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segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Mulheres são proibidas de dirigir para não "danificar ovário", diz conservador saudita

Mulheres são proibidas de dirigir para não "danificar ovário", diz conservador saudita



Sheik Saleh al Lohaidan é um dos líderes religiosos mais influentes do país e forte crítico às reformas pró-mulheres empreendidas pela monarquia

30/09/2013

Um dos principais clérigos da ala mais conservadora da Arábia Saudita tentou justificar a proibição às mulheres de dirigir alegando que elas correm o risco de “danificar seus ovários” e, consequentemente, gerar filhos com problemas clínicos. Desde o início de 2011, durante a explosão da Primavera Árabe, aumentaram os protestos pelos direitos da mulher, incluindo a permissão para conduzir automóveis.
Segundo o sheik Saleh al Lohaidan, “se uma mulher dirige um carro, que não seja em caso de pura necessidade, isso poderá ter impactos fisiológicos negativos. Estudos médicos e fisiológicos mostram como isso afeta automaticamente os ovários e empurra a pélvis para cima ", disse o líder religioso em entrevista ao site Sabq.org. "É por isso que encontramos naquelas mulheres que dirigem regularmente filhos com problemas clínicos em diferentes níveis", completou.
Com essa declaração, ele respondeu a ativistas que organizam um ato de desrespeito à lei marcado para o dia 26 de outubro, que se espalhou pelo país e ganhou publicamente apoio de várias mulheres. Nesse domingo (29), porém, o site da campanha foi bloqueado no país.
Na entrevista, o sheik advertiu às mulheres que querem participar do protesto para colocarem “a razão à frente de seus corações, emoções e paixões”. O sheik, no entanto, não é formado em medicina nem especificou as fontes dos estudos a que ele se referiu.
Lohaidan foi ex-ministro da Justiça do país e é um dos 21 membros do Conselho Superior Judiciário de Religiosos do país, únicos a terem o direito de redigir éditos religiosos (fatwas). É assessor direto do governo e possui grande número de seguidores entre conservadores influentes. Trata-se de um dos mais ferrenhos opositores à série de reformas empreendidas pelo rei Abdullah para aumentar os direitos das mulheres.
O Conselho não tem poder de deliberar leis na Arábia Saudita, poder compartilhado exclusivamente pelo rei Abdullah, mas uma oposição do órgão às reformas pode significar um freio às reformas empreendidas pelo poder real.
Não existe uma lei no país que proíba as mulheres de dirigir, mas as licenças de motoristas são concedidas unicamente aos homens. Na última semana, o sheik Abdulatif al Sheik, chefe da “polícia moral”, disse à agência de notícias Reuters não existir qualquer restrição na sharia que proíba as mulheres de dirigir.
Charge: Latuff/2011

Mapa revela 'coincidência' entre favelas incendiadas e operações urbanas de SP

Mapa revela 'coincidência' entre favelas incendiadas e operações urbanas de SP


por Sarah Fernandes, da RBA publicado 27/09/2012 

Só em São Paulo favelas pegam fogo com frequência. Levantamento mostrou localizações 'incômodas'
 para planos da prefeitura (©Folhapress/Arquivo RBA)
São Paulo – O que até então só soava como suspeita de moradores e movimentos sociais começa a ganhar forma: as favelas da capital paulista que sofreram incêndios nos últimos anos estão concentradas nos perímetros das chamadas operações urbanas projetadas pela prefeitura, sejam as já iniciadas ou as ainda em planejamento. É o que mostra um levantamento produzido pela Rede Brasil Atualsobrepondo os endereços das últimas ocorrências com as áreas a serem afetadas pelas políticas de reurbanização de Gilberto Kassab.
O traçado georreferenciado das operações urbanas previstas no Plano Diretor da cidade foi cedido pela Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano (Emplasa). Como a administração municipal tem autonomia de alterar o traçado, também foram utilizadas informações de mapas disponíveis nos sites da prefeitura.
Ao todo foram georreferenciados 89 dos 103 endereços de incêndios em favelas que constam no documento entregue pela Defesa Civil para a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Incêndios em Favelas da Câmara Municipal. Para a elaboração do mapa foi usado o sistema colocado à disposição pela empresa Google. As ocorrências vão de janeiro de 2008 a agosto de 2012. Confira o resultado:
Uma situação suspeita
O que é uma operação urbana?

É um instrumento de intervenção política no espaço urbano – legalmente consolidado no Estatuto da Cidade de 2001 – que define áreas interessantes para intensificar o uso do solo. São lugares estratégicos, onde o poder público investe em infraestrutura adicional, como obras viárias, saneamento e remoção de favelas e cortiços, “abrindo espaço para empreendimentos imobiliários privados”, de acordo com o site da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP).

São Paulo possui hoje quatro operações urbanas em vigor (Água Branca, Centro, Faria Lima e Água Espraiada) e mais três a serem iniciadas (Lapa-Brás, Rio Verde-Jacu e Mooca-Vila Carioca). O Plano Diretor da cidade, de 2002, previu 13 áreas interessantes para o poder público formular operações urbanas.

As operações Águas Espraiadas e Faria Lima chamam particularmente a atenção por concentrarem incêndios dentro do seu perímetro ou nas suas proximidades. As operações ainda não iniciadas Lapa-Brás, Rio Verde-Jacu e Mooca-Vila Carioca – que foram licitadas pela prefeitura em 2011 – já concentram grande parte das ocorrências.

