Jogo do poder
A eleição presidencial de 2014 está fadada a se reduzir a uma competição de "caciques” políticos
17/10/2013
Frei Betto
O
"golpe de mestre” de Marina Silva ao aderir ao PSB de Eduardo Campos
comprova o quanto o Brasil necessita, urgente, de profunda reforma
política.
As manifestações de rua, em junho,
demonstraram que expressiva parcela da população, sobretudo jovens, não
confia em partidos políticos. Estes se desgastaram devido à falta de
fidelidade a seus princípios estatutários e programáticos.
Mais
do que rezam as cartas fundadoras dos partidos, na prática valem a fome
de poder, o "toma lá, dá cá”, as alianças e coligações, ainda que
espúrias, promíscuas e seladas pelo vil metal da corrupção.
A
eleição presidencial de 2014 está fadada a se reduzir a uma competição
de "caciques” políticos. Nos bastidores, as coligações partidárias, de
olho em maior tempo de TV na propaganda eleitoral gratuita, serão
armadas à base de promessas na distribuição dos ministérios, caixa dois,
loteamento de cargos e funções.
Ainda que os
candidatos proclamem maravilhas aos eleitores, no frigir dos ovos,
anunciado o resultado da eleição, terão importância apenas os acordos de
bastidores firmados no decorrer do processo eleitoral. Eis o
neocoronelismo, o Brasil dividido em currais eleitorais, as
discordâncias programáticas escanteadas pelas ambições pessoais, o
anseio de se apropriar da máquina do poder.
Esse
maquiavelismo é muito anterior ao próprio Maquiavel. Jesus foi vítima
dele. Pilatos, governador da Judeia e interventor romano, não era
benquisto aos olhos do Sinédrio de Caifás, o poder judaico. Os dois
poderosos, entretanto, se puseram de acordo quando se tratou de defender
a (des)ordem vigente criticada por Jesus, em especial ao derrubar as
mesas dos cambistas no Templo de Jerusalém (equivalente a impedir, hoje,
o funcionamento da Bolsa de Valores). Prisioneiro político, Jesus foi
condenado pelo duplo poder.
Como é difícil
suscitar esperanças nos jovens, incutir utopia, convencê-los da
importância de não ficarem indiferentes ao processo eleitoral, quando se
constata que nenhum candidato coloca o projeto Brasil acima de seu
projeto de poder! As opiniões dos marqueteiros terão sempre mais
importância que as reivindicações dos eleitores.
Desde
1980, quando foi fundado, até 2002, quando Lula se elegeu presidente
pela primeira vez, o PT defendeu, como imprescindível ao Brasil, a
reforma agrária. Após 10 anos no poder, pouco se fez nesse sentido. Ao
contrário, os latifúndios se ampliaram, grandes extensões de terra têm
sido apropriadas por estrangeiros, o agronegócio avança sobre a Amazônia
e trata os povos indígenas como estorvo ao progresso.
Não
sou ingênuo a ponto de acreditar que a política depende de lideranças
carismáticas, ainda que elas sejam privilegiadas captadoras de votos. A
melhor liderança não poderá jamais ser coerente a seus princípios
enquanto perdurar essa estrutura política intrinsecamente
antidemocrática, elitista e corrupta. De boas intenções o inferno está
cheio...
Enquanto não se convoca uma Constituinte
exclusiva para a reforma política, resta ao eleitor manifestar-se nas
ruas, demonstrar a sua indignação, organizar a esperança, e fazer de seu
voto recurso de aposentadoria compulsória do caciquismo e promoção
daqueles candidatos que, comprovadamente, estão dispostos a quebrar o
ferrenho tabu de que as estruturas brasileiras são intocáveis.
Como
alertou Cazuza, muitas de nossas ilusões estão perdidas, nossos sonhos
foram vendidos, e de nada vale ficar em cima do muro. Precisamos todos
de uma ideologia que imprima sentido às nossas vidas e à nossa política.
Caso
contrário, seremos todos ludibriados pelo neoliberalismo, que busca
fazer de todos nós consumistas, e não cidadãos; pelo fundamentalismo
religioso, que insiste em negar a laicidade do Estado; pelos partidos
que, como descreveu Lampedusa, pregam mudanças para que tudo permaneça
como está.
Frei Betto é escritor, autor de "Fome de Deus” (Paralela), entre outros livros. http://www.freibetto.org - twitter:@freibetto.
Nenhum comentário:
Postar um comentário