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quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Laura Alves: Muitas ciclovias carecem de planeamento eficaz e são construídas para “encher o olho”

Laura Alves: «Muitas ciclovias carecem de planeamento eficaz e são construídas para “encher o olho”


Por Pedro Justino Alves

Laura Alves: «Muitas ciclovias carecem de planeamento eficaz e são construídas para “encher o olho”»

«A Gloriosa Bicicleta – Compêndio de costumes, emoções e desvarios em duas rodas», de Laura Alves e Pedro Carvalho, é uma prova de que há algo de novo na cultura urbana nacional. As duas rodas invadem aos poucos as ruas da cidade e, com elas, novas tribos surgem nas suas esquinas. Este livro, editado pela Texto, revela com humor o que está por detrás desta nova revolução social.

A bicicleta é já uma certeza nos centros urbanos. Não estamos ao nível de outros países, mas aos poucos os portugueses acordam de uma letargia incompreensível, principalmente os mais novos, que parecem livrar-se de vez da ditadura dos carros. «A Gloriosa Bicicleta – Compêndio de costumes, emoções e desvarios em duas rodas» demonstra que há algo de novo a acontecer entre nós…
A bicicleta está realmente na moda ou esse estado pífio já passou e agora é uma certeza?
Está de facto na moda, mas creio que já passou há algum tempo a fase de uma moda passageira. Antes deste “hype” que a bicicleta tem vindo a ter desde há um par de anos, já havia pessoas a pedalar em Lisboa, nos seus percursos casa-trabalho, e muitas dessas pessoas são os activistas que vemos recorrentemente a dar a cara por este meio de transporte. Claro que o facto de os media e até as empresas e marcas pegarem na bicicleta para dar voz a todo o tipo de campanhas é sinónimo de que andar de bicicleta é “cool”, e muitas pessoas começam a pedalar para terem esse ar “cool”. Obviamente, essa não é a única razão – há razões diversas, como as ecológicas, as económicas, entre muitas outras. Mas a ideia principal a reter é que se ultrapassou uma barreira psicológica – a de que Lisboa, ou até mesmo todo o país, era incompatível com a prática de um ciclismo suave. O BTT e o ciclismo de estrada/competição já tinham o seu lugar. O ciclista urbano do dia-a-dia está a encontrar o seu e não me parece que se volte atrás. Muito pelo contrário. Vejo actualmente muitos adolescentes a pedalar pela cidade e acredito que daqui a 10 anos esses miúdos, já adultos, continuem a fazê-lo. Os tempos estão a mudar e nem tudo é para pior.

O ciclista português tem uma identidade própria? 
Teria de fazer um estudo sociológico sério para poder afirmar, com toda a certeza, se tem ou não uma identidade própria. Este livro, «A Gloriosa Bicicleta», sendo para levar a sério, não prima pela seriedade em algumas partes, pois é manifestamente estereotipado numa vertente cómica... Creio que haverá muitos tipos diferentes de ciclistas, algo que se pode aferir pelo tipo de bicicleta escolhida, pela motivação, pela utilização que dá à bicicleta... Se formos pegar nos estereótipos, esses são transversais às grandes urbes. Não somos únicos nos comportamentos, nas atitudes, na forma de nos movimentarmos no trânsito. Mas, se tiver de apontar algo, pelo facto de sermos portugueses, é a tardia entrada na ciclo cultura por termos estado demasiado tempo acomodados, presos a preconceitos e dominados pela ditadura automóvel. Andar de bicicleta na cidade é muito mais do que o aparente lazer: é uma forma mais sustentável e feliz de viver.  

Mas como caracterizaria o ciclista urbano português?
Há muitos tipos de ciclistas. Na cidade coabitam muitas espécies, desde as bicicletas de montanha às bicicletas de estrada, das singlespeed às fixed gear, das eléctricas às híbridas... E cada uma delas carrega um ciclista com diferentes motivações e formas de estar na vida. Uns serão mais utilitários, outros precisarão de cultivar um certo estilo, com determinado tipo de roupa ou acessórios. Seja qual for o tipo, será sempre uma pessoa corajosa, a partir do momento em que decide romper com o “status quo” instalado.  