“Eu estranho essa coincidência. Nós nos perguntamos por que ocorrem mais incêndios em áreas mais valorizadas e menos na periferia, sendo que as favelas da periferia são muito maiores? Será que as das áreas valorizadas têm mais risco de incêndio? Eu não vejo essa correlação”, afirma a diretora executiva do Movimento Defenda São Paulo, Lucila Lacreta.
A prefeitura foi procurada pela Rede Brasil Atual para se posicionar sobre a correlação entre os incêndios em favelas e as operações urbanas da cidade, mas nenhuma resposta foi apresentada até o fechamento da reportagem.
Lucila lembra que, originalmente, as operações previam projetos de urbanização das favelas. “A proposta é que elas tenham uma solução urbanística e que as pessoas continuem morando naquele perímetro, mas isso é muito difícil de acontecer”, avalia. “Esses terrenos que sofreram incêndios estão em áreas muito valorizadas ou que passarão por valorização, com grande aporte de investimento público e imobiliário. E a favela atrapalha”.
O coordenador estadual da Central de Movimentos Populares, Raimundo Bonfim, concorda. As operações urbanas, em tese, são instrumentos para fazer intervenções em áreas consideradas degradadas, para recuperá-las e construir moradias de interesse social nelas. Mas, diz o ativista, em São Paulo tem funcionado ao contrário. "Pegam determinadas áreas para fazer especulação imobiliária e 'limpar' moradores de baixa renda para construir grandes obras ou para favorecer o mercado imobiliário.”
mapa das operações urbanas

CPI

Apesar de a Defesa Civil paulistana ter registrado 103 incêndios em favelas entre 2008 e 2012, o Corpo de Bombeiros contabiliza 530 ocorrências no mesmo período, de acordo com informações cedidas pela corporação à Rede Brasil Atual. Só neste ano foram registrados 68 incêndios em favelas. 
A Câmara dos Vereadores instalou a CPI dos Incêndios em abril deste ano para “apurar as causas e responsabilidades pela recorrência dos incêndios em favelas no Município de São Paulo”, de acordo com as atribuições descritas no site da Câmara Municipal. Apesar disso, apenas duas reuniões de investigação foram realizadas até agora, ambas neste mês. Isso porque os outros encontros não conseguiram atingir a presença mínima de quatro vereadores da comissão, todos aliados do prefeito Gilberto Kassab.
A CPI chegou a requerer junto ao Corpo de Bombeiros um registro completo das ocorrências, porém a corporação informou, por meio de documento oficial, que “não é a autoridade competente para realização de perícias e consequentemente identificação de causas”. E a investigação segue sem avanços.
O relator e o vice-presidente da CPI só foram definidos no começo deste mês, após uma série de quatro novos incêndios em favelas da cidade. Na reunião seguinte, os vereadores participantes ouviram o coordenador-geral da Defesa Civil, Jair Paca de Lima, que na ocasião afirmou que o tempo seco é um dos principais agravadores dos incêndios – desconsiderando que muitas das ocorrências ocorreram em condições climáticas diferentes.
Na quarta-feira (26), os subprefeitos de São Miguel, Vila Prudente e Jabaquara deveriam ter sido ouvidos, porém novamente a reunião não obteve quórum.
Colaborou Gisele Brito.

O mundo é um campo de batalha

O mundo é um campo de batalha


"Dirty Wars – The world is a battlefield" é um dos 25 filmes exibidos até o dia 10 deste mês, no Festival do Rio, com a parceria da Anistia Internacional no Brasil, na Mostra Direitos Humanos. Outros documentários do grupo denunciam a perseguição aos ciganos na Europa, a tragédia dos órfãos do Iraque, a repressão aos movimentos sociais que pipocam pelo mundo, a discriminação aos homossexuais em Uganda. Por Léa Maria Aarão Reis.


Rio de Janeiro - O mundo atual é um campo de batalha, sucessão de guerras “invisíveis”, disfarçadas, encobertas ou dissimuladas patrocinadas pelo governo dos Estados Unidos, e o que há por detrás delas e das ações ilegais da mais secreta divisão de elite do exército americano, a Joint Special Operation Command, o Comando de Operações Especiais Conjuntas que opera em 75 países. Este é o tema geral de um documentário longa-metragem, de 86 minutos, Guerras Sujas, do jornalista independente americano Jeremy Scahill, desdobramento do seu livro de mesmo nome lançado nos Estados Unidos, ano passado. 

Autor de um trabalho anterior, Blackwater – a ascensão do exército mercenário mais poderoso do mundo, traduzido no Brasil pela Companhia das Letras, Scahill é o roteirista e personagem fio condutor da trajetória da dupla através Cabul, no Afeganistão, Aden, no Iêmen, e Mogadíscio, na Somália, no rastro das operações da JSOC. Seu companheiro no trabalho, o fotógrafo e cinegrafista Rick Rowley, dirigiu e montou o doc com estreia mundial no Festival de Sundance deste ano e exibido no verão europeu com grande repercussão.


Dirty Wars – The world is a battlefield é um dos 25 filmes exibidos até o dia 10 deste mês, no Festival do Rio, com a parceria da Anistia Internacional no Brasil, na Mostra Direitos Humanos. Outros documentários do grupo denunciam a perseguição aos ciganos na Europa, a tragédia dos órfãos do Iraque, a repressão aos movimentos sociais que pipocam pelo mundo, a discriminação aos homossexuais em Uganda.

“As ações da JSOC ultrapassam todos os marcos da legalidade internacional,” sublinhou Scahill em conversa com a plateia do filme, depois da sua exibição, na companhia do jornalista do The Guardian, Glen Greenwald. “O mais grave é o governo americano não dizer que está matando também cidadãos americanos, nas operações com drones. É surpreendente, um presidente advogado constitucionalista e Nobel da Paz se apresentar com uma posição explícita, imperialista, diante da instituição da ONU e autorizar diretamente o assassinato de alvos humanos vivos inscritos em listas cada vez mais extensas.” 

Depois das viagens, investigações e entrevistas mostradas em Dirty Wars, Scahill calcula que o total de alvos mortos até agora, apenas no Afeganistão e no Paquistão seja de 17 mil pessoas.E as listas não param de crescer.


No filme, os entrevistados de Scahill são parentes de vítimas – crianças, idosos, pais, avôs, uma mãe de filho assassinado-; ex-integrantes do JSOC (há algumas defecções de oficiais e eles falam em anonimato); alguns “senhores da guerra”, no norte da África como o “General”, antes inimigo local dos americanos, hoje cooptado para fazer o trabalho sujo.

Um velho, na Somália, declara a Scarhill, impressionado: “Os americanos são mestres da guerra. Ótimos professores!”

Em depoimentos constrangidos e telegráficos, apenas dois congressistas de Washington depõem – ou não depõem - sobre as guerras secretas. Invocam, é claro, “questão de segurança nacional”. 

