Um israelense em busca de reconciliação
Contra a política oficial do Estado, Aaron Barnea luta para restabelecer laços entre Israel e seus inimigos. Por Marsílea Gombata, de De Kfar Saba, Israel
por Marsílea Gombata — publicado 05/11/2013
De Kfar Saba, Israel
Aaron Barnea perdeu o filho caçula durante a ocupação do sul do Líbano por Israel
Aaron Barnea nunca foi favorável à campanha militar de Israel no sul do Líbano. A invasão ocorrera em 1982, durante os combates contra a Organização pela Libertação da Palestina (OLP). A presença israelense logo se tornou uma ocupação e, com o passar dos anos, o grupo xiita Hezbollah, criado para contrapor a presença de Israel, assumiu o posto de ameaça existencial ao Estado judeu antes atribuída aos palestinos. Barnea via no discurso oficial de Israel um exagero. Não imaginava, no entanto, que a ação tão criticada por ele mudaria sua vida de maneira irreversível.
Judeu nascido na Argentina em 1940, Barnea criou os três filhos – Danah, Alon e Noam – em Israel, onde vive há 58 anos. Como parte da política belicista do Estado, seus três filhos prestaram serviço militar obrigatório. O mais jovem deles, Noam, tornou-se especialista em desarmar bombas na chamada Faixa de Segurança na fronteira com o sul do Líbano, que Israel manteve por 22 anos para conter as ações do Hezbollah, facção apoiada pelo Irã, hoje um dos maiores pesadelos do Estado judeu.
Quando se preparava para a chegada de Noam, após os três anos de serviço militar obrigatório estalecido para os homens, Barnea foi surpreendido com a campainha às oito da noite. Era a semana em que o país lembra o Shoá (Holocausto). “Eram três pessoas, dois com uniforme do Exército, com os olhos arregalados. ‘Aqui mora a família Barnea?’, perguntaram. Na mesma hora gritei: ‘Noam!’ e minha mulher entendeu o que havia acontecido. Era a notícia fatídica que mais temíamos”, lembrou Barnea sobre a noite de 12 de abril de 1999. Seu filho caçula morrera vítima de um explosivo colocado na fronteira pelo Hezbollah. Noam tinha 21 anos e voltaria para casa dentro de cinco dias. “A maneira como a notícia nos atingiu foi funesta. Me dei conta de como tudo isso estava em desacordo com a ocupação israelense no sul do Líbano”, disse.
Não demorou muito para que Barnea saísse às ruas para protestar contra a ocupação no país vizinho. O agora ativista ganhou o apoio de mães e parentes de soldados do Exército mortos em combate que deram início a uma intensa campanha contra a mentalidade belicosa do Estado israelense. A repercussão foi grande, e as tropas israelenses deixaram o Líbano em maio de 2000, um ano depois da morte de seu filho.
Desde então Barnea tem se dedicado a ser uma das principais vozes do país contrárias ao caráter agressivo do Exército de Israel para com seus vizinhos. Dentro da ONG The Parents Circle, ele e mais 600 famílias árabes e judias militam pela reconciliação de Israel com seus inimigos, em especial os palestinos. A ideia é mostrar que, tanto em termos pessoais quanto entre nações, o processo de reconciliação do Estado israelense é pré-requisito para alcançar uma paz sustentável a médio e longo prazo. É uma posição contrastante com a de outros setores da sociedade israelense, hoje dominante na política local, para os quais a segurança do país se faz prioritariamente por meios militares.
A principal frente de trabalho da ONG, fundada em 1995, é nas escolas de educação infantil, fundamental e de ensino médio, onde promovem palestras e encontros com autoridades e ativistas que defendem a restabelecimento dos laços entre as nações da região. Apesar de atuarem mais nos territórios sob administração do Estado de Israel e menos na Faixa de Gaza (controlada pelo Hamas) e parte da Cisjordânia (sob tutela da Autoridade Nacional Palestina), a ONG tem buscado incluir mais famílias palestinas que buscam uma saída para o conflito. Para os membros da organização, uma solução só será alcançada se baseada em três pontos-chave: o estabelecimento de dois Estados para dois povos, o respeito aos direitos humanos e a assinatura de um acordo de paz entre as partes.
“O foro é o melhor que posso fazer para meus filhos, meus netos e meu povo. Também é a melhor homenagem que posso fazer à memória do meu querido filho, imolado em uma guerra sem sentido", observa. “Um conflito não se resolve somente diante de um acordo formal e técnico. O que buscamos é um dispositivo para transformar esse documento em acordo que traga a paz de forma definitiva.”
Quando oficiais do Exército devolveram os pertences de Noam à família, Barnea encontrou um distintivo que seu filho levava consigo quando ia a campo: “Deixe o Líbano em paz”, dizia. “Aquilo foi um revelação para mim. Era como se meu filho estivesse me dizendo: ‘Pai, eu não posso mais, mas o senhor tem de lutar para chegarmos à paz’”, lembra. “Mesmo depois de sua morte, meu filho me mostrava o caminho a ser seguido: buscar a retirada do Líbano e a reconciliação de Israel com seus inimigos. A minha luta é uma forma de dar algum sentido à sua morte. Enquanto não alcançarmos a reconciliação, filhos, pais e irmãos continuarão pagando o preço pela guerra.”
*A repórter foi enviada por CartaCapital para Israel para participar do curso Os Meios de Comunicação em Zonas de Conflito, promovido pelo Ministério das Relações Exteriores israelense
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