Páginas

domingo, 20 de outubro de 2013

O contestado legado de Giap

O contestado legado de Giap


O general não apenas gozava de prestígio e influência popular, como também foi um critico do governo

por Economist Intelligence Unit — publicado 20/10/2013
General Giap - Vietnã
Soldados carregam o caixão com o corpo do general Giap na colina Vung Chua, na província de Quang Binh
A morte do general Vo Nguyen Giap, em 4 de outubro, provocou uma disputa política para se beneficiar de seu legado. O general não apenas gozava de enormes prestígio e influência popular, como também foi ocasionalmente um crítico estridente do governo. No último papel, deu cobertura para que reformistas sociais e econômicos pressionassem por mudanças. Embora Giap continue sendo invocado por dissidentes, o governo está decidido a usar seu legado para reforçar suas próprias imagem e autoridade.
O general Giap, que tinha 102 anos, é uma figura de porte na história recente do Vietnã. Em 1954 ele liderou as forças vietnamitas contra os colonizadores franceses na batalha de Dien Bien Phu e depois ajudou a organizar a ofensiva do Tet, que levou à queda do Vietnã do Sul em 1975 e à saída dos Estados Unidos do conflito. Apesar de sua disposição a aceitar horríveis perdas entre suas tropas, só o líder nacionalista do Vietnã e presidente fundador, Ho Chi Minh, se ergue mais alto entre as fileiras das figuras nacionais. Mais de 100 mil pessoas visitaram a casa do general Giap na capital, Hanói, para lhe prestar tributo após sua morte.
Campanhas diretas
Entretanto, havia outro lado do general – que se encaixa menos facilmente com o atual birô político do Vietnã. O Giap idoso estava muito desconfortável com a direção assumida pela liderança política do Vietnã nos últimos anos, e se manifestava ocasionalmente sobre os custos ambientais do crescimento econômico dirigido pelo Estado. Entre outras coisas, ele fez campanha contra a mineração de bauxita, minério usado na produção de alumínio, na região dos planaltos centrais, e falou contra a corrupção – uma questão que ocupou o primeiro plano no Vietnã quando sua economia florescente começou a despencar em 2012 sob as crescentes dívidas ruins e a expansão desenfreada de muitas empresas estatais.
Ao escrever cartas abertas sobre esses temas, o general Giap na verdade abriu espaço para outros vietnamitas criticarem o governo, contribuindo indiretamente para a onda de blogs antigoverno que proliferaram nos últimos anos e embaraçaram seriamente o primeiro-ministro, Nguyen Tan Dung. De maneira significativa, o general Giap de vez em quando declarava suas preocupações sobre a crescente influência da China no Vietnã e na região do Sudeste Asiático em geral. Esta é uma questão especialmente delicada no Vietnã, que foi repetidamente invadido pela China e esteve sob o domínio chinês por mais de mil anos. As tensões entre os dois países ainda são palpáveis, e centenas de vietnamitas ocasionalmente se manifestam em Hanói e Cidade Ho Chi Minh contra as reivindicações da China ao mar do Sul da China e o que consideram violações chinesas das águas soberanas do Vietnã nos últimos anos.
Influência ambiental
Grupos concorrentes no Vietnã hoje correm para dominar o legado do general Giap. Os reformistas tentaram garantir parte dos ganhos que o movimento ambientalista obteve nos últimos anos. Embora continue a mineração de bauxita nos planaltos centrais – um processo especialmente destrutivo, que envolve minas a céu aberto –, os líderes vietnamitas estão cada vez mais atentos às preocupações levantadas pelos ambientalistas.
As autoridades graduadas reagiram menos rapidamente. Dung e o presidente Truong Tan Sang foram encarregados de supervisionar os preparativos para homenagear o ex-general, mas foram superados por duas importantes cúpulas regionais. Sang participou da reunião da Cooperação Econômica Ásia-Pacífico em Bali, Indonésia, e Dung esteve na cúpula da Associação de Países do Sudeste Asiático e outras reuniões relacionadas em Brunei.
Agora, no entanto, os órgãos estatais começam a reivindicar o legado do general Giap; um serviço memorial de Estado foi realizado em 12 de outubro, antes que o corpo do general fosse levado para sua província natal de Quang Binh no dia seguinte, de acordo com os desejos do mesmo e de sua família. Acompanhando o clima definido pelo governo, diversos eventos culturais internacionais marcados para ocorrer no Vietnã foram cancelados ou adiados.
A mídia vietnamita se encheu de tributos amorosos ao general, que foi tão genial depois das guerras do Vietnã quanto foi impiedoso durante as mesmas. Jornais estatais encontraram diversas fotos do general em conferência com Ho Chi Minh, imagens que também ajudaram a apoiar a reputação do próprio "Tio Ho" – um exercício útil, dadas as crescentes críticas ao sistema de partido único comunista no Vietnã por blogueiros e outros dissidentes.
O papel um tanto pioneiro do general Giap no Vietnã ofereceu uma cobertura para os reformistas pressionarem por reformas sociais e econômicas no país e ajudou a destacar o perfil de questões ambientais em particular. Ele havia se tornado menos ativo nos últimos anos porque sua saúde se deteriorou gradativamente, e isso coincidiu com uma feroz repressão aos adversários do governo, especialmente blogueiros dissidentes que manifestaram suas opiniões na Internet. Depois de morto, o nome do general Giap ainda poderá ser um chamado de união para outros livre-pensadores, mas a atual liderança do país lutará para concentrar o legado do general em suas façanhas de guerra, mais que em seu posterior ativismo social.

Nenhum comentário:

Postar um comentário