A Guerra pela Água e o conflito árabe-israelense
PUBLICADO POR MKNINOMIYA ⋅
Em artigos anteriores abordamos como a escassez de água em áreas do mundo, entre elas o Oriente Médio, tem feito surgir situações hidroconflitivas, isto é, casos de tensões geopolíticas geradas por conta da disputa pelo domínio e utilização de fontes de água.
É interessante notar que existe um senso comum que associa os conflitos no Oriente Médio à disputa em torno dos interesses ligados ao petróleo. Embora isso seja em grande parte verdadeiro, é preciso lembrar que o conflito árabe-israelense ocorre em área onde as reservas petrolíferas são insignificantes. O que a mídia não evidencia – evidentemente atendendo os interesses sionistas – é que a disputa pela água está no cerne de grande parte dos problemas enfrentados na região.
Antecedentes históricos
Desde o século treze, até 1916, o império turco-otomano controlava todo o Oriente Médio. Com sua derrota na Primeira Guerra Mundial, a Grã-Bretanha e a França assumem o controle sobre o Oriente Médio, que é dividido em vários Estados separados: Iraque, Síria, Jordânia, Líbano e Palestina.
Graças ao Acordo Sykes-Picot a Grã-Bretanha ficou com a área que presentemente constitui a Jordânia, a área entre o Jordão e o Mar Mediterrâneo e o Iraque; a França recebeu a Síria e o Líbano. Em 1922 a Liga das Nações estabeleceu formalmente o Mandato Britânico para a Palestina e Transjordânia: todas as terras a leste do Jordão foram foram entregues ao Emirado da Jordânia, que estava sob controle do Reino Unido, deixando a parte a oeste da Jordânia como o Mandato Britânico da Palestina. Com o fim da Segunda Guerra Mundial, a Assembléia Geral da ONU (1947) aprova a chamada “Partilha da Palestina” com a criação de um Estado árabe, um Estado judeu e Jerusalém, que seria internacionalizada sob o comando da ONU. Em maio de 1948 a Grã Bretanha retira suas forças da Palestina e logo a seguir os judeus fundam o Estado de Israel, imediatamente alvo de um ataque militar pelos Estados da Liga Árabe. Ao fim desta guerra (1949), o estado judeu expandiu-se para além dos limites que o plano de partilha lhe havia designado; o Estado Árabe (Palestina) ficou diminuído e repartido em dois: a Cisjordânia, que em 1950 foi integrada ao reino da Jordânia, e o Território de Gaza, administrado pelo Egito a partir de 1948.
Estratégia genocida: Israel controla as fontes de água da Palestina
Numa das regiões mais áridas do planeta, as reservas de água representadas pela bacia do Jordão - que inclui as águas superficiais rio Jordão, o mar da Galiléia, o rio Yarmuk e o baixo Jordão, além das águas subterrâneas dos grandes sistemas de aqüíferos do Oriente Médio, o aqüífero da Montanha (totalmente sob o solo da Cisjordânia), o aqüífero de Basin e o aqüífero Costeiro que se estende por quase toda faixa litorânea israelense até Gaza - sempre foram consideradas por Israel um elemento de vital importância estratégica, uma vez que a par de uma agressiva política de imigração apostou no desenvolvimento de uma indústria agro-comercial que utiliza a água de forma intensa.
Dessa forma, desde a sua fundação Israel priorizou projetos – inclusive militares – para garantir o controle da água na região. Em 1953 Israel iniciou a construção do Aqueduto Nacional, que viria a desviar o curso de mais da metade dos afluentes do Jordão para os projetos de irrigação do deserto de Neguev. Depois de mais de uma década de escaramuças com seus vizinhos árabes, em junho de 1967 Israel invadiu a Faixa de Gaza, a península do Sinai no Egito, a Cisjordânia e as colinas de Golã na Síria, anexando estas áreas, ricas em fontes de água, ao seu território, obtendo o controle total sobre os afluentes do Rio Jordão. A ONU determinou a devolução das áreas invadidas, mas Israel ignorou os apelos da comunidade internacional e deu início, já em setembro de 1967, à sua política de colonização, fixando milhares de judeus nos territórios ocupados. Em 2002, a construção do “muro de segurança” viabilizou o controle israelense da quase totalidade do aqüífero de Basin, um dos três maiores da Cisjordânia, que fornece 362 milhões de metros cúbicos de água por ano. Segundo Noam Chomsky, “o Muro já abarcou algumas das terras mais férteis do lado oriental. E, o que é crucial, estende o controle de Israel sobre recursos hídricos críticos, dos quais Israel e seus assentados podem apropriar-se como bem entenderem”. Antes de devolver a Faixa de Gaza, Israel destruiu os recursos hídricos da região (mais de 996 quilômetros de tubulação foram destruídos pelo Exército israelense). E, até hoje, não há infra-estrutura hídrica nas regiões palestinas.