As passagens cinematográficas são produzidas com o próprio jornalista em campo (em Mogadíscio, usando forte proteção contra balas e bombas) e com filmetes e imagens comoventes de pequenas festas familiares abruptamente interrompidas nos massacres repugnantes no meio da noite (uma celebração de batizado no Afeganistão, por exemplo). Ou fotos com cenas de adolescente, no Iêmen, trucidado por drone - sobraram do garoto apenas alguns fios de cabelos presos a um pedaço de crânio -, no quarto da sua casa decorado com símbolos e figuras pop de ícones americanos. Dez dias antes o pai tinha sido derrubado por outro drone.

“Nós, jornalistas independentes, vivemos num estado de vigilância permanente,” diz Scahill. “A máquina de guerra continua de pé e não apenas nos países onde há petróleo. Na América Central, na participação militar na Colômbia, nas guerras na África, na Síria.” 

Onde houver interesses econômicos dos Estados Unidos Co. ou interesses geopolíticos, estratégicos, as guerras secretas são detonadas.

O documentário Guerras Sujas até agora não foi comprado para exibição no Brasil. Talvez seja uma daquelas produções, diz um crítico de filmes, que ou assistimos em festival ou não a veremos nunca mais. Não tem atores atraentes nem estrelas nem photoshop para anabolizar improváveis sequências de ação.

No entanto, além de emocionante, é imprescindível.


Dois mil cubanos chegam ao Brasil para segunda etapa do Mais Médicos

Dois mil cubanos chegam ao Brasil para segunda etapa do Mais Médicos


Na primeira fase, 400 profissionais cubanos chegaram ao país e passaram por curso de formação e avaliação

30/09/2013
Yara Aquino,

De hoje (30) até o final desta semana chegam ao Brasil mais 2 mil médicos cubanos para a segunda etapa do Programa Mais Médicos. Hoje, os primeiros 135 profissionais de Cuba desembarcam em Vitória. Na próxima segunda-feira (7), os 2 mil cubanos iniciam o módulo de avaliação que tem duração de três semanas com aulas sobre língua portuguesa e o sistema brasileiro de saúde pública. As informações são do Ministério da Saúde.
Além dos 2 mil cubanos, os 149 médicos com diploma do exterior que foram selecionados para a segunda fase do Mais Médicos iniciam o módulo de avaliação no dia 7. As aulas ocorrerão no Distrito Federal, em Fortaleza, Vitória e Belo Horizonte.
Na primeira fase do Programa Mais Médicos, 400 profissionais cubanos chegaram ao Brasil e passaram por curso de formação e avaliação. A previsão do Ministério da Saúde é trazer ao país, até o final do ano, 4 mil médicos cubanos. Esses profissionais vêm ao Brasil por meio de um acordo intermediado pela Organização Pan-Americana da Saúde (Opas).
Assim como os médicos com diploma do exterior que se inscreveram individualmente, os cubanos que vêm pelo acordo com a Opas não precisam passar pelo Revalida (Revalidação de Diplomas Médicos Expedidos por Instituições de Educação Superior) e, por isso, terão registro provisório por três anos para atuar na atenção básica e com validade restrita ao local para onde forem designados.

Movimentos populares mobilizam ‘semana contra a democracia dos massacres’

Movimentos populares mobilizam ‘semana contra a democracia dos massacres’


Com início no dia 2 de outubro, data que marca os 21 anos do Massacre do Carandiru, semana de protestos terá periferia e indígenas somando-se contra os genocídios
30/09/2013
da Redação
Contra os massacres dentro das prisões, contra o genocídio da juventude negra e periférica e dos povos indígenas. A ‘Semana contra a democracia dos massacres’ terá início nesta quarta-feira (2), data que marca os 21 anos do massacre do Carandiru, então considerado maior presídio da América Latina. Durante essa semana, vários movimentos populares de todo o Brasil se somarão à mobilização nacional indígena, que começa hoje (30) e vai até o dia 5 de outubro.
Para dar o pontapé inicial, na manhã desta quarta-feira (2), será realizada uma coletiva de imprensa no Sindicato dos Jornalistas de São Paulo com familiares do carioca Amarildo, desaparecido há dois meses e meio, e do santista Ricardo, assassinado no final de julho em frente à Unifesp. Nos dois casos, há um forte indício de policiais estarem envolvidos, já que Amarildo foi visto pela última vez em uma viatura da UPP, e Ricardo ter sido assassinado dois dias após ser agredido por policiais militares.
Ainda participarão da coletiva integrantes dos movimentos Passe Livre, Mães de Maio, Periferia Ativa, Favela do Moinho Vivo e representantes da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). O fotógrafo Sérgio Silva, que ficou cego do olho esquerdo após ter sido atingido por uma bala de borracha disparada pela Polícia Militar, também estará presente na reunião.
Outro ponto que será discutido é a data dos 25 anos da Constituição Federal que, segundo os movimentos, marca a ‘implementação de um Estado penal-militar com a política da democracia dos massacres’. “A ideia é não só relembrar a maior chacina de presos da história do país, mas também expressar a história de outras vítimas da violência estatal em pleno regime democrático sob a ‘Constituição Cidadã’, e refletir sobre a desmilitarização da polícia”, diz a nota dos movimentos.
Outras ações
Ainda no dia 2 de outubro, às 17h, em repúdio à homenagem à Rota aprovada pela Câmara Municipal de São Paulo, o Comitê contra o Genocídio da Juventude Preta, Pobre e Periférica convoca um ato em frente ao Teatro Municipal da capital. Já no Masp, simultaneamente, indígenas e quilombolas se mobilizarão contra o genocídio de seus povos, exigindo a imediata demarcação das terras que lhes pertencem.
No sábado (5), haverá ainda uma atividade “Contra o Estado Penal-militar” no Parque da Juventude, antigo Carandiru. Com início às 13h30, o ato visa repensar os efeitos do Estado penal e os impactos da militarização das polícias.
Foto: Reprodução

100% Boliviano, mano

100% Boliviano, mano


Minidoc retrata a vida de um imigrante boliviano de segunda geração no centro de São Paulo

