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quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Transposições entre bacias no Brasil, artigo de Paulo Afonso Mata Machado

Transposições entre bacias no Brasil, artigo de Paulo Afonso Mata Machado

Publicado em agosto 8, 2013 por 
[EcoDebate] Transposição entre bacias hidrográficas é a retirada de água de uma bacia hidrográfica para ser usada em outra. As transposições vêm sendo usadas desde a Antiguidade e, na atualidade, são cada vez mais frequentes. Têm sido frequentes, também, as disputas entre os habitantes das bacias doadoras e das bacias receptoras, à medida que a água doce passou a ficar mais escassa.
No Brasil, pela primeira vez uma transposição de águas tem causado tanta polêmica entre os habitantes dos estados receptores (Pernambuco, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte) e os habitantes dos estados por onde passa o Rio São Francisco (Minas Gerais e Bahia) e dos estados em que ele serve como marco fronteiriço (Pernambuco, Alagoas e Sergipe). Como o Brasil dispõe de 12% de toda a água doce superficial do planeta, as transposições entre bacias hidrográficas já realizadas – e são diversas – não foram objeto de disputa.
São Paulo, que se situa na bacia do Rio Tietê, tem o Sistema Cantareira, pelo qual importa uma vazão de 31 m3/s do rio Piracicaba, superior, portanto, à vazão firme de 26,4 m3/s do Projeto São Francisco.
Rio de Janeiro, importa água do Rio Paraíba do Sul para fortalecer o sistema de captação de água do rio Guandu e complementar a vazão necessária ao abastecimento dos cariocas.
Fortaleza dispõe de quatro pequenas bacias hidrográficas: a bacia do rio Cocó; a bacia do Ceará/Maranguapinho; a bacia da Vertente Marítima e a bacia do rio Pacoti. No entanto, o município importa água do Castanhão, que é um reservatório de acumulação do Rio Jaguaribe. Salvador possui sete bacias, sendo a maior a do rio Camurujipe. A capital da Bahia é autossuficiente em abastecimento de água, contudo, o sertão baiano sofreu bastante com a seca deste ano. Por isso, o Projeto São Francisco terá o Eixo Sul, uma trasposição de águas para abastecer o sertão da Bahia.

Em Belo Horizonte, a única capital brasileira na bacia do Rio São Francisco, a transposição é feita entre sub-bacias, visto que a metrópole se situa na sub-bacia do rio das Velhas e recebe complemento de água da sub-bacia do Rio Paraopeba. Ambos – o Velhas e o Paraopeba – são afluentes do São Francisco.
Quando o Ministério Público de Sergipe entrou na Justiça pedindo a interrupção das obras do Projeto São Francisco e recebeu o apoio de ministérios públicos de outros estados, muitos procuradores e promotores não sabiam que Aracaju não se situa na bacia do rio São Francisco e que 60% do volume de água consumido pela capital sergipana é garantido por uma transposição de águas do Velho Chico. À época, escrevi um artigo no Jornal dos Lagos de Alfenas-MG, comparando tal atitude com a de alguém que cospe no prato em que comeu. Fiz um comentário a artigo de jurista Ives Gandra comparando os sergipanos que assim procediam com o macaco da fábula, que se senta no próprio rabo para criticar o rabo dos outros bichos (http://revistalusofonia.wordpress.com/2010/03/01/transposicao-do-rio-sao-francisco/).
As transposições vêm ocorrendo não somente para abastecer grandes cidades. No mês de julho deste 2013, foi inaugurada uma transposição de águas do rio São Francisco para a bacia do rio Coruripe, beneficiando 42 municípios do sertão e do agreste do estado de Alagoas, obra esta que recebeu o nome de Canal do Sertão.
As transposições não são novas no Brasil. Há, até mesmo, um caso atípico. Entre o final da década de 1950 e o início dos anos 1960, estava sendo construída a represa de Furnas sobre o rio Grande, afluente do rio Paraná. Quando as comportas da usina hidrelétrica fossem fechadas, o nível da água da represa ultrapassaria o topo do divisor de águas com a bacia do rio São Francisco, conectando as duas bacias hidrográficas e jamais enchendo o reservatório de Furnas. Para solucionar esses problemas, foi projetada a construção de um dique para conter as águas de Furnas, dique esse que passaria a funcionar como divisor de águas entre as duas bacias.
Ocorre que as cabeceiras do rio Piumhi ficariam a montante desse dique. Impedidas de continuar seu trajeto em direção ao Rio Grande, as águas do Rio Piumhi formariam uma represa, alagando uma enorme área, inundando a cidade de Capitólio-MG. Para solucionar esse novo problema, foi construído um canal com aproximadamente 18 km de extensão até alcançar o córrego Água Limpa, que desemboca no ribeirão Sujo, afluente da margem direita do rio São Francisco. Dessa forma, o rio Piumhi, com todos os seus 22 afluentes perenes, passou a pertencer à bacia do rio São Francisco.
Portanto, ao contrário do que muitos pensam, a transposição de águas do rio São Francisco para o Nordeste Setentrional não será a primeira e nem a maior transposição entre bacias hidrográficas no Brasil.
* Paulo Afonso da Mata Machado – Analista do Banco Central do Brasil – Engenheiro Civil e Sanitarista pela UFMG – Mestre em Engenharia do Meio Ambiente pela Rice University.
EcoDebate, 08/08/2013

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