Comissões da Verdade e parlamentares fazem visita histórica ao antigo DOI-Codi
O jornalista Álvaro Caldas, que esteve preso duas vezes, mostrou o local onde pelo menos 800 presos políticos sofreram torturas
24/09/2013
Mário Augusto Jakobskind,
do Rio de Janeiro (RJ)
O atual quartel Zenóbio da Costa, onde se localizava a antiga dependência do DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informações-Centro de Defesa Interna) foi palco nesta segunda-feira (23) de um acontecimento histórico com repercussão nacional. Integrantes da Comissão Nacional e Estadual da Verdade, parlamentares do Senado e a representação do Ministério Público Federal fizeram uma visita ao local, conseguindo neutralizar a ação provocativa do deputado federal Jair Bolsonaro, do PP-RJ.
O parlamentar extremista tentou de todas as formas tumultuar a visita, chegando a agredir fisicamente o senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), além de destratar verbalmente a deputada Jandira Feghali, do PCB-RJ.
Os integrantes das comissões se recusaram a realizar a visita, autorizada pelo ministro da Defesa, Celso Amorim, caso Bolsonaro os acompanhasse, porque o parlamentar não integra nenhuma das comissões que estavam presentes no quartel e estava lá com o visível objetivo de tumultuar e mesmo impedir a visita. Derrotado e isolado, inclusive pelos próprios militares, Bolsonaro limitou-se a observar de longe o trabalho que estava sendo realizado.
Linguagem da Guerra Fria
Antes da visita, Bolsonaro concedia entrevistas utilizando a mesma linguagem da época da Guerra Fria, o que valeu comentário do senador João Capiberibe (PSB-AP), segundo o qual o parlamentar representa um Brasil que ficou para trás e está vinculado às torturas da época da ditadura. “Esse é um Brasil que está superado”, disse, para em seguida elogiar a nova geração de militares que nada tem a ver com o período das torturas e assassinatos praticados nas dependências que estavam sendo visitadas.
Superado o impasse, o senador João Capiberibe, presidente da Subcomissão da Verdade, Memória e Justiça do Senado; a deputada federal Luiza Erundina (PSB-SP), presidente da mesma comissão na Câmara dos Deputados; o senador Randolfe Rodrigues; o presidente da Comissão Estadual da Verdade, Wadhi Damous; Álvaro Caldas, jornalista e integrante da Comissão Estadual da Verdade; e Nadine Borges, também da Comissão do Rio de Janeiro, iniciaram a visita em companhia de autoridades militares.
Jornalista mostrou o caminho certo
No interior do quartel, graças ao jornalista Álvaro Caldas, que esteve preso duas vezes no DOI-Codi nos anos 1970, os integrantes das comissões puderam percorrer o local onde pelo menos 800 presos políticos sofreram torturas e alguns, como o jornalista Mario Alves e o ex-deputado Rubens Paiva foram assassinados.
Enquanto os militares apontavam no quartel uma área a ser percorrida, Álvaro Caldas mostrou o caminho certo por onde os opositores ao regime ditatorial foram torturados. O jornalista foi elogiado pelos integrantes das comissões pela coragem e lucidez, que ajudaram o trabalho das comissões. É bem possível que se ele não estivesse presente, os integrantes das comissões não teriam percorrido o caminho certo onde se pretende criar um Museu da Memória.
Caldas, atualmente com 72 anos, observou que, em relação há 40 anos atrás, houve mudanças, mas a estrutura das dependências continuou a mesma, daí ter lembrado o caminho certo. O jornalista admitiu que passou a madrugada acordado pela emoção em ter de voltar, quatro décadas depois, ao local onde passou os piores momentos de sua vida. Caldas lembrou da primeira vez que foi preso e sofreu pesadas torturas. Posteriormente, quando trabalhava no jornal O Estado de S. Paulo foi seqüestrado covardemente em sua casa e levado novamente ao DOI-Codi.
Para a deputada Luiza Erundina, é fundamental o acompanhamento do trabalho das Comissões da Verdade pelos movimentos sociais e pela imprensa. “É fundamental a pressão externa sobre o Congresso para dar andamento aos trabalhos das Comissões na Câmara dos Deputados e Senado”. A parlamentar socialista observou ainda que “queremos justiça, mas esta só será alcançada com a reinterpretação da Lei de Anistia, porque não é possível colocar em pé de igualdade torturados e torturadores, que seguem impunes”.
Do lado de fora do quartel permaneceram aguardando o final da visita integrantes de movimentos sociais, desde o Grupo Tortura Nunca Mais, a Comissão de Memória Verdade e Justiça do Rio e o Levante Popular da Juventude, além de ex-presos políticos que sofreram torturas nas dependências do DOI-Codi. Militares da Reserva, punidos por atos institucionais, entre os quais o Comandante Santa Rosa também acompanharam a visita do lado de fora.
Foto: Tânia Rêgo/ABr
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