(Segue entrevista do autor do livro "A Sociedade em Rede")
Não basta um manifesto nas redes sociais
para mobilizar as pessoas
Sociólogo diz que alcance real dos protestos depende das condições de quem os lê
ROBERTO DIAS
SECRETÁRIO-ASSISTENTE DE REDAÇÃO - 03/06/2013
O franquismo dominava a cena espanhola quando um estudante de 18 anos
decidiu entrar nos cinemas de Barcelona para alterar seu enredo.
Escolheu salas na periferia, aproveitou a escuridão para deixar folhetos
de protesto nas cadeiras e terminou a noite com uma sensação: "As
palavras que eu havia transmitido poderiam mudar algumas mentes que
acabariam por mudar o mundo".
O objetivo principal não foi alcançado, e a ditadura espanhola perdurou
até os anos 1970. Décadas mais tarde, ao descrever seu ato, Manuel
Castells concluiu que ignorava coisas importantes da comunicação. "Não
sabia que a mensagem só é eficaz se o destinatário estiver disposto a
recebê-la e se for possível identificar o mensageiro e ele for de
confiança", escreveu.
O jovem revolucionário acabou exilado em Paris, onde deu início a uma
trajetória que fez dele um dos mais destacados sociólogos do mundo.
Famoso por estudar sobre poder das redes e o impacto social da
informação, Castells diz, em entrevista por e-mail, que o Facebook
sozinho não é capaz de mudar a história.
Folha - Os jovens espanhóis que saíram várias vezes às ruas e
acamparam em lugares como a praça Catalunya [na região central de
Barcelona] continuam sem emprego, e a coisa piorou desde então. O
movimento fracassou?
Manuel Castells - É a única esperança que sobra em um país com
27% de desemprego, 53% de desemprego juvenil e com apenas 26% dos
cidadãos neste momento apoiando um dos dois grandes partidos.
Hoje, 70% da população concorda com o movimento, porém não existe, por
ora, uma expressão política institucional dessa crítica frontal a todo o
sistema. Mas a mudança já aconteceu na cabeça das pessoas. E isso é o
essencial na mudança social.
O sr. diz que esses novos movimentos, nascidos na internet, estão
recriando a democracia. Mas no Brasil não é incomum que protestos
organizados por dezenas de milhares no Facebook não cheguem a reunir
centenas de pessoas na rua. Esses movimentos têm mesmo toda essa
capacidade?
Isso depende das condições de cada país. Na Espanha, chegaram a ser
centenas de milhares. Nos Estados Unidos, aconteceram ocupações urbanas
em mil cidades. Na Itália, saiu daí o movimento Cinco Estrelas, o
partido mais votado [nas eleições parlamentares deste ano]. No Chile, os
estudantes mudaram o panorama político do país.
Mas é claro que não basta um manifesto no Facebook para mobilizar
milhares de pessoas. Isso depende do nível de descontentamento popular e
da capacidade de mobilização de imagens e palavras. A internet é uma
condição necessária mas não suficiente para que existam movimentos
sociais.
Se o que aconteceu na Itália com Beppe Grillo [líder do Cinco
Estrelas] pode ser considerado um desses movimentos, pergunto: para que
ele serviu então? [Embora fosse o partido mais votado, recusou-se a negociar e acabou ficando fora do novo governo.]
O Cinco Estrelas se situa entre o movimento e a política, mas surge de
um clamor, que existe na sociedade italiana, por uma verdadeira
democracia. O que aconteceu é que seu êxito bloqueou um sistema corrupto
a serviço de uma classe política que na Itália se chama "A Casta".
E o Partido Democrático, em vez de desmentir as suspeitas e mudar suas
práticas, faz um governo de aliança com [Silvio] Berlusconi, depois de
fazer uma campanha para acabar com ele.
É provável que o Partido Democrático se fracione e que aconteça uma
recomposição do sistema político. O Cinco Estrelas não é um partido do
governo, mas é uma força que faz o sistema se regenerar.