30/09/2013
Alice Riff e Luciano Onça,

Denílson Mamami, 15 anos, mora no Bom Retiro, bairro central de São Paulo. Como todo jovem de sua idade, sonha em fazer universidade, ter uma boa carreira, deixar sua mãe orgulhosa, casar e ter filhos. Estuda na escola estadual João Kopcke, também no centro, a poucos metros da estação Júlio Prestes. Gosta de passear com sua namorada, de encontrar seus amigos para ouvir e compor músicas românticas e de hip hop. Mas Denílson – conhecido como “Choco” – assim como 1/3 dos alunos de sua escola, nasceu na Bolívia. Mora no Brasil desde os 9 anos. Como ele, milhares de adolescentes bolivianos, ou filhos de imigrantes bolivianos, vivem atualmente em São Paulo.
A Pastoral do Imigrante estima que a população de bolivianos em São Paulo esteja entre 50 e 200 mil habitantes (dado que não pode ser comprovado porque muitos estão em situação irregular). A grande maioria trabalha em oficinas de costura existentes em toda a cidade, mas que se concentram em bairros centrais como Brás e Bom Retiro. A comunidade boliviana é tida como a maior comunidade de latino-americanos residentes no Brasil. Em 2010, quando o Governo Lula concedeu anistia aos imigrantes ilegais do país, dos 42 mil pedidos de naturalização, mais de 17 mil eram de cidadãos bolivianos.
Os pais de Choco vieram ao Brasil há 15 anos, em busca de oportunidades de trabalho. Durante a infância ele foi criado pela avó em La Paz, capital da Bolívia, enquanto seus pais buscavam se estabelecer em São Paulo como costureiros. Apenas aos 9 anos, sua mãe, já separada do pai, foi busca-lo na Bolívia morar com ela no bairro do Bom Retiro, onde moram e trabalham, no mesmo quarto do antigo sobrado que dividem com outras famílias bolivianas. Na sala da casa funciona uma oficina de costura, onde os adultos trabalham extensas jornadas diárias.
Os costureiros bolivianos de São Paulo ganharam visibilidade na mídia após diversas denúncias de oficinas que mantinham os imigrantes em condições análogas à escravidão. Mas o minidoc "100% Boliviano, mano" foi em busca de investigar como vive a segunda geração de bolivianos que reside na cidade. Entre a vivência cotidiana do preconceito – pejorativamente apelidados de “índios” ou “bolívias”, descrevem um cotidiano de agressões físicas e verbais – eles compartilham o desejo de permanecer no Brasil e de não trabalhar na costura. Assista ao vídeo da Pública, uma parceria coma Grão Filmes que foi contemplado pelo 4º edital Sala de Notícias do Canal Futura.

O atual Modelo Energético Brasileiro

O atual Modelo Energético Brasileiro


Atualmente, quem controla a energia é o capital internacional especulativo, são transnacionais que controlam o setor elétrico nacional e se apropriam dos resultados

