ser destruídas se soubéssemos como foram produzidas historicamente; por isso fez da ontologia (o estudo do ser, um modo de reflexão geralmente desligado da realidade histórica, uma vez que busca princípios – as ideias, para Platão; o cogito, para Descartes; o sujeito transcendental, para Kant – que antecedem e, por assim dizer, fundam a história) uma reflexão em cujo cerne está o presente e, portanto, a investigação histórica.
Através de estudos transdisciplinares (e não entre disciplinas, pois trata-se de colocar em questão os limites entre elas), Foucault deu forma a uma crítica filosófica que recorre sobretudo à pesquisa histórica, para questionar as maneiras pelas quais certas verdades e seus efeitos práticos vieram a se formar e se estabelecer no presente.
Questionava assim os sistemas de exclusão criados pelo Ocidende quando do início da época moderna (na cronologia de Foucault, desde fins do século XVIII):
- o saber médico e psiquiátrico – a patologização e a medicalização como formas modernas de dominação sobre seres economica e socialmente inconvenientes, os loucos;
- o nascimento das ciências humanas e da filosofia moderna como saberes que atestam a invenção do conceito de homem, transformando o ser humano, ao mesmo tempo, em sujeito do conhecimento e objeto de saber: o grande dogma da modernidade filosófica;
- a prisão e outras instituições de confinamento (tais como a escola, a fábrica, o quartel) não como um avanço nos sentimentos morais e humanitários, mas como mudança de estratégia do poder, que visa o disciplinamento e a docilização dos corpos;
- a sexualidade como dispositivo histórico de objetivação (o indivíduo como objeto de saber e ponto de aplicação de disciplinas) e subjetivação (o modo segundo o qual o sujeito se reconhece enquanto tal) do corpo, através dos quais se implica uma verdade essencial do homem. Não deixa de ser notável o fato de o Ocidente ter inventado um ritual singular segundo o qual algumas pessoas alugam os ouvidos de outras (os psicanalistas) para falarem de seu sexo.
Às suas pesquisas, ele chamou ontologias do presente: um modo de reflexão, segundo Foucault iniciado por Kant, em que está em jogo o vínculo entre filosofia, história e atualidade. A tarefa de pensar o hoje como diferença na história. Mas se a questão para Kant era a de saber quais limites o conhecimento deve respeitar (os limites da razão), em Foucault a questão se converte no problema de saber quais limites podemos questionar e transgredir na atualidade, isto é, “dizer o que existe, fazendo-o aparecer como podendo não ser como ele é” (2008, p. 325).
Nesse sentido, o filósofo procurava dar visibilidade às partes ocultas que formam o presente e os fragmentos de narrativas que nos constituem lá mesmo onde não há mais identidade, onde o “eu” se encontra fracionado pela história plural que o engendrou. De modo que esse questionamento histórico-filosófico não nos conduz à reafirmação de nossas certezas, de nossas instituições e sistemas, mas ao afastamento crítico dessas instâncias e de si próprio como exercício ético e político. Como indica Deleuze (1992, p. 119): “a história, segundo Foucault, nos cerca e nos delimita; não diz o que somos, mas aquilo de que estamos em vias de diferir; não estabelece nossa identidade, mas a dissipa em proveito do outro que somos”.
A história (não a narrativa histórica ou a escrita da história, mas as condições de existência dos homens no decorrer do tempo, que lhes escapa à consciência), não é da ordem da necessidade; ela diz respeito à liberdade, à invenção; pertence à ordem mais da casualidade do que da causalidade; é feita mais de rupturas e violência do que de continuidades conciliadoras. Esse modo de conceber a história se opõe à imagem tranquila que a narrativa histórica tradicional criou: a história do homem como a manifestação de um progresso inevitável – o lento processo de realização de uma utopia –, que seria alcançado após o iluminismo pela aplicação dos métodos racionais. Como se a ciência, o pensamento e a vida estivessem continuamente mais próximos de verdades que aos poucos são reveladas como o destino final do homem.
Se os estudos de Foucault mostram que os seres humanos não dominam os acontecimentos que constituem o solo de suas experiências, eles atestam ao mesmo tempo que, no espaço limitado do presente, as pessoas dispõem da possibilidade de questionar o que muitas narrativas apresentam como necessário, assim como as formas de poder e dominação que se pretendem absolutas.
Os procedimentos de Foucault postulam, tal como Nietzsche descobrira no final do século XIX, que é possível fazer uma história de tudo aquilo que nos cerca e nos parece essencial e sem história – os sentimentos, a moral, a verdade etc. Essa descoberta indica que, mesmo esses elementos aparentemente universais ou imunes à passagem do tempo, se dão como contingências históricas, como coisas que foram criadas em um dado momento, em circunstâncias precisas.
Trata-se, assim, para Foucault, de pensar a história de determinadas problematizações: a história de como certas coisas se tornam problemas para o pensamento, dignas de serem pensadas por um ou outro domínio do saber e, através de formas de racionalização específicas, verdades são fabricadas. De maneira que suas pesquisas mostram que nossas evidências são frágeis e nossas verdades, recentes e provisórias.
Textos citados:
FOUCAULT, Michel. Estruturalismo e Pós-estruturalismo 1983. Ditos e Escritos II, Arqueologia das Ciências e História dos Sistemas de Pensamento, Trad. Elisa Monteiro, Rio de Janeiro: Forense, 2008.
DELEUZE Gilles. A vida como obra de arte, Conversações. Ed. 34, Rio de Janeiro, 1992.
Link para o filme “Foucault por ele mesmo”:https://www.youtube.com/watch?v=Xkn31sjh4To

