Princípio da precaução
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Se existem antecedentes ou experiências que sugiram um risco, não se
espera que a ciência comprove isso. É melhor prevenir do que lidar com o
problema depois
19/03/2014
Anne Vigna,
Faz
um bom tempo que as empresas responsáveis pelo tratamento da água
conhecem os perigos do alumínio. Em Paris, a substância deixou de ser
usada nesse processo há mais de 20 anos. Adota-se o cloreto férrico. A
prefeitura da capital francesa resolveu fazer a mudança pelo que é
conhecido como princípio da precaução: se existem antecedentes ou
experiências que sugiram um risco, não se espera que a ciência comprove
isso. É melhor prevenir do que lidar com o problema depois.
Quando
perguntei à Sabesp e à Cedae se achavam possível parar de usar o
alumínio, a resposta foi clara. “Mas por quê? O produto funciona muito
bem”, disse André Luis Gois Rodrigues, responsável pela qualidade da
água na Sabesp.
As duas empresas admitiram conhecer a polêmica.
“Nada foi comprovado. O uso do alumínio é permitido pelo Ministério da
Saúde e também pela OMS. Se um dia for demonstrado que há risco, com
certeza deixaremos de usar”, explicou Jor ge Briard, da Cedae. Além de
ser barato, o sulfato de alumínio permite obter uma cor transparente, um
pouquinho azul, bem bonitinha, semelhante à de um rio limpo. Por isso, é
bem prático. Ninguém vai se queixar da cor da água. Vale lembrar que a
água não é a única fonte de absorção do alumínio no corpo.
Atualmente
a substância encontra- se em altas concentrações na comida (nos legumes
e especialmente nos aditivos alimentares, como conservantes, corantes e
estabilizadores), nos cosméticos ou nos utensílios de cozinha. De
acordo com a OMS, um adulto ingere cerca de 5 miligramas de alumínio por
dia apenas da comida. Para a organização, os aditivos são a principal
fonte de alumínio no corpo. Em comparação, a água traz um volume muito
menor: em média 0,1 miligrama por litro, o que pode somar 0,3 miligrama
se você bebe 3 litros por dia. Segundo a entidade, o alumínio na água
representa só 4% do que um adulto absorve.
Essa relação também é
válida para os agrotóxicos. É bem provável que, comendo legumes não
orgânicos, uma pessoa absorva uma quantidade muito maior desses produtos
do que ao beber água. Fazer essa comparação é muito complicado, porque o
jeito de contabilizar os agrotóxicos é diferente na comida e na água.
Sabemos, porém, que os agrotóxicos são diretamente aplicados nas
plantações, e as medições mostram que estão em proporção maior nos
alimentos do que na água.
Por conta da grande utilização de
medicamentos na criação de animais hoje, os cientistas reconhecem que a
dose diária de absorção de antibióticos e hormônios de crescimento é
mais importante pela comida do que pela água. O professor Wilson Jardim,
da Unicamp, explica, no entanto, que isso não muda o fato de que, mesmo
em doses pequenas, os contaminantes presentes na água possam ter um
efeito negativo na saúde.
A saída é a garrafinha?
Seria
então melhor para a saúde beber água engarrafada, que chega a custar
800 vezes mais do que a água da torneira? A resposta, de novo, não é
simples. Em tese, a água envasada tem melhor qualidade por ser
subterrânea, o que oferece uma proteção natural contra contaminação. Mas
encontrar informações sobre a qualidade da água mineral também é muito
complicado no Brasil. A Associação Brasileira de Indústria de Água
Mineral (Abinam), que representa as envasadoras da água, negou os
pedidos de entrevista para esta reportagem. A comunicação também não é
muito aberta do lado das autoridades.
Na verdade, não há como ter
acesso à documentação sobre a qualidade da água engarrafada. Para obter
a lavraria e a renovação da concessão, uma empresa de água mineral
recebe, a cada três anos, a visita dos funcionários do Laboratório de
Análises Minerais (Lamin) da Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais
(CPRM), um órgão federal. Os resultados das análises são comunicados à
empresa e ao Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM),
responsável pela água mineral no país, mas não ficam disponíveis para o
público. Por quê? Não recebi resposta do DNPM.
Essas análises
teriam que ser feitas seguindo a resolução RDC 274/2005, da Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A norma inclui agrotóxicos e é
bem parecida com a portaria que regula a água da torneira. Além de os
dados não estarem disponíveis publicamente, outro problema é a forma de
fiscalização das fontes. O Lamin do Rio faz análises no país todo,
enquanto o de São Paulo concentra-se no estado de São Paulo, onde fica a
maior concentração de concessões de água mineral do país.
Até o
início de 2013, o Lamin do Rio não tinha os equipamentos necessários
para fazer as análises dos agrotóxicos, e só no fim de 2014 o Lamin de
São Paulo deverá fazer esse trabalho. Ou seja, a resolução levou oito
anos para começar a ter todos os seus itens verificados.
Isso não
acontece com a água da torneira, que é muito mais controlada. Primeiro,
porque ela precisa chegar a toda a população. Segundo, porque a água
bruta, a partir da qual se produz a água potável, vem em geral da
superfície e está mais sujeita a todo tipo de contaminação.
Isso
requer atenção constante e análises mais frequentes. A água mineral vem
de lençóis subterrâneos, onde fica confinada. É menos poluída do que a
que vem dos rios e não recebe nenhum tratamento químico. Depois de um
ano fazendo as análises de agrotóxicos, o Lamin do Rio disse que não
encontrou esses produtos nas águas minerais de todo o país, com exceção
de São Paulo (onde ainda não fazem essa análise e onde está a maior
parte das fontes). Mas não tive acesso aos documentos que comprovariam
isso.
Ao procurar informações adicionais, descobri que, em São
Paulo, a Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb)
iniciou, em 2011, o monitoramento de lençóis subterrâneos do estado em
relação à presença de contaminantes e à atividade estrogênica – ou seja,
à capacidade de algumas substâncias agirem no sistema reprodutivo
humano, antecipando, por exemplo, a puberdade nas meninas ou produzindo
esterilidade nos homens.
“Não foi detectada atividade estrogênica
na maioria dos 33 pontos de amostragem, selecionados em função de sua
maior vulnerabilidade. Apenas três locais apresentaram atividade
estrogênica baixa. Isso significa que não há potencial de preocupação
para a saúde humana se a água for consumida”, explica Gilson Alves
Quinaglia, gerente do setor de análises toxicológicas da Cetesb.
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