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quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Cuba: Reformas tropeçam no sistema cambial

Cuba: Reformas tropeçam no sistema cambial


Enquanto permanecerem distorções entre as duas moedas, os ganhos de produtividade serão ilusórios. Uma reforma se aproxima
por Economist Intelligence Unit — publicado 07/08/2013

O programa de reforma econômica do governo cubano está atingindo um ponto crítico, pois as restrições impostas pelo sistema de moeda dupla bloqueiam seu avanço. Enquanto permanecerem as distorções cambiais, os ganhos de produtividade serão ilusórios. Recentes declarações oficiais mostram um crescente reconhecimento desse obstáculo, sugerindo que a reforma cambial se aproxima.
Atualmente, há duas moedas em circulação: o peso cubano (CUP) e o peso conversível (CUC). O CUC é totalmente apoiado por moeda forte e sua cotação a par com o dólar americano está de modo geral alinhada com uma taxa de mercado. O problema está na avaliação do CUP. Duas taxas de câmbio coexistem entre o CUP e o CUC: a taxa oficial, que é usada pelas entidades do Estado, é CUP1:CUC1; e a taxa cadeca (Casas de Câmbio), disponível para pessoas físicas para transações e para as novas pequenas empresas não estatais, é CUP24:CUC1.
Mecanismo de moeda dupla atrapalha produtividade em setores estatais e não estatais.
Ao câmbio oficial, o CUP é supervalorizado em relação a seu poder de compra médio; à taxa cadeca, é subvalorizado. O resultado é não apenas um alto grau de desigualdade de renda real (contradizendo os ideais socialistas do governo, além de empobrecer os funcionários públicos em relação aos que trabalham fora do setor estatal), mas também baixa competitividade, baixa produtividade e um mercado negro florescente.
As persistentes distorções cambiais contribuíram para o impacto decepcionante do programa de reestruturação econômica até agora. Embora não o visse como uma transição para o capitalismo, o governo aceitou uma necessidade de usar os mecanismos de mercado para melhorar a eficiência e o dinamismo. No entanto, o sistema de moeda dupla significa que os mercados interno e internacional continuam separados, impedindo que o mecanismo de preços forneça os sinais para ajustar a oferta e a demanda de acordo com as relativas carências.
A barreira à racionalização econômica funciona tanto em setores estatais quanto não estatais, de maneiras diferentes. Entre as empresas estatais (fora exceções específicas em um leque estreito de atividades de exportação), até os mais eficientes são incapazes de competir no plano internacional ao câmbio oficial supervalorizado, porque seus custos de produção domésticos são exagerados em relação aos preços internacionais. Em consequência, eles ainda precisam solicitar alocação administrativa de moeda forte para pagar por seus insumos e investimentos. Enquanto isso, no novo setor privado, os operadores que servem aos mercados de CUC usam o índice cadeca subvalorizado para medir o custo dos insumos nominais em CUP, permitindo que eles deem resultados positivos apesar dos níveis de produção extremamente baixos. Com efeito, o sistema monetário duplo amplia sua capacidade de lucrar com subsídios estatais no mercado interno. Além disso, a separação dos mercados, em que os bens são vendidos por preços extremamente diferentes em canais diferentes nas duas moedas, significa que os empresários que encontram novas maneiras de negociar no mercado negro conseguem retornos maiores do que os envolvidos em inovação produtiva. O sistema de câmbio duplo, portanto, serve para obstruir a expansão da atividade eficiente no setor estatal, enquanto promove o crescimento da atividade de baixa produtividade no setor não estatal.
Um ponto de virada?
A eliminação do sistema de moeda dupla foi incluída como um dos objetivos das 313 diretrizes ("lineamentos") aprovados para as reformas econômicas de Cuba em abril de 2011. No entanto, o texto era vago. Não foram dados cronogramas ou detalhes sobre o método de ajuste. As declarações oficiais desde então também deram a impressão de que a reforma era apenas uma aspiração distante. Entretanto, uma mudança sutil ocorreu nas últimas semanas, primeiro na Assembleia Nacional em junho e depois em declarações oficiais. Apesar da constante ênfase na complexidade da questão, há uma nova ênfase sobre a necessidade de reforma.
Essa mudança se seguiu a um aumento gradual no uso da taxa cadeca, e um afastamento do uso da taxa de câmbio oficial 1:1 nos últimos dois anos. No crescente setor não estatal, a maior parte dos custos, assim como os impostos, das novas empresas são nominais em CUP. A lei fiscal estipula que a receita obtida em CUCs seja convertida à taxa de câmbio cadeca, que anteriormente se limitava aos comerciantes que operam na economia informal. No setor estatal, foram iniciados em 2013 programas pilotos nos quais as transações entre algumas empresas estatais que operam em CUCs (empresas de exportação e turismo) e seus fornecedores usam taxas de câmbio mais próximas da taxa de paridade de poder de compra estimada (que estaria entre CUP7:CUC1 e CUP11:CUC1).