O Mercosul e a Vaca Morta

O Mercosul e a Vaca Morta



Interesses muito poderosos estão por trás de tudo o que diz respeito ao petróleo. Os Estados Partes do Mercosul deveriam se precaver sobre isso.


José Renato Vieira Martins (*)
Arquivo

Nas encostas da Serra da Vaca Morta – cadeia de montanhas andinas localizadas no Sul da Argentina – encontra-se uma formação de xisto betuminoso de cerca de 30 mil km2, área superior a do Estado de Alagoas. O xisto betuminoso é uma rocha sedimentar e porosa, rica em material orgânico, cujas camadas contêm grandes quantidades de gás natural e petróleo. As maiores reservas mundiais desse mineral estão localizadas na Rússia, seguidas dos EUA, China e Argentina. Segundo a consultora internacional Wood Mackenzie, o óleo de Vaca Morta está avaliado entre os melhores do mundo, sendo considerado de qualidade "excelente".

O campo de Vaca Morta foi encontrado por um geólogo da Standart Oil (atual Chevron) nos anos trinta do século passado. Na época da descoberta o cartel das Sete Irmãs dispunha do monopólio mundial da exploração do petróleo e reinava de forma inconteste. Atualmente, as reservas de Vaca Morta estão estimadas em 22 bilhões de barris de petróleo, volume duas vezes superior ao do Campo de Libra, encontrado no pré-sal, na bacia de Santos. Mantido o atual padrão de produção e consumo, as duas reservas juntas garantiriam o fornecimento de petróleo e gás natural para os países do Mercosul durante os próximos150 anos.

O processo de exploração do xisto betuminoso é tecnicamente complexo e economicamente caro, o que inviabilizou o seu aproveitamento comercial por muitos anos. Há alguns anos, porém, os Estados Unidos, o maior consumidor de energia do mundo, desenvolveram o método da fratura hídrica, ou fracking, revolucionando a exploração do xisto e a geopolítica energética no mundo. O método consiste na injeção de água sob altíssima pressão, misturada com areia e produtos químicos, utilizados para quebrar a rocha e provocar a liberação do gás e do óleo. 

Os riscos que podem ser causados pelo fracking são altamente temidos, o que levou alguns países europeus, como a França, a proibir o seu uso em território nacional. Nos Estados Unidos e no Canadá os movimentos sociais resistem bravamente ao seu emprego. Eles dizem que a contaminação do solo e dos lençóis freáticos são alguns danos previsíveis que o método poderia acarretar. Isso sem falar nos incêndios, doenças e abalos sísmicos.  

No Brasil, onde a prática do fracking não foi banida, a ANP leiloou blocos para mapeamento e extração do óleo e do gás de xisto em doze Estados. Já se sabe que o Paraná é o Estado que possui as maiores reservas entre eles. Mas há apenas um "pequeno" detalhe: elas se localizam em cima do Aquífero Guarani, o maior reservatório subterrâneo de água doce da América do Sul. Os riscos de contaminação de uma das grandes riquezas naturais do planeta são imensos.

Sendo o Brasil e a Argentina os dois maiores sócios do Mercosul, uma coisa é certa: ao mesmo tempo em que as novas descobertas fortalecem o papel do bloco no cenário energético mundial, elas também trazem sérios riscos para os países da região, e por isso precisam ser avaliados e enfrentados conjuntamente.

