Argentina, Universidade para todos
Novas instituições asseguram expansão inédita de vagas, em país
onde não há vestibular. Dos estudantes, 80% estão em escolas públicas
Por Marcela Valente, na Agência IPS | Tradução: Antonio Martins - 24/07/2013
Das 47 universidades públicas e gratuitas existentes na Argentina,
nove foram criadas na última década, para melhorar a oferta de vagas em
zonas populosas e economicamente débeis. Além desta expansão, surgiram
estratégias de apoio aos alunos, embora a evasão ainda persista.
Um dos resultados da política de inclusão de amplos setores sociais é
que “80% dos novos estudantes são a primeira geração de universitários
em sua família”, afirma o secretário de Políticas Universitárias do
ministério da Educação, Martin Gill. É uma referência às novas
universidades localizadas em Avallaneda, José Paz, Merlo, Moreno e
Florencio Varela, alguns dos distritos mais povoados e com maior
quantidade de famílias operárias e pobres, na periferia contígua a
Buenos Aires.
Além destas, as outras quatro instituições fundadas nos últimos dez
anos (período dos presidentes Nestor Kirchner e Cristina Fernandez)
estão localizadas nas províncias do Chaco (nordeste), Rio Negro (sul),
San Luís (oeste) e Terra do Fogo (extremo sul), onde ainda não havia
universidade pública alguma. “A educação superior é um direito, e o
Estado precisa garanti-lo”, frisa Gill.
Ele acrescenta: a política de expansão é complementada com maior
oferta de bolsas de estudo. “Embora nossas universidades públicas sejam
gratuitas, durante muito tempo apenas chegavam a elas os que viviam mais
perto de seus campus e tinham melhores condições sócio-econômicas”. O
número de bolsas de apoio financeiro que o Estado estende para a
estudantes com poucos recursos financeiros aumentou de 2 mil para 47
mil, entre 2003 e 2013. Atualmente, a metade beneficia quem escolher uma
das duzentas carreiras científicas ou tecnológicas, prioritárias para o
programa de desenvolvimento do país.
Gill explica que as novas universidades da periferia da região
metropolitana de Buenos Aires “são unidades pequenas e flexíveis”, com
forte inserção territorial, mas mantêm alto nível de qualidade de
ensino. Aponta como exemplos o Centro de Biotecnologia da Universidade
Nacional de San Martin, “o maior da América Latina”; a carreira de
Engenharia do Petróleo da novíssima Universidade Nacional Arturo
Jauretch, em Florencio Varela; ou a unidade de Estudos Econômicos que
surgiu na Universidade Naiconal de Moreno.
Também destaca o trabalho de pesquisa da Universidade Nacional de
Quilmes, criada há mais tempo mas também incluída no plano de expensão
universitária. Em conjunto com outros centros de investigação argentinos
e cubanos, ela desenvolve uma vacina terapêutica contra o câncer de
pulmão, que estará disponível a partir deste mês para uso em
tratamentos, somando-se à radioterapia e à quimioterapia.
Gill lembra que, quando a política de abertura de novas universidades
públicas foi lançada, na periferia da capital, a ideia era
desconcentrar a Universidade de Buenos Aires (UBA), tradicional e
gigante, fundada em 1821. Embora a UBA tenha mantido seu contingente de
alunos, graças ao prestígio nacional e internacional que alcançou, nas
universidades da região metropolitana inscreveram-se, este ano, 67 mil
alunos. “É uma política que gera mobilidade social clara e ascendente”,
ele frisa.
O ministério da Educação calcula que o número de argentinos que
chegaram à universidade aumentou em 28%, nos últimos dez anos; e o
índice dos que concluem seus cursos cresceu 68%. Os investimentos
públicos no ensino superior saltaram de 0,5% para 1,02% do PIB, no mesmo
período. Entre 2001 e 2010, a população cresceu 10%; mas o percentual
dos que têm ensino superior avançou 54%.
O país, hoje com mais de 40 milhões de habitantes, destina 6,5% do
PIB à Educação como um todo. O índice está próximo do brasileiro e é um
dos mais altos da América Latina – com a exceção de Cuba, onde chega a
12%, segundo dados da Unesco.
O engenheiro Jorge Calzoni, reitor da Universidade Nacional de
Avellaneda, relata que desde que criada a instituição, em 2009, mais de 6
mil alunos inscreveram-se. Destes, cerca de 300 são estrangeiros. A
universidade oferece 25 carreiras, entre as de pré-graduação (que dura
dois anos), graduação e pós-graduação. “Não nascemos para competir com
as grandes universidades, mas para complementá-las”, pensa ele.
Por isso, ao invés de incluir o curso de Medicina, já oferecido em
universidades próximas, propõe o de Enfermaria, por exemplo. Também tem
cursos de Turismo, Engenharia Informática e Design, entre outros.
Calzoni reconhece que persistem índices importantes de evasão
escolar, apesar da criação de três “seminários de ingresso”, criados
“para estabelecer um patamar mínimo, que evite o fracasso no primeiro
ano” [na Argentina não é preciso passar pelo vestibular, para o ingresso
no ensino superior]. Os alunos contam, além disso, com duplas de
tutores e professores auxiliares de apoio.
“Ainda assim 47% desistem”, admite: “do total de inscritos, a metade
não se matricula no segundo semestre”. É preciso, no entanto,
relativizar este dado. O reitor estima que parte são jovens que mudam de
carreira ou de universidade, e em seguida recomeçam os estudos. As
estatísticas da Universidade de Avellaneda revelam que 84% dos
matriculados provêm de famílias onde os pais não eram universitários. Ou
seja, são a primeira geração que chega ao ensino superior.
Calzoni lembra que a instituição localiza-em em área geográfica em
que havia reivindicação não-atendida de cursos superiores. Isso fica
claro na idade dos matriculados. No ano de abertura, a média de idade
foi de 34 anos. “Eram pessoas que antes não chegavam à universidade –
talvez pelo problema da distância – e agora podem fazê-lo. Esta média
foi baixando, primeiro a 28 e agora a 24 anos.
Já o secretário Martín Gill destaca que a política de inclusão
permite a incorporação de alunos surdos ou com outras formas de
incapacidade, além de um grande quantidade de jovens procedentes de
outros países da América do Sul. “Vêm da Bolívia, Colômbia, Chile,
Equador, México e Peru. A Argentina tem um modelo de ensino superior
único, no que diz respeito ao acesso”.
Entre os dados gerais mais relevantes está o fato de “80% da
matrícula universitária dar-se em instituições públicas”, embora a
oferta privada seja importante, com 49 instituições no país.
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