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terça-feira, 29 de outubro de 2013

Política no Egito: Redação da Constituição enfrenta atrasos

Política no Egito: Redação da Constituição enfrenta atrasos


Se não for enfrentada, a predominância dos militares minará qualquer tentativa de restabelecer a democracia

por The Economist Intelligence Unit — publicado 29/10/2013
Egito
Centenas de mulheres egípcias protestam, em 26 de outubro, contra um projeto de lei que foi elaborado pelo Ministério da Justiça e que regula as manifestações no país
O processo de elaborar uma nova Constituição como parte do mapa do caminho político declarado depois da derrubada do presidente Mohamed Morsi, em 3 de julho, tem sido atrasado por disputas sobre várias questões delicadas, em particular as que se relacionam aos militares e ao sistema judicial. A polarização das forças políticas que levou à deposição de Morsi também é evidente na dissensão sobre um projeto de lei que regulamenta os protestos. Essas tensões eram inevitáveis, diante da posição controladora dos militares durante a recente transição política no Egito. No entanto, se não for enfrentada, a posição predominante dos militares continuará minando qualquer tentativa de restabelecer a democracia no Egito.
Uma comissão constitucional de 50 membros foi nomeada no início de setembro pelo presidente em exercício, Adly Mansour, com lugares concedidos a vários grupos de interesse, como partidos políticos, empresas, sindicatos, grupos de direitos civis, a mídia e a "corrente política islâmica". A comissão examinou um esboço preliminar preparado por dez peritos constitucionais, com base em uma versão emendada da Constituição aprovada sob a presidência de Morsi em dezembro de 2012. Após 30 dias, um novo rascunho deveria ter sido concluído por subcomissões, e depois disso haveria uma fase de 30 dias de sessões plenárias para aprovar cada um dos artigos. A etapa final será um referendo.
A primeira sessão plenária se realizou em 22 de outubro, mas soube-se que ainda havia vários artigos a ser aprovados. O presidente da comissão, Mohamed el-Salmawy, disse que até agora 189 artigos foram redigidos, mas que há necessidade de mais trabalho das subcomissões que lidam com as questões militares e judiciais. Em consequência disso, o prazo para que a comissão de 50 membros conclua seu trabalho foi prorrogado para o início de dezembro.
Situação dos militares causa discórdia
As principais questões sobre o papel dos militares são o processo de nomeação do ministro da Defesa, a medida de controle do governo e do Parlamento sobre os gastos militares e os poderes dos tribunais militares. O estamento militar teve um papel central na política, economia e sociedade do Egito desde a derrubada da monarquia, em 1952, e de fato durante o período da dinastia de Mohamed Ali, que remonta ao início do século XIX. Durante a era de Hosni Mubarak (1981-2011), a influência e os privilégios dos militares diminuíram, enquanto aumentavam os da polícia e da comunidade empresarial. No entanto, os militares permaneceram uma força política formidável, retendo um alto grau de autonomia operacional e financeira, e também exerceram influência judicial por meio de tribunais militares que foram amplamente usados para processar civis.
Os militares tiveram um papel crítico ao forçar Mubarak a deixar o governo e estabelecer as regras básicas da transição para o regime civil democrático. Depois que Morsi assumiu o poder, em junho de 2012, houve uma troca de poder entre os militares, com a remoção da velha guarda e a nomeação do general Abdel Fattah el-Sisi para ministro da Defesa e comandante das forças armadas. A Constituição de 2012 pela primeira vez fez referência explícita ao fato de o ministro da Defesa vir das fileiras das forças armadas e ao papel dos militares na definição do orçamento da Defesa – esses privilégios existiam anteriormente, mas não eram enunciados na Constituição de 1971 e em suas várias emendas.
O documento de 2012 também estabeleceu a independência do judiciário militar e declarou que os civis podem ser processados por tribunais militares por crimes contra as forças armadas. Essas concessões aos militares foram consideradas na época o reflexo de um pacto político entre Morsi e o general Sisi, mas afinal de pouco serviram para proteger o presidente da Irmandade Muçulmana quando o exército decidiu aliar-se ao movimento popular contra ele.
Tribunais militares poderão ser limitados
Segundo reportagens da mídia local sobre as atuais deliberações constitucionais, os militares e seus apoiadores pressionaram para minimizar qualquer redução dos privilégios dados às forças armadas no documento de 2012. Isto é contrabalançado pela pressão de alguns elementos da comissão constitucional por uma redução significativa desses privilégios e uma definição muito mais restritiva das circunstâncias em que os civis podem ser processados por tribunais militares. Houve relatos de uma proposta de compromisso pela qual a prática de o ministro da Defesa ser um militar valerá apenas para os próximos dois mandatos presidenciais. Não está claro se isto vai satisfazer os militares ou aos que pressionam pela supervisão civil dos assuntos militares.
Outras áreas de disputa incluem os artigos que cobrem os poderes do Judiciário, o papel da sharia (lei islâmica) e o sistema eleitoral e parlamentar. Os aspectos mais delicados da parte jurídica da Constituição se relacionam ao papel do Tribunal Constitucional, que foi o foco de persistente conflito político durante o período Morsi. Sobre a questão da sharia, a comissão teria retirado um artigo que foi introduzido na Constituição de 2012 (o de número 219) que definia como a lei islâmica deve ser aplicada. A remoção desses artigos foi recusada pelo Nour, partido salafista (radical islâmico) que tem um membro na comissão, mas suas objeções farão pouca diferença, pois os artigos podem ser aprovados por 75% da comissão se não houver consenso. Mas o artigo 2º, que estabelece a sharia como principal fonte de legislação, provavelmente será mantido.
O sistema eleitoral deverá se basear principalmente em candidatos individuais, em oposição a chapas partidárias – um sistema, diga-se, que discriminaria contra grupos políticos em benefício de candidatos tribais e personalidades proeminentes. E assim diminui a coesão do Parlamento. Enquanto isso, medidas iniciais para abolir a Câmara Alta parecem ter dado espaço à proposta de um Senado parcialmente eleito.
Tensões sobre lei de protestos
O debate sobre a Constituição refletiu as tensões entre os elementos autoritários e liberais do establishment após o golpe. Essas tensões também ficaram evidentes na disputa interna no gabinete sobre uma lei proposta pelo Ministério do Interior para regulamentar os protestos. O vice-primeiro-ministro Ziad Bahaa el-Din se opôs fortemente à lei em si e ao princípio de aprovar tal legislação sob a autoridade de um presidente interino. Com isto em mente, o primeiro-ministro Hazem el-Beblawi indicou que a lei poderá ser mantida à espera de que se forme um governo eleito, mas a decisão final ainda não foi tomada.
O governo enfrenta uma contradição: quer ser visto como um cuidador provisório do desenvolvimento político pós-revolucionário do Egito, mas na realidade deve totalmente sua existência aos militares. A constante proeminência – e invulnerabilidade – dos militares sempre apresentou a probabilidade de se tornar cada vez mais evidente, e ao mesmo tempo cada vez mais difícil de se ignorar. No entanto, se não corrigir essa situação na Constituição, colocando os órgãos eleitos do país firmemente à frente da política, o Egito estará condenado a ser, no máximo, uma democracia parcial.

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