30/09/2013
Gilberto Cervinski,

O conceito de Modelo Energético tem significados diferentes para atores situados em polos antagônicos. Para nós, Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), "modelo" significa a Política Energética necessária ao desenvolvimento das forças produtivas que sirva ao conjunto da nação, com respeito ao meio ambiente e à soberania nacional. No entanto, para os setores que controlam a energia no Brasil, Modelo Energético refere-se às fontes/matrizes de produção da energia, porque esses setores já têm clara a finalidade da energia: responder à demanda do mercado, à voracidade das grandes corporações que controlam a indústria de eletricidade, à indústria eletrointensiva e no aumento da produtividade a qualquer preço.
É inegável que a energia é a locomotiva do desenvolvimento das forças produtivas e que o resto é vagão. Sua importância estratégica está relacionada à produção de valor na sociedade capitalista. Na sociedade atual, a energia é central para reprodução do capital, pois é utilizada como forma de acelerar a produtividade do trabalho dos trabalhadores.
Há concordância que a energia é necessária na geração da riqueza, que a cadeia produtiva de energia cria empregos e que a energia possibilita o bem estar das pessoas. Também é evidente que a produção de energia pressupõe fontes para a sua geração e que hoje, nas atuais condições de produção, a hidro tem sido a tecnologia “mais eficiente” quando comparada com as demais fontes de produção de eletricidade. Ao ressaltar esses argumentos, no entanto, aqueles que controlam o setor omitem para quê e para quem ele é planejado.
O atual modelo energético, de padrão e herança autoritária, tecnocrática e neoliberal, está a serviço das corporações transnacionais e seu modelo de desenvolvimento. O bem público serve aos interesses de uma minoria, com predomínio do setor financeiro e seus mecanismos. Esse modelo afeta enormemente as populações, na cidade e no campo, além de precarizar o trabalho no setor (terceirização), utilizar os trabalhadores das obras na condição de semiescravidão, repassar toda conta às residências e produzir impactos socioambientais no nível local, regional e até internacional.
A energia é vista como mercadoria e não como bem público. Assim se produzem graves injustiças. Essa lógica, que persiste na geração, transmissão e distribuição da energia, não se preocupa com a sustentabilidade social e ambiental, apenas com o "progresso" econômico medido pelo rendimento final e fantasiado na renda per capita que esconde quem se apropria da riqueza. Mais: a atual política energética, em nome do desenvolvimento, avança sobre um patrimônio que pertence também às futuras gerações, pois exportar nossos recursos a países ricos é eticamente um assalto às novas gerações.
Atualmente, quem controla a energia é o capital internacional especulativo, são transnacionais que controlam o setor elétrico nacional e se apropriam dos resultados. Corporações mundiais como a Suez Tractebel, AES, Odebrecht, Queiroz Galvão, Iberdrola, Vale, Alcoa, Billiton, Alstom, Siemens, etc. Este controle veio a partir das privatizações dos anos 90 e segue nos dias atuais. Atualmente, até mesmo as estatais estão nas mãos do capital privado: 60% da Eletrobrás; 80% da CEMIG; 65% da Cesp.
As estruturas de Estado estão capturadas pelas empresas privadas. As agências reguladoras, Ministério de Minas e Energia, Empresa de planejamento e até as estatais estão à serviço dos empresários. Foram criadas várias leis e estruturas de Estado que tentam despolitizar o debate da energia, como se fossem questões “técnicas e neutras”. A ANEEL, agência reguladora de finalidade e comportamento questionáveis, é parte de uma estratégia e instrumento para servir aos empresários. É o centro onde se legaliza o modelo.
O BNDES é o principal financiador das usinas, repassando dinheiro público para as transnacionais, enquanto que estatais são proibidas de ter a maioria das ações nas usinas. Dessa forma, as estruturas de Estado se comportam contra os interesses sociais.
A mercantilização da energia, através do modelo privado, transformou a energia no principal negócio dos setores privados. Foi implementado um sistema de tarifas que simula uma falsa concorrência. As tarifas foram internacionalizadas, os preços da eletricidade brasileira passaram a ser vinculados ao custo da energia térmica. Nossas tarifas foram elevadas a patamares internacionais, longe da realidade dos custos de produção de nosso país. Atualmente a energia no Brasil é 25% mais cara que na França, onde 76% da matriz é nuclear, ou seja, com custo de produção muito mais alto.
A venda da energia elétrica se transformou no principal negócio deste setor, porque agora o lucro dos empresários que controlam a energia não vem só da exploração dos eletricitários, mas de 60 milhões de residenciais. As residências pagam a conta. Enquanto isso, os grandes consumidores (livres) recebem energia barata, para produzir eletrointensivos e exportar, sem pagar imposto algum, porque são isentos pela lei Kandir. Para mudar o modelo, é necessário mudar o sistema de tarifas.
Os trabalhadores do setor são altamente produtivos e explorados. Para se ter uma ideia, os trabalhadores da AES Tietê produziram em 2012, cerca de R$ 2,3 milhões de lucro/trabalhador.
Está em curso uma intensificação da exploração sobre os eletricitários. As empresas privadas e estatais estão buscando rebaixar os ganhos dos trabalhadores aos patamares mais baixos mundialmente. Está ocorrendo um intenso processo de reestruturação do trabalho para aumentar a produtividade, através de demissões, terceirizações, precarizações e aumento de jornada, além da incorporação de novas tecnologias que aceleram a obsolescência programada. Isso reflete diretamente na qualidade dos serviços de energia.
A riqueza extraordinária gerada na energia, nas diferentes áreas, não tem sido revertida em benefício prioritário ao povo brasileiro. O que constatamos são remessas cada vez maiores de lucro aos acionistas, enquanto o serviço púbico e a situação dos trabalhadores se deteriora cada vez mais. Os lucros são extraordinários e tudo é enviado através de remessas de dividendos (100%). A AES Tietê tem lucro médio de 43,5%. Cinco empresas (AES Eletropaulo e Tietê, Suez Tractebel, Cemig e CPFL) tiveram, nos últimos 7 anos, lucro total de R$ 45,7 bi e remeteram R$ 40,7 bi a seus acionistas.
Os rios são o território mais desejado e disputado pelas transnacionais que controlam a indústria de eletricidade. Como a energia hídrica é a tecnologia mais rentável comparada às demais fontes, aumenta a disputa mundial para controlar os melhores locais e extrair os excedentes. Nosso território é foco de disputa internacional do capital, pois concentra as principais reservas estratégicas de “base elevada de produtividade natural”. O Brasil possui as maiores e melhores reservas de rios e água para geração de eletricidade, 260 mil MW de potência, dos quais só 30% foram utilizados até agora. A América Latina tem potencial de 730 mil MW.
Entendemos que o problema central na energia é a política energética. O modelo energético. Não queremos discutir somente a matriz, apesar de sua importância. Atuar na política energética pressupõe incidir decisivamente no planejamento, na organização e controle da produção e distribuição da energia, da riqueza gerada e no controle sobre as reservas estratégicas de energia de base de elevada produtividade natural.
O Lema do Encontro Nacional do MAB, “Água e energia com soberania, distribuição da riqueza e controle popular”, representa a síntese do projeto que defendemos para a energia.
Gilberto Cervinski é da coordenação nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).

domingo, 29 de setembro de 2013

Navegando no Pará: “Parece que estou sonhando”, diz Maribel, a médica cubana que vai enfrentar o pior IDH do Brasil

Navegando no Pará: “Parece que estou sonhando”, diz Maribel, a médica cubana que vai enfrentar o pior IDH do Brasil


publicado em 27 de setembro de 2013

Maribéis chegam ao destino depois de uma longa viagem; Melgaço tem o pior IDH do Brasil


por Dario de Negreiros*, especial para o Viomundo

Pergunta um melgacense às médicas cubanas recém-chegadas à cidade: “Dá pra notar que Melgaço tem o pior Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) do Brasil?”. Depois de um breve silêncio, uma delas afirma, como numa forma delicada de lhe responder sem mentir: “Eu nunca tinha visto uma casa de palafita, antes”.
Viemos todos na mesma embarcação – um grande navio de quatro andares que perfaz a rota Belém-Melgaço em cerca de 18 horas –, partindo da foz do rio Amazonas e descendo pelos encontros das águas marítima e fluvial que compõem o Arquipélago do Marajó.
“Quando vínhamos no barco para cá, eu falei: parece que estou sonhando, é como se fosse um filme!”, diz a médica Maribel Morera Saborit, 44. “Nunca imaginei que iria ver o que estava vendo: as casinhas de madeira à beira do rio, as crianças naqueles barquinhos pequenininhos…”.
De barco, crianças pedem esmola aos turistas

Quando nos aproximamos das estações hidroviárias, crianças em pequenas canoas remam até nós para pedir dinheiro, comida, balas ou o que quer que seja. Um deles, sem aparentar mais de 12 anos, olhando-me levava dois dedos à boca, como quem pede um cigarro. “Eu sei que há muita pobreza no mundo, mas não sabia que aqui havia gente vivendo nessas condições”, continua Saborit.
Na chegada, as médicas são recebidas pelo prefeito Adiel Moura (PP) e juntos caminhamos pela região central da cidade, que já se mostra consideravelmente mais pauperizada do que o município vizinho de Curralinho, minha parada anterior. E, lembremos: em 2010, Curralinho registrou o menor PIB per capita do Brasil.
Aqui em Melgaço, as casas, quase todas de madeira, sem porta nem janelas, têm muitas delas aspecto de abandonadas, muito embora bem se veja o movimento de seus moradores.
O pouco asfalto parece mais atrapalhar do que contribuir com o movimento constante das motos, tal seu estado; automóvel, dizem, há na cidade apenas meia dúzia.
Das ruas de terra levanta uma forte poeira, o que contribui para que sejam frequentes, nos períodos mais secos, os males relacionadas às vias respiratórias.
Quase não há iluminação pública.