Interesses muito poderosos estão por trás de tudo o que diz respeito ao petróleo. Os Estados Partes do Mercosul deveriam se precaver e adotar políticas públicas regionais para proteger este patrimônio comum. Nem que seja apenas para impedir a sua exploração, dados os riscos da operação. Independente da tímida institucionalidade do Mercosul, é necessário criar mecanismos de gestão integrada de nossos recursos naturais, como é o caso da bacia do Rio da Prata, do Aquífero Guarani, das reservas de xisto, entre outros. 

Também não se pode ser ingênuo. Os ataques recentes dos fundos abutres contra a Argentina não são apenas uma forma de intimidar os europeus, evitando que eles flertem com saídas heterodoxas da crise, como bem apontou o colunista Emir Sader em seu blog neste portal. São também uma maneira de puni-la pela renacionalização da YPF. A estatal argentina controla 12 mil km2 das novas reservas de gás e petróleo. Os demais blocos já estão sob o comando das multinacionais. Querem quebrar a soberania do país para melhor explorar os seus recursos naturais.

Os abutres, por mal dos pecados, estão de olho na vaca morta.


(*) José Renato Vieira Martins é professor de Sociologia da Universidade Federal da Integração Latino-Americana – UNILA.



quinta-feira, 26 de junho de 2014

Organizações defendem modelo de mineração mais democrático no Chile

Organizações defendem modelo de mineração mais democrático no Chile


Divulgação
Movimentos sugerem modelo baseado no tripé inteligência/dinâmica, sustentabilidade, solidariedade
25/06/2014
Da Adital
Representantes de movimentos sociais e outros setores da sociedade civil exigem maior participação nos âmbitos de decisão da atividade mineradora no Chile. Para isso, eles requerem mais proteção do meio ambiente e um novo tratamento tributário para a atividade mineradora ou, até mesmo, um novo acordo de propriedade, que permita maior arrecadação tributária.
Em documento intitulado "Chile, um país minerador? Três prioridades para a transformação”, assinada pelos grupos Chile SustentávelObservatório CidadãoeConselho de Povos Atacamenhos, as organizações apontam que o país vive hoje uma crise no setor, produto de uma intrínseca insustentabilidade do modelo extrativista mineiro. As causas, segundo eles, se situam em fatores naturais, ambientais, sociais e políticos.
"Um dos aspectos mais críticos do modelo de desenvolvimento minerador vigente é o deterioração ambiental, que traz consigo, com a conseguinte diminuição na qualidade de vida das comunidades locais, a monopolização da vocação produtiva dos territórios e a violação de direitos dos povos indígenas de preservar a integridade ambiental de seus territórios e sistemas de vida”, destaca o documento, pedindo medidas imediatas para conter esses efeitos.
Para superar esse momento, os movimentos sugerem um novo modelo para a atividade mineradora, que deve fundar-se no tripé inteligência/dinâmica, sustentabilidade, solidariedade. "Desnaturalizar esse modelo extrativista e abri-lo ao debate público. Até agora, a ideia do Chile como ‘país minerador’, reforçada pelo entusiasmo associado aoboomde preços, tem contribuído para apresentar esse modelo de desenvolvimento como o único e necessário caminho do Chile para o desenvolvimento”, afirma.
Sobre a política de mineração chilena, as organizações reconhecem que o atual modelo tem sido o pilar de um impressionante aumento do Produto Interno Bruto (PIB) do país nos últimos anos, mas avaliam que isso não seja capaz de sustentar o desenvolvimento do país no exercício dos direitos econômicos, sociais e culturais da população.
"Insistir em sua aplicação constitui uma irresponsabilidade, pois nega o acesso das futuras gerações a uma vida digna e as condena ao subdesenvolvimento, degrada progressivamente o meio ambiente, afetando especialmente as comunidades locais e indígenas que, além disso, se veem marginalizadas da bonança atual”, justifica o documento.
Para que se efetive essa transição, as organizações defendem um novo marco regulatório que facilite a contenção dos efeitos socioambientais destrutivos, a geração de bem-estar e capital de reposição nas regiões de onde se extraem recursos minerais, além de outorgar legitimidade democrática ao novo modelo.
"Para isso, é necessário adotar uma série de medidas que vão desde o modo com que opera o sistema tributário até os direitos políticos dos povos indígenas, que caracterizamos como um modelo de desenvolvimento minerador inteligente, dinâmico, sustentável e solidário”, acrescenta. A nova dinâmica teria como objetivos principais fortalecer uma indústria mineradora capaz de competir no mercado global e regional de provedores tecnológicos e gerar um modelo de colaboração entre os atores do setor.