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quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Gigantes da telecomunicação estão envolvidas em espionagem

Gigantes da telecomunicação estão 

envolvidas em espionagem


Novos documentos vazados revelados por Edward Snowden mostram que duas gigantes multinacionais britânicas da telecomunicação, uma estadunidense e quatro operadores de menor envergadura, são os “sócios da interceptação” da espionagem eletrônica britânica, o GCHQ, ao qual entregam o acesso às chamadas telefônicas, aos e-mails e redes sociais como o Facebook de seus clientes. Por Marcelo Justo, de Londres


Londres - Os véus que cobrem a espionagem britânica continuam caindo. Nos novos documentos vazados por essa inesgotável caixa de surpresas que é o ex-espião estadunidense Edward Snowden, mostram que duas gigantes multinacionais britânicas da telecomunicação, uma estadunidense e quatro operadores de menor envergadura, são os “sócios da interceptação” da espionagem eletrônica britânica, o Government Communication Headquarters (GCHQ), ao qual entregam o acesso às chamadas telefônicas, aos e-mails e redes sociais como o Facebook de seus clientes.

A intimidade deste vínculo é tal que as multinacionais tem virtuais nomes de guerra em seus contatos com o GCHQ, justificados em outro dos documentos porque o vazamento de seus nomes provocaria “uma tormenta política”. Neste mundo de miragens, as britânicas British Telecom e Vodafone Cable são “Remedy” e “Gerontic” respectivamente, a estadunidense Verizon Business é “Dracon”, Global Crossing “Pinnage”, Level 3 “Little”, Viatel “Vitreous” e Interoute “Streetcar”.

Estes virtuais nomes de guerra, marca privilegiada da clandestinidade, foram divulgados pelo jornal alemão “Suddeusche Zeitung” e reproduzidos pelo “The Guardian” que, em junho, noticiou pela primeira vez sobre o programa “Tempora” do GCHQ. O programa permite ao organismo de coleta de dados britânico penetrar os cabos de fibra ótica e armazenar informação por até 30 dias com acesso virtualmente ilimitado a e-mails, chamadas e publicações no Facebook.

No ano passado, o GCHQ teve acessou a cerca de 600 milhões de “eventos telefônicos”, interferiu em mais de 200 cabos de fibra ótica que transmitem informação equivalente a uns 10 gigabits por segundo, cerca de 192 vezes a informação contida em todos os livros da Biblioteca Britânica. A análise desta gigantesca informação é coordenada por um supercomputador que tem 54 mil GB de memória, mas a colaboração das sete empresas, que dominam a grande maioria dos cabos de fibra ótica submarinos, coluna vertebral do tráfego da internet, é essencial.

A identidade das empresas, revelada em uma apresentação interna de Power Point em 2009, era considerada mais secreta que a própria existência do programa Tempora. Este estava classificado como “top secret”, enquanto que o nome das empresas de cabo fazia parte da “informação excepcionalmente controlada” (“exceptionally controlled information” no peculiar jargão sintagmático da inteligência). Em outra mostra de sua importância, o GCHQ designou às empresas equipes especiais de ligação chamadas de “sensitive relationships teams” (equipes para relações delicadas).

Se o governo temia as “fortes consequências políticas” de uma revelação destes nomes, o temor das empresas se centra na reação de seus clientes ao saberem que o acesso a seus documentos privados e e-mails foi concedido sem sua autorização a uma agência de espionagem. Em uma cuidadosa estratégia midiática, as empresas disseram ao “Guardian” que sempre cumpriram a lei. “A informação midiática que há sobre esse tema não leva em conta os termos básicos da legislação europeia, alemã e britânica e as obrigações legais decorrentes de operar uma concessão na área de telecomunicação. Vodafone sempre cumpre com as leis dos países em que opera. Não revelamos a informação de nossos clientes a menos que a lei nos obrigue a fazê-lo”, disse ao “Guardian” um porta-voz da empresa. A Verizon e a Interroute se manifestaram na mesma linha, enquanto a BT respondeu com o clássico “no comment”.

A lei britânica de telecomunicações de 1984, aprovada pelo segundo governo de Margaret Thatcher, obriga as empresas a colaborar com os pedidos de informação realizados pelo governo, mas a “Privacy International”, uma OBG que defende o direito à privacidade, assinala que as empresas poderiam ter objetado uma operação da escala e alcance da Tempora. “Precisamos com urgência esclarecer a extensão e os limites da relação entre as empresas e o governo”, assinalou ao “Guardian” Eric King, chefe de investigação da “Privacy”.

Uma fonte próxima aos serviços de inteligência disse ao jornal que o GCHQ não olha a maioria das mensagens. “Se você acredita que estamos lendo milhões de e-mails a resposta é não. Não há nenhuma intenção de olhar o tráfico doméstico britânico”. Os analistas aplicam quatro critérios para distinguir entre mensagens possivelmente relevantes e as que não o são: segurança, terror, crime organizado e bem-estar econômico. “A maioria da informação é descartada sem que alguém se incomode em lê-la. Não poderiam fazê-lo nem com a melhor vontade do mundo. A verdade é que não tem recursos para uma passa informática desse tamanho”, disse a fonte.

O argumento tem sua lógica. É impossível que 300 analistas do GCHQ e os 250 de seu homólogo estadunidense, a NSA bastem para lidar com o incomensurável tráfego diário que circula pela internet. De fato, toda a informação é processada com Xkeyscore, um sistema secreto usado originalmente pela NSA norte-americana para interceptar as comunicações de estrangeiros no mundo, que permite aos analistas examinar a informação obtida com o programa Tempora.

É de se supor que as redes de terrorismo e crime organizado mais sofisticadas utilizem um complexo uso de códigos para evitar esses radares das agências de segurança. Em outras palavras, existe, em princípio, a possibilidade de que todo esse gigantesco operativo de inteligência signifique “muito ruído e poucos resultados”, uma imensa operação para ter acesso a toda a informação que deixa passar a mais importante, mas também, ao mesmo tempo, é certo que todo este episódio acabou para sempre com a “era da inocência na internet”, como escreveu Eduardo Febbro, em recente artigo para a Carta Maior.

Tradução: Marco Aurélio Weissheimer


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