Muitas das palafitas têm à sua frente pontes de madeira que fazem as vezes de calçada, entrecortadas por instalações precárias de energia elétrica. Por elas, equilibrando-se como se nada houvesse, vemos passar dezenas de crianças a caminho da escola.
À noite, é neste labirinto que tem de caminhar, na escuridão, quem por ali vive. No ano passado, dizem-me diversos moradores desta rua, um contato acidental com este emaranhado de fios de energia – alguns avançam sobre a ponte, obrigando o pedestre ao contorcionismo – matou uma criança eletrocutada.
“Eu tive a possibilidade de ver, na Venezuela, pobreza extrema”, conta a outra Maribel, a Herrera Hernandez. “Lá há as chamadas ‘invasões’, onde as casas são feitas de qualquer coisa: tábuas, papelão. E há os morros, que são como as favelas. Mas também nunca vi nada como isso.”
Vivendo com menos de R$ 140 por mês, 73% dos cerca de 25 mil habitantes de Melgaço podiam ser classificados como pobres em 2010, enquanto 44%, com renda mensal de R$ 70, eram considerados extremamente pobres.
Chicó, o curandeiro

“O remédio mais caro é a babosa com mel de abelha. Cura asma, bronquite, tuberculose, paralisia e câncer”, diz-me seu Chicó, 70, o curandeiro local. “Bom, depende do tipo de câncer”, pondera. “E tem que descascar a babosa, porque a casca é ácida, faz mal.”
Chicó é filho de Teodora – esta, dizem, uma das mais importantes curandeiras que ali existiram. Com ela, aprendeu a receita dos remédios caseiros que até hoje prepara em suas famosas “garrafadas”.
“Minha mãe foi farmacêutica caseira e, quando perdeu a visão, quem fazia os remédios era eu.” Parteira desde os 12 anos, Teodora, diz Chicó, tinha um dom: com sua oração, as mulheres pariam sem sentir dor.
Pergunto a Maria Lina Moraes, esposa de Chicó, se o dito é verdadeiro. “É verdade. Mas eu sou mãe de 16 filhos, então, quando eu achava que estava com o filho no bucho, já estava com o filho no braço.”
Maria Lina conta que seu irmão, o pedreiro Judeu Moraes, foi levado à curandeira Teodora quando despencou de um açaizeiro, caindo em cima do próprio braço. “Ela colocou uma compressa no braço dele, orou e, quando tirou, saiu um monte de pus e sangue. E ele sarou.”
Chicó ainda se lembra da receita: “Pega a minhoca, torra bem torradinha, mistura com farinha, coloca um pano e enrola no braço quebrado. Sara em quatro ou cinco dias.”
O hospital de Melgaço

Judeu Moraes representa bem a mudança de hábitos pela qual passaram os moradores da cidade nas últimas décadas. Pois foi no hospital, e não na casa de algum curandeiro, que o conheci.
Por coincidência, ele trazia em seus braços, justamente, um garoto que havia caído de um açaizeiro. “Eu não tomo esses remédios caseiros”, afirma o cunhado de Chicó.
“Essas coisas de curandeiro eram mais comuns antigamente”, explica Ricardo Fialho, coordenador-geral do movimento Marajó Forte. “Hoje em dia, quando alguém adoece, o povo leva logo para o hospital”.
Não há, atualmente, nenhum médico fixo na cidade. Dois dos três profissionais que aqui trabalham permanecem 15 dias e o outro, 10. Durante 25 dias, todos os meses, a cidade tem apenas um médico, que tenta se revezar em todos os serviços.
“Quando a gente fica sozinho, aqui, é uma loucura”, diz Anselmo Faria Alvarez, 63, em Melgaço desde janeiro.
Nestas ocasiões, Anselmo se divide entre as emergências do hospital, os atendimentos nas UBSs (Unidades Básicas de Saúde) e, ainda, as consultas aos pacientes do Caps (Centro de Atenção Psicossocial).
A população, é claro, se queixa. “Falta médico. Você tem que chegar 1h da manhã pra ser atendido às 7h”, diz Lúcio Ferreira da Silva, 60, trabalhador rural.
Por falta de médicos, Ruth viaja com as crianças; o estoque de água é usado para fazer suco de açaí

“A criançada, eu nem levo mais aqui em Melgaço. Levo em médico particular, lá em Portel [cidade vizinha]”, conta a vendedora de açaí Ruth Leia Caldas, 37.
Diferente do que vimos em Curralinho, por aqui os funcionários dos postos de saúde e do hospital não reclamam da falta de materiais básicos, como luvas descartáveis, algodão e medicamentos essenciais.
Sebastião teve de viajar de barco até Macapá, com uma sonda, para fazer uma cirurgia

Neste contexto, a chegada das duas cubanas deve provocar um impacto imediato: a partir de agora, os três médicos contratados pela cidade poderão se dedicar exclusivamente ao hospital, o que lhes permitirá reduzir as filas do ambulatório e passar a realizar cirurgias.
“Inicialmente, vamos passar a fazer pequenas cirurgias: cesarianas, hérnias, cirurgias na parte baixa do abdômen”, afirma Anselmo. “Além disso, a presença de médicos fixos na cidade é muito importante.”
Hoje, quem precisa deste tipo de cirurgia deve tomar a “ambulancha” para a cidade de Breves, numa viagem de pouco menos de uma hora. Isso se não for encaminhado para local ainda mais distante.
Se a cirurgia de Ilário Rocha da Silva, 58, pudesse esperar, provavelmente sua hérnia inguinal teria sido operada em Melgaço.
O mesmo talvez se passasse com Sebastião Santos Medeiros, 69, nascido e criado na zona rural de Melgaço, mas que para fazer uma cirurgia de próstata teve de viajar até Macapá. “A viagem foi muito cansativa porque, ainda por cima, colocaram uma sonda em mim”, relata.
Dr. Anselmo: Dois empregos como médico itinerante

