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quinta-feira, 21 de novembro de 2013

A dificuldade de atravessar as ruas em São Paulo

A dificuldade de atravessar as ruas em São Paulo



Agente da CET justifica a falta de travessia, enquanto os pedestres continuam precisando cruzar a avenida. Imagem: Rachel Schein/Reprodução
O vídeo abaixo, filmado e editado pela Rachel Schein, mostra a falta de pontos de travessia e a dificuldade de circular a pé na região de Pinheiros, em São Paulo. O principal ponto mostrado é o da foto acima, a esquina da Praça Panamericana com a Av. Prof. Manoel José Chaves (veja no mapa). Nesse local, muita gente precisa atravessar, por ser o caminho para chegar à estação de trem, à Cidade Universitária (USP) e à Ciclovia Rio Pinheiros.
Há pedestres atravessando o tempo todo, como você perceberá nas imagens. E os agentes da Companhia de Engenharia de Tráfego, presentes com frequência no local, têm apenas a orientação de fazer os carros circularem mais depressa, para tentar evitar o congestionamento. As pessoas atravessam sob seus olhos, debaixo de seus narizes, sem que interfiram para garantir sua segurança. Porque, para a Companhia, a prioridade ainda é manter a fluidez.

Companhia de Engenharia de Tráfego

A CET ainda precisa aprender que tráfego não é sinônimo de automóvel, mas sim de deslocamento. Diretores, gerentes e outros funcionários que planejam e coordenam a atuação dos agentes têm de se conscientizar que trabalham para pessoas, para a cidade, não para motoristas.
Essas pessoas precisam enfiar de uma vez em suas cabeças que vidas são mais importantes do que a pressa – não importa o que a parcela da população que dirige diariamente, que nem mesmo é maioria, venha dizer sobre isso. E que proteger o pedestre é bem mais do que simplesmente estender uma bandeirinha que lhe impeça de atravessar com o sinal fechado.
Garantir a segurança dos pedestres não só é uma obrigação do órgão de trânsito, como deve ser a prioridade absoluta. Está lá, no PRIMEIRO artigo do CTB: “os órgãos e entidades de trânsito pertencentes ao Sistema Nacional de Trânsito darão prioridade em suas ações à defesa da vida”.
Ou seja, a Lei que determina, em grande parte, como deve ser a atuação dos órgãos de trânsito, deixa bem claro que a CET, seja por meio de alterações no viário, política de atuação ou atitudes individuais de seus agentes, DEVE se preocupar em primeiro lugar com a vida das pessoas. Aqueles pedestres atravessando ali nunca deveriam ser ignorados. O risco que correm nuncadeveria ser justificado pela falta de uma travessia segura no local (que, na realidade, é a causa desse risco).
A situação de perigo é clara e a atuação deveria ser imediata: de forma paliativa, com um agente de trânsito interrompendo de tempos em tempos o tráfego de veículos para que as pessoas atravessem, e em definitivo, com a implementação de sinalização que torne a travessia viável e segura. O órgão de trânsito não pode ser omisso quanto a essa situação, pois torna-se cúmplice de atropelamentos que venham a ocorrer. Essa omissão e displicência com a vida dos cidadãos que estão fora do automóvel é vergonhosa.
O ponto principal é que a responsabilidade pela situação de risco que o viário oferece – nesse e em tantos outros locais da cidade – não é dos pedestres. Isso fica claro, cristalino, pela forma como foi projetado e sinalizado o viário. É impraticável exigir de uma pessoa que está se deslocando a pé que dê uma volta de centenas de metros para conseguir atravessar uma rua ou avenida. E a responsabilidade sobre as consequências disso é exclusivamente do órgão de trânsito, que projetou e sinalizou a via de forma a atender apenas a quem está em um veículo motorizado, ignorando e “jogando aos leões” quem se desloca a pé ou de bicicleta.
Segundo o artigo 69 do Código de Trânsito, onde não houver travessia de pedestres a uma distância de 50m o cidadão poderá atravessar no local que considerar mais adequado, desde que “em sentido perpendicular” ao eixo da via e “na continuação da calçada”. Portanto, a alegação de que pedestres não deveriam atravessar onde não houver faixa de pedestres não encontra nem mesmo embasamento legal.



Soluções populares


Motoristas respeitando travessia em faixa de pedestres pintada por cidadãos na Ponte da Cidade Universitária, em 2010. Foto: Luddista
Um pouco adiante, na alça de acesso à ponte da Cidade Universitária, pedestres e ciclistas que precisam acessar a ponte correm risco de vida todos os dias, o tempo todo. Manifestantes já pintaram uma “faixa de pedestres cidadã” no local, em 2010. Junto a ela, uma sinalização de bicicletas na ponte, em certa medida semelhante às ciclorrotas de hoje. As bicicletinhas no asfalto ajudavam a convencer os motoristas a compartilharem a via, além de indicarem aos ciclistas como se posicionar ao longo da ponte para tornar a travessia mais segura.

Depois de algum tempo, toda essa sinalização popular foi apagada pela CET, “para garantir a segurança dos usuários das vias e evitar possíveis acidentes”. Sim, disseram esse absurdo, veja aqui. Mas enquanto a faixa de pedestres esteve ali, houve respeito de boa parte dos motoristas, que reduziam ou mesmo paravam para que as pessoas atravessassem. O mesmo acontecia com a sinalização de bicicletas.
Soluções populares têm efeito imediato, embora não sejam bem vistas pelo poder público, pela imprensa e por parte dos cidadãos (não a parcela que precisa atravessar ali diariamente, claro). Aos olhos da lei, são irregulares, pois só o órgão de trânsito pode sinalizar as vias, ainda que nesses casos se omita dessa função. E duram muito pouco, pois são rapidamente retiradas, para não confundir os motoristas.

Vias oficiais

Em fevereiro de 2012, pouco depois da inauguração do acesso à Ciclovia Rio Pinheiros nessa mesma ponte, registrei uma solicitação no SAC da Prefeitura sobre o problema nesse local.
Expliquei que pedestres e ciclistas correm risco ao atravessar ali, pois os carros vêm em velocidade e não há travessia. Contei que muitas pessoas passam ali, por causa do acesso à ciclovia, da estação de trem e da universidade.
Mais de seis meses se passaram, sem nenhuma resposta. No dia 4 de setembro, uma mensagem no site pedia para ligar em um número de telefone da CET, fornecendo o número do processo. Foi o que fiz.

Nos domingos, muitos ciclistas tentam cruzar da Ciclofaixa de Lazer para o acesso à Ciclovia Rio Pinheiros. Todos os dias, pessoas a pé ou em bicicletas correm risco de vida pela omissão do poder público.

A atendente, bastante prestativa, leu para mim a resposta: ”com a implementação da ciclofaixa da Av. Faria Lima” (é, também não entendi essa parte), o pedido “foi deferido pela engenharia” e a travessia será implementada.

- Não tem prazo?
- Não, senhor…
- É só isso?
- Só, senhor…
Agradeci. Era tudo que ela podia fazer: ler a mensagem, dando a impressão de que ela não me foi enviada por escrito para não haver comprometimento.
Me resta a esperança de que, apesar da vida continuar não sendo prioridade para a Companhia de Engenharia de Tráfego de São Paulo, a tal travessia tenha sido incluída em algum planejamento e esteja em uma fila para ser implementada. Um dia, a burocracia vencerá a insensibilidade.

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