‘Lições latino-americanas’ para o plebiscito
da reforma política
Atualizado em 10 de julho, 2013
Segredo de plebiscitos é o tempo e qualidade da informação, segundo especialistas
A resposta da presidente Dilma
Rousseff aos pedidos das ruas para melhorar a relação entre
representantes e representados políticos ─ a proposta de uma consulta
popular para reformar a arquitetura institucional das eleições ─ coloca o
Brasil em uma jornada de democracia direta já observada em outros
países da América Latina.
Na terça-feira, líderes partidários da Câmara
descartaram a realização de um plebiscito nos moldes sugeridos por Dilma
neste ano, a tempo de que as mudanças possam valer para as eleições de
2014, substituindo a proposta por outra que prevê a criação de um grupo
de trabalho para debater o tema.
A decisão abre a possibilidade de
que a consulta seja realizada posteriormente na forma de referendo, mas
três partidos da base do governo (PT, PC do B e PDT) mantêm a aposta no
plebiscito e anunciaram que buscarão 171 assinaturas de parlamentares
que são necessárias para propor um projeto de decreto legislativo
propondo a consulta.
O ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho,
ressaltou que o governo não desistiu da consulta popular, mas admitiu
que que as autoridades terão agora que refletir sobre alternativas para
implementar a proposta.
Qualquer que seja o resultado, avaliam
analistas, caberá sempre a reflexão do presidente uruguaio José Batlle y
Ordóñez, que governou, no início do século 20, um dos países
latino-americanos mais afeitos a esse modelo. "O povo pode se equivocar;
mas é o único que tem direito a fazê-lo", disse o ex-mandatário.
Cientistas políticos ouvidos pela BBC Brasil
advertem sobre o arriscado exercício de se comparar a experiência de
plebiscitos e referendos em países, contextos políticos e momentos
históricos diferentes, mas apontam também os pontos comuns aos
experimentos.
"Grande parte do segredo das consultas populares
desta natureza", diz o professor da Universidade Católica do Chile,
David Altman, especialista em democracia direta e reformas
institucionais, "está no tempo (dedicado às discussões) e na qualidade
da informação que se dá aos cidadãos sobre os possíveis efeitos da
mudança".
"É importante haver debates amplos, públicos, na
TV aberta, na imprensa, onde os cidadãos façam um exercício
pedagógico", disse o especialista à BBC Brasil. "A satisfação das
pessoas com a sua democracia aumenta à medida que elas se sentem mais
capazes de influenciar o funcionamento dela, independente se foram ou
não votar."
História perto de casa
Reformas políticas ou eleitorais instituídas por
plebiscitos ou referendos ─ consultas populares ─ não são novidade na
América Latina, segundo Altman.
Exemplos de plebiscitos existiram na Colômbia de
Álvaro Uribe, no Paraguai de Fernando Lugo e os mandatos de presidentes
mais "plebiscitários", como o venezuelano Hugo Chávez e uma longa lista
de equatorianos ficaram marcados por referendos para aprovar
importantes mudanças constitucionais, inclusive eleitorais.
Nos plebiscitos, a consulta é feita antes da
formulação da lei; no referendo, o eleitor diz se aceita ou não
determinada legislação proposta pelos Poderes.
Altman recorda os chamados "plebiscitos-trens"
propostos por governos equatorianos que criavam listas de dez ou quinze
perguntas que decidiam sobre temas tão diversos quanto corridas de
touros e impostos sobre as frutas.
Mas talvez um dos exemplos mais parecidos com o
brasileiro tenha sido o sinal verde que os uruguaios deram em 1996 para
uma série de mudanças eleitorais, como a substituição de um sistema de
duplo voto simultâneo por um sistema de eleições primárias, obrigatórias
e vinculantes para todos os partidos e a instituição do segundo turno
presidencial.
A discussão foi entusiasmada e a reforma foi
aprovada por margens estreitas, apesar das tecnicalidades do tema. "Os
uruguaios estavam preparados para tomar esta decisão?", reflete o
especialista. "Creio que sim. Em última instância, as pessoas sabem o
que querem de seus partidos políticos e de suas instituições políticas."
Riscos
Mas as consultas populares também trazem riscos
embutidos, de acordo com os especialistas, e ironicamente nem sempre a
democracia direta implica um verdadeiro aprofundamento da democracia.
"Muita gente gosta do termo democracia direta
por causa da ideia de controle popular que ela implica. Mas muitas vezes
ela não tem o efeito de aprofundamento democrático que se deseja",
avalia Scott Mainwaring, ex-diretor do Instituto Kellog de Estudos
Internacionais da Universidade Notre Dame, nos EUA, um dos mais
prestigiosos centros de estudos de sociologia latino-americana.
Mainwaring, também um especialista em sistemas e
partidos políticos com conhecimento particular das situações no Brasil e
na Venezuela, conta que morou na Califórnia, um Estado onde estas
iniciativas eram "muito populares".
Os 5 pontos da reforma sugeridos por Dilma
| Temas | Opções |
|
Sistema eleitoral |
Manutenção do voto proporcional ou adoção do sistema distrital e suas variações |
|
Financiamento de campanhas |
Pode ser público, privado ou misto, como atualmente |
|
Cargo de suplente para o Senado |
Manter ou não |
| Coligações partidárias para deputados e vereadores | Permitir ou não |
| Voto secreto nas votações do Congresso | Manter ou extinguir |
"O problema é que você tinha milionários e
grandes corporações com poder econômico suficiente para arcar com todos
os custos de registrar os eleitores, e depois lançar grandes campanhas
por determinada posição", disse o pesquisador à BBC Brasil. "É muito
fácil distorcer e minar as democracias diretas."
O sucesso, do ponto de vista do avanço
democrático, também está ligado às motivações do plebiscito, indica
David Altman. Em muitos casos latino-americanos, a consulta popular se
originou de uma vontade do Poder Executivo de forçar mudanças
constitucionais goela abaixo do Congresso.
"Quando um presidente usa uma ferramenta
plebiscitária para passar por cima de um Poder Legislativo considerado
'inimigo', isso é ruim. Já se o presidente estiver procurando uma forma
de desativar um conflito social apelando para o soberano, isso é menos
mal", pondera.
"Colocar a democracia direta como forma de
solucionar um conflito entre os Poderes não é saudável. Não se pode
consultar os cidadãos sobre toda e qualquer negociação complicada,
porque a função do povo não é essa."
'Habilidades negociadoras'
Estas reflexões indicam que a aposta política da
presidente Dilma Rousseff ─ realizar a consulta popular sobre a reforma
política, ainda que no ano que vem ─ pode ir ao fundo da insatisfação
popular com o sistema representativo brasileiro, ou pode se revelar
apenas uma "cortina de fumaça", nas palavras de Altman, um "blefe" para
apaziguar os ânimos.
A presidente precisará de muita "habilidade
negociadora" para fazer do Congresso um aliado na aprovação dos cinco
pontos que, na sua opinião, devem ser incluídos em uma reforma política.
As lições internacionais, afirma o professor,
podem "minimizar as incertezas". "Mas nunca, nas ciências sociais,
poderemos saber com certeza todas as implicações de uma reforma que
queria passar de A a B e acabou produzindo C, D e F."
Altman estima que, na América Latina, quando um
referendo ou plebiscito é usado por um governo, as chances de aprovação
da mudança mais desejada pelo Poder Executivo não são maiores que a
opção contrária. "É como jogar uma moeda para cima", compara.
"No caso de Dilma, se a questão for desativar o
conflito político, talvez faça pouca diferença para ela. É uma análise
maquiavélica."
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