O médico Anselmo não faz segredo sobre o motivo que o trouxe para cá: em Belém, trabalhando contratado pelo governo do Estado, recebia mensalmente cerca de R$ 3 mil por 40 horas semanais.
Trabalhando 15 dias em Melgaço e outros 15 em Gurupá, também na região do Arquipélago do Marajó, multiplica esse salário por dez.
Sendo tais os valores de mercado para esta mão-de-obra na região, ficam os municípios pobres impossibilitados de ampliar o número de médicos com seus próprios orçamentos.
Em julho deste ano, os repasses federais e estaduais recebidos por Melgaço somaram, segundo a secretaria de saúde, R$ 250 mil, valor ao qual se pode acrescentar os cerca de R$ 100 mil de contrapartida do município.
Somados todos os encargos, o custo total de contratação de um médico chega perto dos R$ 36 mil. Ou seja: mesmo que, hipoteticamente, a cidade pudesse gastar toda a verba disponível para saúde apenas com a contratação de médicos, não conseguiria bancar nem dez profissionais.
Para alcançar a ainda baixa média brasileira, de 1,8 médico por mil habitantes, Melgaço teria de contar com 45. Já para se equiparar às médias de países como Itália, Alemanha, Portugal e Espanha, que possuem entre 3,5 e 4 médicos por habitante, seriam necessários entre 88 e 100.
Mari e Bel ocupam vagas de médicos brasileiros que não quiseram vir

Além das duas cubanas recém-chegadas, Melgaço ainda pretende receber mais três profissionais nas próximas fases do Mais Médicos.
A intenção é ter quatro médicos trabalhando em equipes de saúde da família e um exclusivamente no Caps. “Vai desafogar bastante o hospital”, comemora com antecipação Ivonete Silva, atual diretora da casa.
Segundo a secretária de saúde de Melgaço, Ângela Iketani, a cidade já havia tentado conseguir médicos pelo Provab (Programa de Valorização do Profissional da Atenção Básica), que oferece aos que se disponibilizam para trabalhar fora dos grandes centros urbanos bolsas de R$ 10 mil mensais e 10% de bonificação em exames de residência.
“Nós nos habilitamos, mas não recebemos nenhum profissional: nem enfermeiro, nem odontólogo, nem médicos”, diz.
Depois, na primeira fase do Mais Médicos, aberta apenas aos brasileiros, mais uma vez não houve ninguém que se habilitasse a vir para cá.
As médicas cubanas e o prefeito

Maribel Herrera Hernandez e Maribel Morera Saborit estão na cidade desde a manhã de sábado e já tiveram, no dia da chegada, a homonímia desfeita. “Você é a Mari”, batiza a secretária de assistência social, Socorro Reis, olhando para Saborit. “E você”, diz, apontando Hernandez, “é a Bel. Tem mais cara de Bel”.
Mari e Bel estão instaladas no centro da cidade, onde ocupam um pequeno apartamento com copa-cozinha, um banheiro e dois quartos com ar-condicionado – item essencial na região.
O espaço faz parte de um corredor de apartamentos térreos: logo ao lado moram as secretárias de saúde e assistência social e, em quartos menores, hospedam-se viajantes eventuais.
Paparicadas todo o tempo por prefeito, secretários e funcionários, elas ainda não parecem completamente à vontade – como é de se esperar de quem chega a um lugar completamente desconhecido.
Vejo-as mais soltas, pela primeira vez, durante um churrasco de domingo. O motivo, creio, é menos a cerveja do que o assunto: a revolução cubana.
Maribel, a Mari, é mais falante, extrovertida, expansiva. Mas, quando se trata deste assunto, mesmo Maribel, a Bel, não se contém: “Dario, vou falar em espanhol, traduza para eles, por favor. Não há ditadura, em Cuba. Se Fidel permaneceu tanto tempo no poder, foi porque quisemos, porque votamos nele”, assegura.
“Antes da revolução, era muito pior”, concorda Mari. “Hoje todas as pessoas têm saúde gratuita e de qualidade, todos têm acesso a ensino de qualidade.”
Concedo-me um aparte, saindo por um momento do papel de tradutor e mediador da discussão, quando se debate religião.
Se as conquistas sociais são inquestionáveis e trazem ganhos de liberdade coletiva, digo direcionando-me aos críticos, tampouco se pode negar a existência de restrições de liberdade individual, pondero com elas.
“Realmente, havia restrições de liberdade religiosa”, concedem. “Mas isso foi, principalmente, no início [da revolução]. Hoje, já melhorou bastante”, respondem-me juntas, intercalando-se.
Enfim, para além de qualquer dúvida, resta a gana com que ambas defendem e exaltam seu país. Nisto incluso, evidente, o sistema de saúde cubano.
As médicas cubanas são apresentadas a moradores de Melgaço