Como o sr. vê a evolução da crise de representação dos Parlamentos, e que papel a imprensa tem nisso?
Todos os dados mundiais, exceto os da Escandinávia, mostram o
desprestígio total dos políticos, partidos e parlamentos. Se os cidadãos
pudessem, mandariam todos embora, mas o sistema bloqueou as saídas.
A imprensa costuma estar mediada pelos empresários e por suas alianças
políticas. Felizmente, a liberdade de comunicação tem dois aliados
fundamentais: o profissionalismo dos jornalistas e a rede.
Marina Silva propõe a criação de um novo partido político, que tem o
nome simbólico de Rede. É possível para um político que esteve nos
partidos tradicionais reinventar-se nesses novos movimentos?
Em geral, eu diria que não. Mas, conhecendo Marina Silva, se alguém tem a
possibilidade de fazer isso, seria ela. Terá, entretanto, de enfrentar
todo o sistema, porque um ponto sob o qual todos os partidos estão de
acordo é manter o monopólio conjunto do poder.
Os chineses aprenderam a controlar a rede? Seu firewall [muro de
censura na rede] já é reconhecido como um exemplo de sucesso
tecnológico, como disse a revista "The Economist".
Não. Como dizem meus amigos hackers chineses, a Grande Barreira é um
tigre de papel. O controle se faz com robôs que utilizam palavras-chave,
como Tiananmen [o nome local para a Praça da Paz Celestial], basta não
usar essas palavras.
Mesmo que tenham introduzido novas medidas tecnológicas, não há como
controlar os milhões de blogs individuais, que são onde se gera o debate
social ""não na página da "Economist" na web.
O que será do Facebook em cinco anos? Se o Facebook quer ser o
"melhor jornal personalizado do mundo", como disse Mark Zuckerberg, como
ficará sua relação com os meios tradicionais?
Nunca faço previsões. Mas o Facebook tem sucesso porque é personalizado.
Qualquer tentativa de utilizar as pessoas em vez de ser utilizado por
elas levará a uma competição com centenas de outros, como aquela em que o
Facebook liquidou o MySpace. Quem não tem boa perspectiva são os meios
de comunicação tradicionais, a menos que se reconvertam no modelo de
"jornalismo em rede" que tenho analisado recentemente.
Aos poucos se está mudando o consumo de informação na rede para um
modelo em que nem tudo o que está nela é gratuito. Como vê o futuro do
jornalismo nesse sentido?
É um grave erro cobrar por informação na rede, a menos que a informação
seja profissionalmente relevante, como no caso do [jornal americano de
economia] "Wall Street Journal". Com as alternativas que existem na
rede, o que acontece é que simplesmente se desvia o fluxo de leitores
para outros canais informativos e de debate.
Há 14 anos, o sr. esteve no programa "Roda Viva", da TV Cultura, e
disse que São Paulo tinha uma terrível gestão urbana, comparando-a à de
Barcelona. Por que as metrópoles brasileiras não conseguem dar o passo
que deu Barcelona, mesmo numa transformação tão grande como a de agora
para o Mundial?
Barcelona tem muito mais problemas atualmente, mas, ainda assim, é uma
das melhores cidades do mundo, e a qualidade da administração municipal é
um fator importante para esse resultado.
As metrópoles brasileiras têm muito mais dificuldades objetivas, por
seus níveis de pobreza, de violência e da força dos interesses
especulativos no solo urbano e nas infraestruturas de transporte e de
serviços.
Se houvesse um pacto entre partidos e instituições para deixar de lado
diferenças partidárias e fazer um projeto de gestão urbana, estou seguro
de que seria tecnicamente possível. Hoje, existem recursos e capacidade
profissional no Brasil para melhorar a gestão urbana. É preciso vontade
política e sentido de serviço ao cidadão.
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/112107-nao-basta-um-manifesto-nas-redes-sociais-para-mobilizar-as-pessoas.shtml
Nenhum comentário:
Postar um comentário