A estratégia de Israel é clara, e ficou consolidada em polêmica declaração de seu ministro da agricultura ao jornal Jerusalém Post (1990) para justificar a ocupação do território da Cisjordânia: ”é difícil conceber qualquer solução política consistente com a sobrevivência de Israel que não envolva o completo e contínuo controle israelense da água e do sistema de esgotos, e da infra-estrutura associada, incluindo a distribuição, a rede de estradas, essencial para sua operação, manutenção e acessibilidade” .
Nessa época, segundo o professor da Hebrew University, Haim Gvirtzman, dos 600 milhões de metros cúbicos de água retirados anualmente de fontes na Judéia e Samaria, os israelenses usavam quase 500 milhões, satisfazendo cerca de um terço de suas necessidades hídricas. Para ele, isso gerou um “direito adquirido sobre a água”. Questionado sobre o acesso palestino à água, o professor respondeu que “Israel deve somente se preocupar com um padrão mínimo de vida palestino, nada mais, o que significa suprimento de água para eles só para as necessidades urbanas. Isso chega a cerca de cinqüenta/cem milhões de metros cúbicos por ano. Israel é capaz de suportar essa perda. Portanto, não deveríamos permitir que os palestinos desenvolvessem qualquer atividade agrícola, porque tal desenvolvimento virá em prejuízo de Israel. Certamente, nunca permitiremos aos palestinos suprir as necessidades hídricas da Faixa de Gaza por meio do aqüífero montanhoso. Se purificar a água do mar é uma solução realista, então deixemos que o façam para as necessidades dos residentes da Faixa de Gaza”.
E na Guerra pela Água vale tudo: os israelenses bombardeiam tanques d’água, confiscam as bombas d’água, destroem poços, proíbem que explorem novos poços e novas fontes d’água (a Cisjordânia, em 2003, contava com cerca de 250 fontes ilegais e a Faixa de Gaza, com mais de 2 mil). Israel irriga 50% das terras cultivadas, mas a agricultura na Palestina exige prévia autorização. A regra do jogo é clara: enquanto os palestinos não têm acesso à água para beber, os israelenses acostumaram-se ao seu uso irrestrito.
Sendo assim, não é difícil compreender as pretensões palestinas ao exigir a criação de seu Estado tendo por base as fronteiras de 1967 e a retirada dos assentamentos judeus de todos os territórios ocupados desde junho daquele ano. Isso porque não é possível conceber a sobrevivência de qualquer estado e em particular da Palestina sem o controle efetivo do acesso e da distribuição dos recursos hídricos que necessita. Ao exercer através da força e da vergonhosa política de assentamentos o domínio destas áreas, a intenção de Israel tem sido claramente o de inviabilizar a existência do Estado Palestino.
A chave do conflito entre israelenses e palestinos são os lençóis da Cisjordânia. Até 1967, os palestinos tinham acesso a eles livremente. Mas a ocupação israelense acabou com isso. Israel também ocupou as Colinas de Golã, da Síria, onde ficam as nascentes do rio Jordão.
Evidência desta realidade é a localização da maior parte dos assentamentos judaicos em território palestino sempre próximo de reservas aquíferas cuja exploração será ainda mais facilitada com a conclusão da construção do famigerado muro de proteção na fronteira entre Israel e a Cisjordânia e a manutenção da ocupação das Colinas Golan, tomada dos sírios em 1967, onde mais do que razões de natureza militar visa assegurar o acesso e controle dos rios Jordão e Yarmouk. Atualmente, cerca de 25% da água utilizada em Israel é captada nestas fontes em territórios ocupados.
“Para além das manchetes do conflito do Oriente Médio, há uma batalha pelo controle dos limitados recursos hídricos na região. Embora a disputa entre Israel e seus vizinhos se concentre no modelo terra por paz, ”há uma realidade histórica de guerras pela água” – tensões sobre as fontes do Rio Jordão, localizadas nas Colinas de Golã, precederam a Guerra dos Seis Dias”. Raymond Dwek - The Guardian, (24/11/02)
Gestão conjunta, consumo igualitário de água, ética e consenso na água são palavras bonitas prometidas por Israel nas mesas de negociação e na mídia, mas que em nenhum momento refletem a realidade das práticas sionistas. Sobre isso é interessante a percepção de Shaddad Attili, diretor da Autoridade de Água Palestina, que em seu pronunciamento na Semana Mundial da Água em Estocolmo (08/2011), denunciou o que todos já sabem mas procuram ignorar: a água está sendo usada como arma de guerra por Israel
- “Não se enganem, pois não haverá um Estado palestino viável sem que possa acessar, controlar e administrar suficientes recursos hídricos para cobrir suas necessidades internas, presentes e futuras, agrícolas e industriais”.
O conflito árabe-israelense só vai ter fim quando forem criadas regras claras e objetivas para punir a violação dos direitos dos povos e nações à sua soberania sobre seus recursos e riquezas naturais, o que certamente colocaria Israel no banco dos réus pela tentativa de genocídio contra o povo palestino. O reconhecimento pretendido pela ANP junto à ONU abre caminho e passa a oferecer os recursos políticos necessários para tanto.
Nenhum comentário:
Postar um comentário