A inviabilidade da ciclovia aérea
Muitos sites têm elogiado a proposta de se construir uma ciclovia aérea, a SkyCycle, em Londres. Mas há uma série de razões pelas quais não acredito que a iniciativa seja viável:
Segregação
Uma medida tão radical como essa parte da falsa premissa de que “não há espaço para as bicicletas nas ruas”, porque elas seriam dedicadas aos automóveis. Assume-se que quem está incomodando, quem está em um espaço que não lhe pertence e precisa ser retirada dali é a bicicleta. “Para sua própria segurança”. É uma forma de segregar os ciclistas, tirando-os das ruas para que os carros possam circular sem esse obstáculo no viário.
Não se pode dizer que Londres não investiu no compartilhamento, na sinalização, na fiscalização aos motoristas imprudentes. Mas, se o viário é agressivo ao ciclista, também é agressivo ao pedestre e até aos próprios motoristas. Tirar os ciclistas dali na esperança de resolver o problema é contribuir para agravá-lo.
Expectativa de piora
Por ser uma medida de segregação, os ciclistas que não estiverem na ciclovia aérea – seja porque na rua onde precisa ir ela não existe, seja porque acaba de descer dela para chegar a seu destino – sofrerão agressões dos motoristas, que verão neles infratores que invadem o espaço que lhes é proibido.
Esse é um ônus trazido por qualquer sistema cicloviário baseado unicamente em ciclovias segregadas e já ocorre em algumas cidades brasileiras que investem apenas nesse modelo. Cria-se a cultura de que lugar de bicicleta é na ciclovia – e apenas lá.
Acessos
A não ser que existam acessos em cada esquina, seu uso se tornará inviável por aumentar a distância que o ciclista precisa percorrer para conseguir entrar nela.
É o mesmo problema enfrentado pela Ciclovia Rio Pinheiros, em São Paulo, que fica fisicamente separada do viário e com acessos separados por quilômetros de distância. Nos finais de semana, há bastante uso, por ter se tornado uma boa opção de lazer. Mas durante a semana, seu uso cai bastante.
Quem usa a bicicleta cotidianamente não aumenta seu trajeto em vários quilômetros só para poder utilizar a ciclovia. As pessoas que usam a bicicleta para deslocamento não saem de casa para pedalar na ciclovia, mas para chegar a algum lugar. Se a ciclovia estiver em seu caminho e for acessível, ótimo. Senão, continuarão utilizando as ruas.
Subidas
Esse aerotúnel pune o ciclista com uma subida para poder acessá-lo, contrariando a tendência natural dos deslocamentos baseados em esforço físico, que é a de buscar sempre o caminho mais reto e plano possível.
É a mesma razão que faz as pessoas atravessarem “onde dá” quando a faixa de pedestres está longe. É impossível mudar isso.
Origem e destino
O projeto parte da premissa de que os ciclistas sempre se deslocam de ponto A a ponto B, sem paradas ou desvios nesse caminho, como uma “highway”. Isso se percebe pelo vídeo, que mostra um longo túnel atravessando distâncias. Não é mostrado nenhum acesso.
Poluição
Claro que as bicicletas não soltam fumaça. E os ciclistas comumente respiram menos poluição do que quem está nos carros (veja aqui). Porém, se for um ambiente fechado e com pouca ventilação (como aparenta ser nos vídeos), a poluição que sobe das ruas abaixo ficará confinada no túnel, afetando mais os ciclistas do que se eles estivessem na rua.
Pedágio
Sim, os ciclistas terão de pagar para usar o sistema! A proposta é de £1 por viagem, “significantemente mais barato que o transporte público”.
Seja sincero: você pagaria para usar uma ciclovia, quando há a opção de seguir de graça pelas ruas?
A imensa maioria da população que usa a bicicleta nas cidades brasileiras o faz principalmente pelo custo zero, o que nos faz intuir a resposta que dariam a essa pergunta.
Vitrine
A iniciativa seria bastante interessante para o uso da bicicleta a passeio, com potencial turístico. Mas, para o uso diário, acho pouco provável que tenha grande utilização. Me parece mais uma proposta para “viralizar” e divulgar o nome do arquiteto e do escritório de arquitetura, agregando-lhes a imagem de inovação, sustentabilidade e ousadia.
Da maneira como a proposta foi apresentada, dificilmente passaria pelo crivo de um engenheiro. Note que, exceto em um rápido trecho do vídeo (abaixo), não são mostrados pilares de sustentação. E, mesmo nesse ponto, são representados apenas como finas linhas vermelhas. Se forem finos assim, o que acontece se um carro colidir com um deles? Onde serão colocados, sobre as calçadas? Qual a distância mínima entre eles?
Também não são mostrados acessos. Não está claro como será a ventilação. Não foi definida a forma de cobrança do pedágio. Também é uma incógnita o tipo de pavimento, importante por influir diretamente no peso do conjunto e, portanto, na forma de sustentação.
São pontos essenciais para se propor uma obra como essa, que deveriam estar claros desde o início. O papel (e o Youtube) aceitam tudo. Espero que o prefeito de Londres, Boris Johnson, não caia nessa. O arquiteto já conseguiu o que queria: ter seu nome e o de sua empresa divulgados em todo o mundo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário