Liberação dos transgênicos completa dez anos, mas polêmicas continuam
Rio e Cascavel (PR) — Se há dez anos o Brasil legalizava a soja
transgênica — sob pressão de fazendeiros gaúchos que plantaram a semente
da Monsanto sem autorização —, hoje o país briga com os Estados Unidos
pela liderança mundial da produção do grão, com 88% de sua safra
geneticamente modificada. No mesmo ritmo da produção, avançam as
polêmicas. Se, por um lado, começa a inédita concorrência entre
multinacionais e a Embrapa pelo mercado de sementes, cresce no país o
debate sobre os efeitos colaterais das novas tecnologias — como a menor
resistência a pragas e danos ao solo. Apesar da alta produtividade, os
que investiram na transgenia não têm garantido a maior lucratividade.
Diferentemente do que se imagina, são os produtores da soja convencional
que recebem mais pelo grão, graças à demanda de japoneses e europeus
pelo alimento não modificado. Com isso, o Brasil ostenta o título de
maior produtor de soja convencional do planeta.
Nesta década, o país viveu uma revolução tecnológica no campo, viu
sua produção de soja avançar no Cerrado do Centro-Oeste e crescer 56%. O
preço do grão, em dólar, disparou 140%. Foram oito safras recorde
consecutivas, com lucros para os produtores rurais. Mas o Brasil perdeu
espaço na exportação da soja processada, de maior valor agregado, seja
em farelo ou óleo, abandonando a oportunidade de enriquecer o produto e
gerar empregos.
— Havia um preconceito muito grande com os transgênicos, que é uma
ferramenta importante para o agronegócio. Mas temos que lembrar que não é
viável ter só um tipo, só o transgênico ou só o convencional — afirma
Glauber Silveira, presidente da Associação Brasileira dos Produtores de
Soja (Aprosoja Brasil).
Multinacional enfrenta ação judicial
Silveira defende a convivência de todas as formas de semente:
— Essa é a riqueza do país, temos diversos tipos de soja. Qual é a melhor? Depende da realidade de cada produtor.
Executivos do mercado destacam que a soja convencional está mais lucrativa para o agricultor.
Executivos do mercado destacam que a soja convencional está mais lucrativa para o agricultor.
— Há um grupo de consumidores que paga até R$ 6 a mais por saca do
grão, ou 10% do total, para ter soja convencional. São europeus e
asiáticos, em geral japoneses, que preferem a soja tradicional para
produzir tofu. E o Brasil está se dando bem, não adotamos 100% da
transgenia, como ocorreu nos Estados Unidos e na Argentina, e hoje somos
os maiores produtores mundiais de soja convencional — afirma Ricardo
Tatesuzi de Sousa, diretor da Associação Brasileira de Produtores de
Grãos Não Geneticamente Modificados (Abrange).
Lucratividade à parte, a exposição a pragas preocupa. O chefe da
Embrapa Soja, Alexandre Cattelan, defende um rodízio entre os tipos de
soja, para evitar a resistência de certos insetos nocivos — fenômeno
semelhante ao uso constante de antibióticos por humanos, que diminui a
defesa do corpo. Cattelan acredita que este rodízio poderá ser feito,
inclusive, com diferentes modalidades de transgênicos que devem entrar
no mercado nos próximos anos. Na última década, só havia a RR1,
modificação genética da Monsanto, que tornava a soja resistente ao
glifosato, herbicida que acabava com as ervas daninhas das lavouras.
Neste ano, será lançada a Intacta, também da Monsanto, que acrescenta à
soja a resistência a alguns insetos. E nos próximos anos estão previstas
sementes de Basf, Dow, Bayer e da parceria Embrapa/Basf, esta última
com custo menor. Além disso, há a expectativa sobre novas tecnologias da
Pioneer DuPont e da Syngenta:
— Isso vai alterar ainda mais o mercado, teremos concorrência e produtos que melhor se adequam a cada região — diz Cattelan.
— O mercado está vivendo um período de grandes transformações na área
de sementes — atesta Marcelo Bohnen, gerente de licenciamento da
Cooperativa Central de Pesquisa Agrícola (Coodetec).
Os dez anos de reinado isolado da Monsanto não foram simples. A
multinacional americana está sendo processada por produtores brasileiros
e paraguaios, que alegam ter pago os royalties das sementes dois anos
depois do fim do direito exclusivo da Monsanto. Alguns produtores
estimam que a empresa terá que devolver mais de R$ 1 bilhão apenas para
os produtores do Mato Grosso.
A nova semente da empresa também é considerada cara pelos produtores,
já que a Monsanto estuda cobrar R$ 115 por hectare plantado, valor
muito acima dos R$ 26 cobrados pela semente antiga.
— Não tememos a concorrência, acreditamos que os produtores vão saber
escolher o que é melhor para eles. E temos estudos que mostram que a
Intacta reduz o custo e eleva a produção em R$ 300 por hectare — afirma
Leonardo Bastos, diretor de Marketing da Monsanto, que não comenta a
ação judicial, por afirmar que o caso ainda será alvo de recursos no STJ
e no STF. Ele estima que o total de transgênicos passa de 90% da sofra
2013/14.
Especialistas, contudo, afirmam que a transgenia — que também está
presente em 60% da safra do milho, em 55% na produção de algodão e que
nos próximos meses chegará ao feijão — não foi o fato isolado no aumento
da safra da soja no Brasil:
—Tivemos uma revolução, também por outras tecnologias e pela alta do
preço, graças à demanda chinesa. Com isso, temos o recorde de oito anos
com lucro no setor, que muda toda a lógica de plantação e garante mais
investimentos em pesquisa — afirma André Pessoa, diretor da consultoria
Agroconsult.
E há espaço para novos ganhos de produção:
— Lançamos o desafio de ampliar a produtividade da soja de 47 sacas
(60kg) por hectare para 67 sacas. É um desafio, e isso pode, inclusive,
reduzir a necessidade de novas áreas para a plantação — diz Orlando
Carlos Martins, presidente do Comitê Estratégico Soja Brasil (Cesb),
lembrando que este novo patamar de produtividade pode ser atingido em
2020.
Exportação de processados cai
Mas há quem não comemore o boom da soja:
— Há dez anos, a exportação do grão representava 52,3% do total do
complexo soja, o restante era farelo e óleo (produtos processados). Hoje
o grão representa 67%. Temos uma estrutura tributária que gera
créditos, mas que as processadoras não conseguem compensar, o que onera
nossa produção em cerca de 15%. Deixamos empregos para a China — critica
Daniel Furlan Amaral, gerente de economia da Associação Brasileira da
Indústria de Óleos Vegetais (Abiove).
(*) Fonte: Globo.com
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