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quarta-feira, 4 de setembro de 2013

“Sem renegociação, dívida pública de São Paulo será eterna”, diz especialista em gestão pública

“Sem renegociação, dívida pública de São Paulo será eterna”, diz especialista em gestão pública


A dívida pública corresponde a 195,29% das receitas tributárias do município. Para se ter uma ideia de sua dimensão, o gasto anual em saúde foi de 18,64% ano passado; em educação, cerca de 31,33%. Segundo Gustavo Fernandes, professor de gestão pública da Faculdade Getúlio Vargas (FGV), a dívida pública de São Paulo é impagável.


A maior metrópole brasileira é também a cidade com a maior divida, cerca de R$ 62 bilhões. Conforme revela o balanço da Prefeitura, 95% do total da dívida decorrem do refinanciamento assinado com a União em maio de 2000. A dívida pública total corresponde a 195,29% das Receitas Correntes Líquidas [somatório das receitas tributárias de um governo]. Para se ter uma ideia dessa dimensão, a saúde, em 2012, custou 18,64% das receitas correntes líquidas municipais; a educação, cerca de 31,33%. Para Gustavo Fernandes, professor do departamento de gestão pública da EAESP-FGV, essa situação é no mínimo curiosa. Em entrevista à Carta Maior ele analisa a situação da dívida da capital paulistana, sua viabilidade e o impacto dela na capacidade de investimento da cidade.

Carta Maior: Várias personalidades políticas, como o ex-prefeito Gilberto Kassab, disseram que a dívida pública da prefeitura de São Paulo é impagável. Como o senhor avalia a situação da dívida pública da cidade de São Paulo?

Gustavo Fernandes: A real situação da dívida pública de São Paulo é no mínimo curiosa. Sim, é impagável. Ao mesmo tempo, porém, está controlada. Conforme revela o balanço da Prefeitura, 95% do total da dívida decorrem do refinanciamento assinado com a União em maio de 2000. Naquele período de forte ajuste fiscal, os Estados e Municípios foram estimulados a arrumar suas contas, reconhecendo o passivo acumulado que não aparecia na contabilidade, escondido pelos anos de inflação alta. Com a estabilização da moeda, o desequilíbrio das contas da administração pública veio à tona. Assim, foi preciso reconhecer toda a dívida acumulada. 

CM: Segundo matéria da Folha de São Paulo, 2 em cada 3 reais arrecadados do IPTU em 2009 foram utilizados para pagamentos da dívida. Como a dívida pública de São Paulo vem afetando a capacidade de investimentos da Prefeitura?

GF: A dívida pública total corresponde a 195,29% das Receitas Correntes Líquidas. Para se ter uma ideia da dimensão da dívida, o gasto anual em saúde foi de 18,64% ano passado; em educação, cerca de 31,33%. Além disso, em virtude do limite de endividamento estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal (120%), a Prefeitura de São Paulo não pode se endividar, o que reduz bastante as possibilidades de investimentos. Dessa forma, 13% das receitas do Município (limite máximo de recursos que pode ser usado para pagar a divida) são subtraídas praticamente todos os anos para se abater uma dívida que não para de crescer. Em números, o equivalente a 71,27% do que foi gasto em saúde no ano passado foi pago em dívida. Realmente, são números impressionantes.

CM: Em 2000, durante o governo FHC, a dívida dos municípios com a União foi renegociada, e fixou-se uma taxa de juros de 9% mais o IGP-DI para a dívida da cidade de São Paulo. Qual o impacto dessa renegociação sobre as contas do município de São Paulo? 

GF: Na época, o acordo foi bom para a Prefeitura de São Paulo, pois se previa uma taxa de juros de apenas 9% real, ou seja, acima da inflação. Na época, a taxa Selic era cerca de 18,50%, muito acima, portanto, da taxa ajustada no contrato de renegociação, assim a taxa de juros do contrato era relativamente baixa. Além disso, limitou-se o pagamento em 13% das Receitas Correntes Líquidas do Município, o que de certa forma estabeleceu uma proteção aos cofres municipais. O problema é que essa taxa, vigente para 30 anos, é fixa, não se reduzindo conforme se melhoram as condições econômicas e, logo, do próprio crédito na economia. Além disso, o indicador de inflação utilizado, o IGP-DI, é extremamente sensível ao dólar, tendendo a ficar sempre acima do IPCA e da própria evolução nominal das receitas municipais. Desta forma, com juros elevadíssimos e um indexador que tende a superestimar a inflação, tem-se que, até 2013, a Prefeitura já pagou R$ 21,468 bilhões à União, contudo, a dívida continua crescendo e já está em R$ 62,810 bilhões.

CM: Uma renegociação da dívida do município com a União é necessária/possível?

GF: Nunca devemos esquecer que, se esta dívida aumentou por condições contratuais de médio e longo prazo ruins, sua origem remete a gestões passadas que endividaram o município de São Paulo excessivamente, com investimentos que não trouxeram melhorias necessárias para que a sociedade paulistana produzisse riqueza e pagasse a dívida. Ou seja, boa parte desse passivo enorme decorre de gastos duvidosos. De todo modo, parece ser claro que as condições são excessivamente severas. Não faz sentido a União retirar 13% das receitas da Prefeitura todos os anos, dado o enorme contingente populacional que vive na cidade. É preciso sim renegociar a dívida pois, dadas as condições atuais, a transferência de renda da Prefeitura de São Paulo para o governo federal será eterna.


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