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quinta-feira, 20 de março de 2014

Princípio da precaução - Se existem antecedentes ou experiências que surgiu um risco, não se espera que a ciência comprove isso. É melhor prevenir do que lidar com o problema depois

Princípio da precaução

 




Reprodução 

Se existem antecedentes ou experiências que sugiram um risco, não se espera que a ciência comprove isso. É melhor prevenir do que lidar com o problema depois


19/03/2014

Anne Vigna,



Faz um bom tempo que as empresas responsáveis pelo tratamento da água conhecem os perigos do alumínio. Em Paris, a substância deixou de ser usada nesse processo há mais de 20 anos. Adota-se o cloreto férrico. A prefeitura da capital francesa resolveu fazer a mudança pelo que é conhecido como princípio da precaução: se existem antecedentes ou experiências que sugiram um risco, não se espera que a ciência comprove isso. É melhor prevenir do que lidar com o problema depois.

Quando perguntei à Sabesp e à Cedae se achavam possível parar de usar o alumínio, a resposta foi clara. “Mas por quê? O produto funciona muito bem”, disse André Luis Gois Rodrigues, responsável pela qualidade da água na Sabesp.

As duas empresas admitiram conhecer a polêmica. “Nada foi comprovado. O uso do alumínio é permitido pelo Ministério da Saúde e também pela OMS. Se um dia for demonstrado que há risco, com certeza deixaremos de usar”, explicou Jor ge Briard, da Cedae. Além de ser barato, o sulfato de alumínio permite obter uma cor transparente, um pouquinho azul, bem bonitinha, semelhante à de um rio limpo. Por isso, é bem prático. Ninguém vai se queixar da cor da água. Vale lembrar que a água não é a única fonte de absorção do alumínio no corpo.

Atualmente a substância encontra- se em altas concentrações na comida (nos legumes e especialmente nos aditivos alimentares, como conservantes, corantes e estabilizadores), nos cosméticos ou nos utensílios de cozinha. De acordo com a OMS, um adulto ingere cerca de 5 miligramas de alumínio por dia apenas da comida. Para a organização, os aditivos são a principal fonte de alumínio no corpo. Em comparação, a água traz um volume muito menor: em média 0,1 miligrama por litro, o que pode somar 0,3 miligrama se você bebe 3 litros por dia. Segundo a entidade, o alumínio na água representa só 4% do que um adulto absorve.

Essa relação também é válida para os agrotóxicos. É bem provável que, comendo legumes não orgânicos, uma pessoa absorva uma quantidade muito maior desses produtos do que ao beber água. Fazer essa comparação é muito complicado, porque o jeito de contabilizar os agrotóxicos é diferente na comida e na água. Sabemos, porém, que os agrotóxicos são diretamente aplicados nas plantações, e as medições mostram que estão em proporção maior nos alimentos do que na água.

Por conta da grande utilização de medicamentos na criação de animais hoje, os cientistas reconhecem que a dose diária de absorção de antibióticos e hormônios de crescimento é mais importante pela comida do que pela água. O professor Wilson Jardim, da Unicamp, explica, no entanto, que isso não muda o fato de que, mesmo em doses pequenas, os contaminantes presentes na água possam ter um efeito negativo na saúde.

A saída é a garrafinha?

Seria então melhor para a saúde beber água engarrafada, que chega a custar 800 vezes mais do que a água da torneira? A resposta, de novo, não é simples. Em tese, a água envasada tem melhor qualidade por ser subterrânea, o que oferece uma proteção natural contra contaminação. Mas encontrar informações sobre a qualidade da água mineral também é muito complicado no Brasil. A Associação Brasileira de Indústria de Água Mineral (Abinam), que representa as envasadoras da água, negou os pedidos de entrevista para esta reportagem. A comunicação também não é muito aberta do lado das autoridades.

Na verdade, não há como ter acesso à documentação sobre a qualidade da água engarrafada. Para obter a lavraria e a renovação da concessão, uma empresa de água mineral recebe, a cada três anos, a visita dos funcionários do Laboratório de Análises Minerais (Lamin) da Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM), um órgão federal. Os resultados das análises são comunicados à empresa e ao Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), responsável pela água mineral no país, mas não ficam disponíveis para o público. Por quê? Não recebi resposta do DNPM.

Essas análises teriam que ser feitas seguindo a resolução RDC 274/2005, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A norma inclui agrotóxicos e é bem parecida com a portaria que regula a água da torneira. Além de os dados não estarem disponíveis publicamente, outro problema é a forma de fiscalização das fontes. O Lamin do Rio faz análises no país todo, enquanto o de São Paulo concentra-se no estado de São Paulo, onde fica a maior concentração de concessões de água mineral do país.

Até o início de 2013, o Lamin do Rio não tinha os equipamentos necessários para fazer as análises dos agrotóxicos, e só no fim de 2014 o Lamin de São Paulo deverá fazer esse trabalho. Ou seja, a resolução levou oito anos para começar a ter todos os seus itens verificados.

Isso não acontece com a água da torneira, que é muito mais controlada. Primeiro, porque ela precisa chegar a toda a população. Segundo, porque a água bruta, a partir da qual se produz a água potável, vem em geral da superfície e está mais sujeita a todo tipo de contaminação.

Isso requer atenção constante e análises mais frequentes. A água mineral vem de lençóis subterrâneos, onde fica confinada. É menos poluída do que a que vem dos rios e não recebe nenhum tratamento químico. Depois de um ano fazendo as análises de agrotóxicos, o Lamin do Rio disse que não encontrou esses produtos nas águas minerais de todo o país, com exceção de São Paulo (onde ainda não fazem essa análise e onde está a maior parte das fontes). Mas não tive acesso aos documentos que comprovariam isso.

Ao procurar informações adicionais, descobri que, em São Paulo, a Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb) iniciou, em 2011, o monitoramento de lençóis subterrâneos do estado em relação à presença de contaminantes e à atividade estrogênica – ou seja, à capacidade de algumas substâncias agirem no sistema reprodutivo humano, antecipando, por exemplo, a puberdade nas meninas ou produzindo esterilidade nos homens.

“Não foi detectada atividade estrogênica na maioria dos 33 pontos de amostragem, selecionados em função de sua maior vulnerabilidade. Apenas três locais apresentaram atividade estrogênica baixa. Isso significa que não há potencial de preocupação para a saúde humana se a água for consumida”, explica Gilson Alves  Quinaglia, gerente do setor de análises toxicológicas da Cetesb.

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