Vantagens comparativas
Artigo analisa os caminhos trilhados pela ciência do Brasil e da Coreia do Sul e indica espaços para parcerias
FABRÍCIO MARQUES |
Edição 211 - Setembro de 2013
Os sistemas de ciência e tecnologia do Brasil e da Coreia do Sul
desenvolveram-se nas últimas décadas com investimentos concentrados em
certas disciplinas. O Brasil segue um modelo semelhante ao de países
desenvolvidos, com grande destaque para a medicina e um peso
significativo de disciplinas como química, física, botânica e zoologia –
uma especificidade brasileira é que as ciências agrárias ocupam um
espaço superior ao da média mundial. Já a Coreia do Sul segue o chamado
modelo japonês, com um papel mais proeminente das engenharias –
incluindo a ciência da computação – e da química, com destaque para a
ciência de materiais. O estudo liderado por Fink buscou comparar o que
aconteceu com a quantidade e a qualidade da produção científica dos dois
países em dois períodos distintos, de 2000 a 2004 e de 2005 a 2009. A
análise foi feita com base nos National Science Indicators, da empresa
Thomson Reuters, que contêm dados agregados por países. As variáveis
incluíram o número total de publicações e citações do Brasil, da Coreia
do Sul e do mundo de 2000 a 2009 – em seguida, os dados foram divididos
por campos do conhecimento. O estudo concentrou-se em parte desses
campos e excluiu alguns, como ciências sociais e economia, cuja produção
na forma de artigos científicos não foi considerada representativa – há
mais tradição na publicação de livros e capítulos nessas áreas.
Ambos os países aumentaram o número de artigos publicados e viram
crescer seu quinhão na produção mundial. A participação da ciência
brasileira avançou na maioria das áreas, exceto em algumas como ciência
da computação e física, enquanto a Coreia cresceu em todas as áreas sem
distinção. No caso da agricultura, a participação do Brasil subiu de
3,1% do total mundial no primeiro período para 6,8% no segundo. Também
avançou em áreas como zoologia e botânica, ambiente e ecologia, e
farmacologia e toxicologia, reforçando sua posição num modelo conhecido
como “bioambiental”. Mas perdeu espaço em ciências espaciais e física.
“Embora os pesquisadores brasileiros nas áreas de física e ciências
espaciais tenham mantido o mesmo nível de publicações em números
absolutos, perderam terreno em termos comparativos. Isso porque não
conseguimos acompanhar o ritmo do aumento de produção de outros países”,
diz Fink. Em campos da ciência em que o Brasil já não tinha vantagens
comparativas, como ciências da computação, engenharias e ciência dos
materiais, a produção retroagiu. “O Brasil dificilmente conseguirá
ganhar força em tecnologia da informação e na indústria de manufaturas
num futuro próximo”, afirma o autor. Em relação a citações, o Brasil
melhorou também em agricultura, botânica e zoologia, e farmacologia e
toxicologia, e piorou numa área em que era forte, a matemática. Em
ecologia e ambiente, a visibilidade da ciência brasileira diminuiu,
apesar do aumento da produção. Reveses semelhantes foram observados nas
citações de engenharias, ciência dos materiais e ciências da computação.
A estrutura disciplinar da produção científica relaciona-se com as
estratégias de desenvolvimento econômico de cada país, observa Peter
Schulz, professor do Instituto de Física Gleb Wataghin, da Unicamp, que
publicou no ano passado na mesma revista Scientometrics um artigo sobre a evolução do perfil dos sistemas de ciência e tecnologia de diversos países (ver Pesquisa FAPESP nº 198).
Segundo ele, contudo, algumas das conclusões do artigo de Fink precisam
ser confirmadas por novos estudos antes de serem tomadas como
tendências. Ele lembra que aumentou o número de revistas científicas
brasileiras indexadas na base Thomson Reuters na segunda metade da
década de 2000. Isso pode ter criado um viés sobre a percepção de que o
Brasil ficou mais forte em algumas áreas, sem que a especialização
tenha, de fato, aumentado. “O artigo mostra uma estagnação da produção
brasileira na área de física, que é consistente com outros indicadores.
Mas a percepção pode ter sido reforçada pelo fato de haver poucas novas
revistas de física brasileiras indexadas na década passada, em
comparação com o que ocorreu em outras áreas”, afirma Schulz. Ele também
observa que a perda relativa do desempenho da Coreia do Sul em áreas
consolidadas, como ciências de materiais, pode ter sido influenciada
pelo aumento da produção científica da China nessas disciplinas, que fez
crescer o total mundial de artigos. Feitas tais ressalvas, Schulz
afirma que o estudo de Fink tem o mérito de levantar áreas do
conhecimento em que os dois países se complementam. “É importante
sabermos em quais áreas os dois países são fortes ou estão aumentando
sua produção e impacto para estimular parcerias”, afirma.
As colaborações entre brasileiros e sul-coreanos envolvendo grandes
empresas ainda não tiveram impacto na produção científica dos dois
países. “A Samsung, por exemplo, tem um laboratório dentro da Unicamp,
mas o impacto é pequeno na geração de artigos”, diz Daniel Fink. Marcelo
Knobel lembra que a presença de empresas coreanas no Brasil ainda é
recente e ressalta que nem tudo o que é pesquisado vai para a empresa.
“Os laboratórios, como o da Samsung na Unicamp, estão se estabelecendo, e
os resultados demoram um tempo para acontecer, não são imediatos”,
afirma. Existe uma tendência de intensificar as relações entre a ciência
dos dois países a partir de pequenas e médias empresas sul-coreanas,
observa Fink. Um exemplo é a HT Micron, joint-venture brasileira e coreana de encapsulamento de chips
que abriu uma fábrica na cidade gaúcha de São Leopoldo, aproveitando
incentivos fiscais. “Eles se comprometeram em investir 5% em pesquisa e
desenvolvimento, sendo que 1% vai para uma universidade, a Unisinos, na
criação de um instituto de semicondutores”, diz Fink. O interesse da
Coreia no Brasil deve estimular esse tipo de aliança nos próximos anos,
afirma o pesquisador.
Formado em engenharia elétrica pela Pontifícia Universidade Católica
do Rio Grande do Sul, Daniel Fink mudou-se para a Coreia do Sul em 2006,
ao obter uma bolsa oferecida pelo Kaist. “Há uma carência enorme de
brasileiros nas universidades coreanas e fui um dos primeiros a vir”,
afirma ele, que já no mestrado iniciou uma linha de pesquisa comparando
os sistemas de tecnologia do Brasil e da Coreia. Em 2007 escreveu um
artigo num jornal local falando das oportunidades para empresas e
pesquisadores coreanos com a implantação da TV digital no Brasil. O
embaixador brasileiro em Seul chamou-o para conversar e desse contato
surgiu um convite para se tornar assessor em ciência e tecnologia na
embaixada. Nos próximos meses, ele e pesquisadores sul-coreanos de seu
grupo virão ao Brasil entrevistar cientistas brasileiros com
colaborações com colegas da Coreia do Sul para investigar a dinâmica
dessas parcerias.
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