Em Cuba, contam, um especialista em medicina da família – ou, como lá se diz, em medicina general integral– costuma viver no mesmo lugar em que clinica. “No térreo, faz-se as consultas, no andar de cima vive o médico e, acima, a enfermeira”, diz Mari.
“Esse consultório, por sua vez, está ligado a uma policlínica, que tem laboratório, pronto-atendimento, raio-X, vacinação, oftalmologia, endoscopia, ultrassom etc. Isso compõe a atenção primária: uma policlínica e vários consultórios médicos.”
“As pessoas têm tudo isso perto delas. E um médico que trabalha no consultório faz plantão na policlínica”, diz Bel.
Isso significaria, então, que em Cuba um médico da família realiza procedimentos que, no Brasil, são reservados a especialistas?
“Sim. Lá, nós tratamos as patologias próprias de especialidades, como oftalmologia, cardiologia, ginecologia. Falamos com um especialista só quando temos alguma dúvida”, confirma Bel. E Mari acrescenta: “Aqui, muitas vezes vamos nos sentir de mãos atadas”.
Em Melgaço, estará no trabalho preventivo o foco de suas atuações. “Aqui, o maior esforço será o de promoção de saúde: mudar hábitos, mudar ideias”, diz Bel.
“Nós temos de construir formas de atuação sobre estes problemas para obter resultados. Sabemos, por exemplo, que aqui as pessoas são muito religiosas. Então, eu já disse: nós vamos falar com os pastores”, afirma Mari. “Nós temos de encontrar essas brechas, descobrir por onde podemos nos colocar.”
Conversando com duas mães que, voluntariamente, deixaram suas casas para morar em uma cidade tão pobre e tão distante, é inevitável que questionemos a dimensão da recompensa financeira que será obtida a partir deste trabalho.
Ficou na bela cidade de Cienfuegos, conhecida como La Perla del Sur, a família de Bel — uma adolescente de 15 anos e um menino de 5, além de seu marido. O marido e os dois filhos de Mari, de 19 e 18 anos, moram na capital Havana.
Por um lado, a recompensa é relevante, dizem-me; mas, por outro, elas garantem que o salário que recebem em Cuba lhes é plenamente satisfatório.
“O salário básico de um médico, em Cuba, é de 573 pesos cubanos (aproximadamente R$ 53). Depois, se você tem mestrado, categoria docente etc., vai subindo”, explica Bel.
“Quando o convertemos em dólares (US$ 24), talvez seja muito pouco – ou pensem vocês que é muito pouco. Mas, para nós, supre todas as nossas necessidades, especialmente se considerarmos como são os preços em Cuba.”
Para tratar a água, Melgaço depende do governo federal

Melgaço já teve aprovados pelo Ministério da Saúde outros dois pleitos relevantes: a construção de mais três UBSs, no valor de R$ 408 mil cada, e a concessão da verba para construção de uma Unidade Básica Fluvial, com custo de R$ 1,6 milhão.
É a respeito das estratégias de captação de novos recursos, capazes de manter funcionando os equipamentos de saúde vindouros, que converso com o prefeito Adiel Moura.
“Nós temos uma horta da prefeitura, que está à disposição de algumas famílias, e temos outros agricultores fazendo abacaxi, maracujá”, conta. “Também tem um pessoal que tá criando peixe. É a prefeitura que entra com toda a infraestrutura, dá os insumos etc.”
Aldrin e os tambaquis: fartura

Para quem visita a horta, as plantações e os tanques de peixe, fica claro se tratar de um trabalho incipiente. Com seus 30 mil tambaquis espalhados por sete tanques, os ganhos do piscicultor da cidade, Aldrin de Souza, oscila, segundo ele, entre R$ 10 mil e R$ 20 mil anuais.
Melgaço tem uma renda per capita de R$135, o que corresponde a apenas 17% da média nacional, de R$ 793,87. Ainda que, individualmente, a renda de Aldrin esteja muito acima da média de seus conterrâneos, ela é evidentemente incapaz de aumentar significativamente a arrecadação do município.
A gestão atual da prefeitura, apesar de já estar em seu segundo mandato, quando questionada sobre alguns dos maiores problemas da cidade tem pouco mais a mostrar do que meros projetos.
Não há, em Melgaço, qualquer tipo de tratamento da água utilizada. Sobre isso, diz o prefeito Adiel, há um projeto, com verba federal, cujas obras têm o início previsto para novembro.
Banheiros com fossas sépticas são, por ali, raridade. Nos seus quase cinco anos de gestão, a prefeitura construiu pouco mais de trinta, numa média de apenas seis banheiros por ano. Detalhe: sequer as fossas foram feitas.
“É muito pouco”, confessa Adiel, que diz pretender chegar à marca de 66 banheiros construídos, com as fossas devidamente instaladas.
Sobre o asfaltamento das ruas de terra, atualmente uma das maiores responsáveis pela poeira causadora de problemas respiratórios, o prefeito afirma que o governo paraense “está sinalizando” com a construção de 3 km de vias asfaltadas. “Mas isso demora a acontecer, né? E é pouco, é pouco.”
Enquanto tais projetos não se concretizam, o programa social mais relevante para Melgaço, sem sombra de dúvidas, é o Bolsa Família.
Segundo a secretária de assistência-social, Socorro Reis, mais de 21 mil dos 25 mil habitantes da cidade já recebem o benefício. “Com o Bolsa Família, o dinheiro começou a circular no município”, diz. “O impacto? O impacto… Deus te livre! É visível. Os comércios cresceram, foi abrindo de tudo: loja de roupa, loja de tudo o que você possa imaginar.”
Apesar da morosidade da administração municipal, nos últimos três anos aconteceram alguns avanços relevantes.
Em 2010 – quando foram colhidos os dados que deram a Melgaço a última colocação no ranking de IDHM brasileiro –, a mortalidade infantil era de 22,4 a cada mil crianças nascidas, 34% maior do que no resto do país. Em 2011, foi reduzida para 18,63 e, em 2012, para 15,52 – 7% a menos do que a média nacional.
Assim como em Curralinho, onde não encontramos qualquer empresa instalada, a prefeitura de Melgaço é também a única empregadora da cidade.
“A gente briga há muito tempo para aumentar o valor dos repasses do governo federal”, diz Ângela, a secretária de saúde. “Mas não adianta vivermos só de repasses. O município tem de ter uma estratégia de arrecadação própria.”
Além das cubanas Mari e Bel, Melgaço terá quatro unidades de saúde a mais – incluindo a unidade fluvial – e tem, ainda, a perspectiva de receber outros três médicos.
Se hoje é só com muito esforço que a prefeitura consegue suprir a demanda existente por materiais essenciais e medicamentos, a ampliação da rede exigirá, obrigatoriamente, o aumento da receita. Sob o risco de ver desperdiçados os investimentos e o baixíssimo índice de desenvolvimento humano, perpetuado.
Mari brinca com um futuro paciente. Foco no trabalho preventivo faz sentido: água consumida em Melgaço não tem tratamento

* O repórter Dario de Negreiros viajou financiado pelos leitores do Viomundo, aos quais agradecemos por nos proporcionar esta série de reportagens.