Essas mudanças tornaram um sistema confuso ainda mais complexo – e também mais claramente insustentável. Durante as reuniões da Assembleia Nacional em junho, a discussão seguiu para outra etapa. Em seu discurso de encerramento, o presidente Raúl Castro começou sua revisão do progresso do ajuste econômico referindo-se ao problema cambial como "um dos mais importantes obstáculos ao progresso da nação". Ele salientou as implicações do ajuste, não apenas para as rendas relativas, mas também para alcançar a racionalização dos preços, tarifas, subsídios e impostos. Sua alegação de que há estudos em progresso foram repetidas por Marino Murillo, vice-presidente do Conselho de Ministros e a pessoa responsável pela implementação da reestruturação econômica. Em meio à continuada insistência de que não haveria "terapia de choque" e que os riscos precisam ser minimizados, Murillo também salientou a centralidade da questão monetária e sugeriu que uma comissão encarregada de investigar o assunto começou a formular uma estratégia mais clara de ajustes.
O quebra-cabeça do ajuste: recompensas e riscos
É claro que uma taxa de câmbio unificada, em um nível que reflita as carências relativas, eventualmente melhoraria a produtividade e a competitividade. Essa taxa está em algum ponto entre a atual taxa cadeca de CUP24:CUC1 e a taxa oficial de CUP1:CUC1. No entanto, determinar a taxa de mercado é complicado devido à predominância de preços administrados e restrições sobre o âmbito dos mercados. Apesar de a unificação cambial ser uma condição necessária para remover as distorções de preços na economia cubana, não será suficiente por si só. Teria de ser acoplada a um processo de reforma de preços, de salários e do sistema de administração econômica.
A relutância do governo em efetuar a mudança deriva do medo da ruptura que o ajuste causaria em curto prazo. As características únicas do sistema cambial de Cuba significam que não há precedente para o processo de unificação monetária que está sendo concebido, por isso a reforma será um salto no desconhecido. Esquemas piloto de comércio individual entre empresas não podem reproduzir o impacto de uma mudança cambial, que é determinada pelo impacto sobre valores relativos de todos os bens e serviços ao longo da rede de abastecimento.
O maior risco em curto prazo é o impacto que essa medida teria sobre as rendas relativas e a estabilidade de preços. Haveria um benefício direto e imediato para muitas famílias mais pobres que vivem com rendas em CUP, e os ganhadores de CUP mais altos no setor estatal teriam restaurados seus incentivos – de produtividade, capacidade profissional ou senioridade. As famílias que se tornaram dependentes de rendas nominais em CUC sairiam perdendo. Para as famílias de baixa renda entre elas, o declínio na renda real decorrente do ajuste, e a consequente instabilidade de preços, poderia ser devastadora. Essas famílias incluem não apenas receptores de remessas magras, como também os que ganham menos no setor não estatal, cujas pequenas rendas em CUC até agora foram suficientes para comprar produtos básicos apenas em consequência da desvalorização do CUP.
A questão do momento
Os fazedores de políticas de Cuba parecem estar cada vez mais conscientes de que se aproximam dos limites da reforma descentralizadora que podem ser alcançados dentro do sistema de câmbio duplo. A maior racionalização do setor estatal e o crescimento do setor não estatal exigem um sistema de preços que reflita as carências relativas; sem isso, a reestruturação econômica será obstruída por mercados disfuncionais reagindo a sinais confusos. O risco da inação é a perda da confiança pública e a necessidade de ajuste é urgente, mas a ação é adiada pelo medo da instabilidade e do desconhecido.
Se Cuba pudesse usar vastas reservas cambiais, se o apoio internacional do FMI estivesse disponível, ou se a economia mundial apresentasse condições mais robustas, haveria menos riscos e o processo poderia já ter começado. Embora essas condições estejam ausentes, o próximo ano poderá ser um bom momento para empreender o ajuste cambial. A realização do equilíbrio da conta corrente desde 2010 sugere que a posição cambial de Cuba (um segredo oficial) vem melhorando. As relações com os Estados Unidos estão em uma fase relativamente positiva, enquanto laços fortes foram cultivados com um amplo leque de aliados. Enquanto isso, a economia global se reforça aos poucos. Se a aversão ao risco do governo cubano evitar o ajuste monetário no próximo ano, ele terá perdido a oportunidade de colocar a economia em uma base mais forte.
Nossa previsão continua baseada na suposição de que o ajuste cambial começará com reformas parciais, com o uso crescente de taxas intermediárias em atividades diferentes, antes da plena unificação em 2015. As últimas declarações oficiais aumentam a probabilidade de que uma grande mudança ocorra antes disso, mas nossa previsão continuará inalterada até que haja sinais mais claros de mudança.

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