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quinta-feira, 18 de julho de 2013

Memórias de um Canadá negro

A história de como a força policial da cidade de Victória deixou de ser composta apenas por negros, para ser majoritariamente branca 
por Luciane Mediato — publicado 18/07/2013

Jonathan Sheldan
Coube ao policial Jonathan Sheldan resgatar a inusitada história 
da primeira força policial de Victoria, composta apenas por negros
 
De Victória, no Canadá
Em uma tarde ensolarada, embora de gélidos 4º C, o policial Jonathan Sheldan não escondia o orgulho da medalha recebida alguns meses antes de seu departamento. Alto, de cabelos negros, o canadense abre um largo e simpático sorriso ao contar que foi premiado pelo esforço em resgatar a inusitada história da primeira força policial de Victoria, capital da Colúmbia Britânica, cidade ao sul de Vancouver. Em um país onde basta caminhar pelas ruas para entender, sem a ajuda de um Censo, que a maioria da população é branca, esta cidade tem um dado curioso: todos os seus primeiros policiais eram negros.
Essa história começa em 1858, quando grande parte dos negros na América do Norte eram escravos e o Norte dos Estados Unidos começava a se movimentar para eliminar essa forma de trabalho de seu território. Naquela época, a população da cidade aumentava e precisava de proteção. Surgiu, então, a equipe de patrulhamento Voltigeurs Victoria. “Uma das primeiras medidas do governador James Douglas foi criar uma força policial composta apenas por negros", diz Crawford Kilian, historiador e autor de diversos livros sobre a história dos negros em Vancouver.
A escolha do governador, explica Kilian, vinha de sua origem. Filho de uma mãe negra, o mestiço Douglas tentava esconder suas características étnicas para fugir do preconceito da sociedade canadense. “Ele se identificou com o racismo enfrentado pelos negros libertos nos EUA e, por isso, abriu as portas para a imigração.”
Douglas, então, convocou diversos homens de São Francisco e Caribe. A história mostra que eles chegaram de navio em Victoria em abril de 1858. Antes, tiveram dois anos de treinamento e montaram uma força de 15 agentes, compatível com o tamanho da população à época. “Suas armas se resumiam a cassetetes e, nos primeiros dias, tiveram que lidar principalmente com casos de embriaguez, desordem, agressões e vadiagem”, relata Sheldan. Embora a maioria dos crimes fosse de pouca periculosidade, os novos soldados não tinham um trabalho tranquilo. "Muitos brancos não aceitavam ser presos e obedecer ordem de negros."

 

Mais de 150 anos se passaram. E o que era comum virou raridade. Atualmente, o Departamento de Policia de Victória, um dos maiores do país, é composto por cerca de três mil policiais, mas a quantidade de negros é 25 vezes menor que a de brancos e de outras etnias. São menos de 120 agentes "afroamericanos".
Um reflexo da demografia de um país onde a grande maioria dos 34 milhões de habitantes é branca e 66% de origem europeia, principalmente inglesa e francesa. Outros 26% são “mestiços”, enquanto as estatísticas da população negra se juntam às de asiáticos e árabes, que somados representam 6% dos canadenses.
No Canadá de bucólicos lagos congelados e florestas de pinheiros, esse dado não seria uma surpresa. Em Victoria, entretanto, o passado tem raízes diferentes. No século 19, também imigraram para a cidade cerca de 800 escravos libertos dos EUA. O número era o equivalente ao dobro da população de brancos da cidade, pois a Colúmbia Britânica passou por um período de escravidão.
Antes maioria dos victorianos, agora os negros são minoria absoluta. Dos atuais 78 mil habitantes da cidade, apenas cerca de 2% se declararam desta forma, ou 1.560 pessoas, conforme dados do último censo demográfico da região. A população de asiáticos, por exemplo, é cerca de três vezes maior (7%). Basta uma rápida caminhada por Victoria para perceber uma imensidão de cabelos loiros e olhos azuis, seja em carros de luxo ou em moradores de ruas que se aquecem em sacos plásticos para suportar o frio.

 

Um clima gelado na maior parte do ano que, para alguns especialistas, pode ter contribuído para a fuga dos primeiros negros para regiões mais quentes. “A descoberta do ouro no oeste dos EUA também fez com que muitos decidissem voltar a terras estadunidenses”, explica Mavis DeGiolamo, presidente da The British Columbia Black History Awareness Society e neta de um dos primeiros negros a imigrar para Victoria.
Vaidosa, ela não revela a idade, mas deixa claro o orgulho da pele escura. "Gosto quando caminho pelas ruas, andando em meio a cabelos lisos e loiros. Sou diferente e ser diferente é bonito."
Mas essa sensação pode não ter sido a mesma de seus descendentes. O forte preconceito da então minoria branca é comumente apontado como um fator latente para a debandada dos negros. O racismo, diz Killian, com tom de pesar, sempre foi universal. "Por ‘alguma razão’ alguém criou a lenda de que havia etnias superiores e inferiores, e os negros foram os apontados como inferiores."
Algo que Jéssica Pierre, estudante de sociologia da Universidade de Victoria, ainda sente nos dias atuais. Aos 18 anos, a jovem de cabelos trançados e olhar intenso aprendeu a identificar os outsiders não pelo sotaque, mas pelas variações dos tons de pele. "Você não é branca, mas também não é negra?", me pergunta. E emenda: “É difícil ver alguém que seja uma mistura de cores como você."
Uma concepção longe de ser preconceituosa em uma sociedade que, apesar de receptiva, convive com guetos étnicos onde asiáticos, negros, latinos e árabes se relacionam apenas com pessoas de mesma origem. "Todos pensam que o Canadá é um lugar diverso. Vejo o preconceito nas ruas ou quando demoram a me atender em uma loja. Ninguém me diz que sou tratada diferente pela minha cor, mas no fundo o seu valor está na pele.”

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