O que afasta ainda hoje mais usuários das duas rodas?  Por exemplo, em Lisboa, as colinas e o trânsito? E em Braga? Coimbra? Porto? Faro?... 
O que mais afasta as pessoas é, simplesmente, a preguiça. O comodismo. A inércia. Noutros países também há trânsito, não é um fenómeno exclusivamente português. E, mesmo havendo países onde a paisagem é menos acidentada e, daí, mais apelativa para que se ande de bicicleta, não é essa a razão pela qual em Portugal se pedala menos. Antigamente pedalava-se por montes e vales e com pesadas pasteleiras. A razão é pura e simplesmente a ideia que se generalizou, durante décadas, de que ter um carro ou dois ou três carros era o caminho da modernidade, o sintoma de um país desenvolvido. Ter um carro dá muito jeito, claro. Mas demasiados automóveis criam vícios, entopem as ruas e as avenidas, retiram o espaço às pessoas para uma vida de qualidade na cidade. Na cidade e nas aldeias! Hoje, conheço pessoas que não vão ao café da esquina sem pegar no carro. Seja em Lisboa, Braga, Coimbra, Porto, Faro... Andar a pé, ou melhor, ir de bicicleta é uma forma maravilhosa de ver o mundo. Por isso, voltando atrás, o que afasta os usuários das duas rodas é o puro comodismo e a ideia completamente errada de que quem não possui um automóvel não atingiu um certo patamar de sucesso. Como curiosidade, nos países nórdicos, normalmente a visão é precisamente a oposta: a de que são as pessoas com sucesso e maior poder de compra que optam pelos transportes públicos e pela mobilidade suave.

Andar de bicicleta é uma atitude ou uma necessidade? 
Ambas. Diria que primeiro é uma atitude, que depois se transforma em vício e em necessidade. Noutra perspectiva, a da necessidade económica, sim, essa é também uma realidade que existe e à qual não devemos ficar indiferentes. Ao mesmo tempo que há pessoas a gastar muito dinheiro em bicicletas topo de gama, há por todo o país quem use a bicicleta porque é meio de transporte mais barato e acessível.

Acredita que os ciclistas têm uma postura diferente dos condutores de carros? 
Sim. A maior parte dos ciclistas sim. Mas haverá sempre quem fique a dever muito à boa educação ou à condução responsável. Ainda assim, qualquer ciclista tem uma atitude de espírito livre que será mais raro encontrar no meio dos carros. Atenção: eu não sou contra os carros. Sou, sim, contra os carros em todo o lado e a qualquer preço, pondo em causa a qualidade de vida dos meios citadinos.  

Qual o principal medo de um ciclista? 
Que lhe roubem a bicicleta. E cair. Mas antes de tudo, que lhe roubem a bicicleta.

«A Gloriosa Bicicleta» é destinado aos ciclistas inveterados, os estreantes ou para os que pensam andar pela primeira vez?
Diria que contém factos, informação útil e piadinhas para todos, tanto os que agora se iniciam como os que acham que já sabem tudo. Não é um livro técnico, pelo que não se ensina mecânica de fundo. É um livro de emoções e desafios, sobretudo.

Quais os vossos objectivos concretos com o livro? 
Colmatar uma lacuna no mercado editorial - não existia nada do género publicado por cá –, fazer com que mais pessoas pedalem, fazer com que essas pessoas pedalem com bicicletas adequadas aos seus objectivos e com responsabilidade e desenvolver uma maior consciência junto da sociedade, para que se garantam as condições de segurança e de cidadania necessárias à proliferação das bicicletas na cidade.

Qual a vossa opinião sobre as ciclovias em Lisboa, onde moram? Estão bem construídas? A política é a correcta? Etc.
Não considerando as ciclovias fundamentais para circular de bicicleta nas cidades – pois é circulando junto dos automóveis que se aprende a lidar com o desafio da condução em cidade e se perdem os medos –, compreendo que sejam úteis para muitas pessoas em termos de sensação de segurança. Portanto, a sua construção deveria ser incentivada. Infelizmente, grande parte das ciclovias, em Lisboa e não só, carecem de planeamento eficaz e são construídas para “encher o olho”, estando repletas de obstáculos e constrangimentos de circulação. Ao ponto de se tornarem perigosas para ciclistas menos experientes que julgam bastar haver uma ciclovia para haver segurança. As ciclovias, ao serem projectadas, devem obedecer a um cuidadoso planeamento, garantido a sua interligação eficiente com as vias em redor. E depois há o civismo: muitas das ciclovias são vistas pelos automobilistas como mais espaço para estacionar. A mudança de mentalidade demora o seu tempo, mas estou certa de que irá acontecer.

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