A GLOBO RENEGA AGORA O GOLPE MILITAR
Por Alexandre Figueiredo - 01/09/2013
Em comunicado publicado ontem, o jornal O Globo, anunciando seu Memorial O Globo, que envolve arquivos digitalizados do antigo conteúdo publicado em sua história, disse ter sido um "erro" ter apoiado o golpe militar de 1964. O trecho correspondente inclui as seguintes alegações:
“Desde as manifestações de junho, um coro voltou às ruas: 'A verdade é dura, a Globo apoiou a ditadura'. De fato, trata-se de uma verdade, e, também de fato, de uma verdade dura. Já há muitos anos, em discussões internas, as Organizações Globo reconhecem que, à luz da História, esse apoio foi um erro.”
É muito cômodo as Organizações Globo renegarem posturas quando o tempo dá o seu veredito. Mas, no passado, essas posturas eram muito mais do que impulsos da vontade, eram decisões tidas como acertadas e convictamente adotadas. Quando convinha, as OG apoiaram abertamente a ditadura militar, tornando-se fiel a ela até mesmo nos seus momentos de agonia.
É só verificar os episódios. As OG participaram da tal "Rede da Democracia", um pastiche da Rede da Legalidade lançada por Leonel Brizola. A Rede da Legalidade envolvia várias emissoras de rádio que pregavam a defesa da posse constitucional de João Goulart, vice-presidente da República, como chefe do Executivo federal depois da renúncia de Jânio Quadros, em 1961.
A Rede da Democracia fazia o inverso. Comandada pelas Organizações Globo, pelo Sistema Jornal do Brasil e pelos Diários Associados, mas com o "discreto" apoio do grupo O Dia, Grupo Bandeirantes, Grupo Folha e Editora Abril, entre outros, o grupo pregava a derrubada de João Goulart por um golpe militar, medida já discutida por vários de seus porta-vozes, já no segundo semestre de 1963.
Era o começo da "novela" das Organizações Globo e seu apoio à ditadura militar. Com a Rede Globo sendo "esboçada" a partir de uma emissora carioca financiada ilegalmente pelo grupo Time-Life. E é bastante curioso que a Rede Globo surgiu sem uma programação previamente planejada - a TV Tupi, pelo menos, teve o inaugural TV na Taba, de variedades, em 1950 - e tinha audiência fraquíssima.
A Globo cresceu apoiando a ditadura militar. Roberto Marinho se aproveitou da crise financeira das Organizações Victor Costa (nome de um falecido ex-produtor da Rádio Nacional carioca, que havia se lançado como empresário paulista de comunicação) e comprou seu espólio, o que incluiu a TV Paulista, modesta mas relativamente popular (lançou Sílvio Santos) e que virou TV Globo São Paulo.
Vinte anos depois, a Globo ainda estava solidária ao generalato, se recusando a fazer cobertura das manifestações pela volta das eleições diretas no Brasil. E o que ela fez em prol da ditadura militar e em prol de seu poder na época é muito mais para ser definido como "erro" ou "equívoco", tamanhos os prejuízos causados para os brasileiros.
Chegou-se a um ponto em que a Globo monopolizava o mercado jornalístico, o mercado televisivo e ela criou um modelo de informação jornalística e até de cultura popular completamente fora da realidade cotidiana brasileira. Pior: a Globo chegou mesmo a escravizar a realidade, até mesmo as periferias tornaram-se escravas de seus paradigmas.
A Globo interferiu até nas gírias juvenis, popularizando, através de seu astro Luciano Huck e em parceria com a rádio Jovem Pan 2, a gíria clubber "balada", pondo a juventude brasileira ao ridículo diante dos jovens do resto do mundo que, só em inglês, investem no bom e velho "I go to the party with my friends" ("Eu vou para a festa com meus amigos"), sendo bem mais modernos que os brasileiros que falam "Eu vou pra balada c'a galera", sem medir escrúpulos para o cacófato.
As Organizações Globo comandaram o coro de jornalistas políticos reacionários. Na redemocratização, tentou manipular as eleições presidenciais, para garantir as vitórias eleitorais dos candidatos da famiglia Marinho, num processo fraudulento lançado em território nacional pelo então influentes Jornal Nacional.
A Globo tinha uma certa imunidade nos círculos do poder político que tinha boas relações com autoridades norte-americanas e durante muito tempo cometeu sonegação fiscal, acreditando na impunidade, apesar das quase 800 notificações que recebeu da Receita Federal.
Hoje a Globo perde sua hegemonia, embora sua última herança, a cultura brega-popularesca, e sobretudo o apoio mais do que explícito que a emissora deu ao "funk carioca", que encaixava nos paradigmas domesticadores e estereotipados de "cultura popular" defendidos pelas OG, tente ser mantida de pé pela intelectualidade associada, a partir do antropólogo Hermano Vianna, colunista de O Globo e produtor e consultor musical da Rede Globo.
A própria intelectualidade que defende a bregalização do país, antes da própria atitude da Globo, também renega seu passado de valores culturais aprendidos da Rede Globo e da Folha de São Paulo, e da associação desses mesmos intelectuais com o sociólogo Fernando Henrique Cardoso, cujas duas eleições presidenciais tiveram o patrocínio informal das Organizações Globo.
A decadência da Globo pode ser mais lenta que a da Abril. E, relativamente mais flexível que o império dos Civita, o império dos Marinho continua anestesiando a opinião pública e a intelectualidade dominante com suas visões domesticadoras da "cultura popular", com sua visão caricata e inócua do povo pobre. O "canto de cisne" da Globo sairá da voz de um MC de "funk".
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