As bicicletas e a lei
06 de dezembro de 2013
O Estado de S.Paulo
Não há dúvida de que os ciclistas são a parte mais fraca
do trânsito, mas essa constatação óbvia parece dar argumentos para
colocá-los acima da lei. Cada motorista das grandes cidades já deve ter
testemunhado barbaridades cometidas por ciclistas. Munidos de
superioridade moral, muitos deles se sentem livres para conduzir seus
veículos como bem entendem - colocando em risco a vida de pedestres e a
deles mesmos, além de causarem dor de cabeça para os motoristas que
cruzarem seu caminho.
Uma recente decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro a
respeito de um prosaico acidente envolvendo um carro e uma bicicleta dá a
exata medida dessa confusão de valores quando se trata de lidar com
ciclistas irresponsáveis.
A desembargadora Lucia Helena do Passo acolheu o recurso de uma
empresa dona do automóvel, dirigido por um de seus funcionários, que
atropelou uma ciclista na cidade do Rio. A empresa havia sido condenada a
indenizar a vítima em R$ 10 mil, em razão dos ferimentos. O problema é
que a ciclista estava trafegando na contramão, e a ré alegou que, dessa
forma, a culpa pelo acidente era exclusiva da vítima.
A magistrada aceitou o argumento da empresa, pela simples razão de
que "o artigo 58 do Código de Trânsito Brasileiro determina que os
ciclistas devem circular no mesmo sentido de circulação regulamentado
para a via". É espantoso que um juiz tenha de fazer constar dos autos
tal platitude.
No entanto, quando o cicloativismo ganha ares de luta política, na
qual os motoristas de carros são demonizados, o poder público parece
cada vez mais constrangido ante essa pressão, eventualmente admitindo
que o vale-tudo seja aceitável no trânsito de bicicletas.
Se não fosse assim, como explicar que, naquele mesmo caso do Rio de
Janeiro, a juíza Raquel de Oliveira, da 6.ª Vara Cível de Jacarepaguá,
havia decidido pela culpa do motorista do carro? Segundo a lógica dessa
magistrada, ciclistas não só podem trafegar na contramão, como também,
se houver acidente com um carro, a responsabilidade será do motorista.
"Pela dinâmica dos fatos descritos pelas partes e testemunhas",
escreveu a juíza, "observa-se que o motorista não freou o suficiente,
pois, se estivesse parado, a autora (a ciclista) poderia desviar a
direção da bicicleta e evitar a colisão." A título de inocentar a
ciclista, o texto da decisão faz uma interpretação peculiar da lei, ao
dizer que "a bicicleta pode trafegar na mão contrária de direção do
trânsito, inclusive para possibilitar que o motorista do veículo
automotor visualize melhor o ciclista, sinalizado o suficiente para
evitar acidente".
Para a magistrada, o motorista do carro agiu "com imprudência" ao
"usar integralmente a pista de rolamento, sem deixar espaço para o
tráfego de bicicletas". Tal exegese inverte totalmente o espírito da
lei. Ciclistas só podem andar na contramão se tiverem permissão da
autoridade de trânsito, e apenas em casos excepcionais. A imprudência,
por esse motivo, foi somente da ciclista, razão pela qual o Tribunal de
Justiça do Rio aceitou o recurso contra a esdrúxula decisão.
Casos assim mostram como é disseminada a noção de que os ciclistas
podem tudo. Além de se acharem no direito de andar na contramão, vários
deles não respeitam os sinais, invadem a faixa de pedestres e não usam
equipamentos para lhes dar a necessária visibilidade.
Bicicletas são veículos como outros quaisquer e devem se submeter à
legislação de trânsito. A dificuldade em enquadrá-las é que os fiscais
dificilmente têm como autuar os ciclistas, pela simples razão de que as
bicicletas não são licenciadas e, portanto, não têm placa.
As exigências previstas no Código de Trânsito Brasileiro existem não
para dificultar a vida dos ciclistas, como querem fazer crer os
cicloativistas, mas para lhes garantir o mínimo de segurança. O fato de
que as grandes cidades ainda não estão inteiramente preparadas para as
bicicletas não deveria servir de desculpa para que ciclistas façam suas
próprias leis.
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