Primavera turca? Entendendo o conflito na Turquia
A Turquia não é uma ditadura, mas está longe de ser uma democracia
03/06/2013
Raphael Tsavkko Garcia
É
difícil compreender como a demolição de um parque no centro de Istambul
para a construção de um shopping tenha sido capaz de despertar um
movimento de massas como temos visto hoje na Turquia.
Milhares -
ou mesmo milhões - de jovens saindo às ruas não apenas em Istambul, mas
em diversas outras cidades e, no processo, sendo vítimas de imensa
repressão policial, com ajuda de gás de pimenta, balas de borracha,
canhões de água e todo o aparato policial possível.
Muitos saíram feridos, outros foram mortos, atropelados por caminhões militares, por carros de polícia.
Na
verdade, a questão é maior, muito maior que apenas um parque, o Parque
Gezi, e a construção de um shopping. A insatisfação da juventude com o
AKP (Partido da Justiça e Desenvolvimento) do primeiro-ministro Recep
Tayyip Erdogan é o ingrediente principal para a revolta.
Erdogan
comanda um partido islâmico, ainda que moderado, mas que tem imposto
medidas de controle social que tem desagradado a população urbana e
educada, feitas sob medida para agradar o eleitorado sunita conservador
turco.
Uma dessas medidas que têm causado revolta foi a restrição
na venda e consumo de bebidas alcoólicas, através de uma lei que passou
pelo Congresso sem maiores discussões com a sociedade. Aliás, a falta
de discussão com a sociedade de medidas governamentais diversas é uma
das grandes razões pra a insatisfação dos jovens com o governo.
Majoritariamente
laicos, educados e cosmopolitas, não conseguem compreender ou mesmo
aceitar a imposição de medidas conservadoras que os afetam direta ou
indiretamente.
Grandes alterações arquitetônicas e urbanísticas
em Istambul, como a demolição de um cinema histórico ou a construção de
mais uma ponte sobre o Bósforo, cujo nome é o de um sultão Otomano da
Idade Média conhecido por perseguir a minoria religiosa dos Alevitas
(que formam quase 10% da população turca), tem causado enorme
descontentamento junto à população. A destruição do Parque Gezi foi
apenas o estopim.
No primeiro de maio, milhares de estudantes e
trabalhadores foram violentamente reprimidos pela polícia enquanto
realizavam os tradicionais protestos do Dia do Trabalho, deixando clara a
incapacidade do governo de dialogar com a população e de preferir o uso
da força e a repressão acima de tudo.
É preciso ainda lembrar
que a Turquia vive um eterno clima de terror e negação, com a repressão
aos Curdos que habitam majoritariamente o leste do país e são
diariamente reprimidos - em um momento de trégua com o PKK (o Partido
dos Trabalhadores Curdos), que dura cerca de 5 meses, mas é envolta em
tensão -, com a negação aos direitos religiosos de minorias não-sunitas,
como os Alevitas, e a negação do genocídio armênio (começo do século
XX) que, junto, traz a proibição sequer da discussão aberta sobre o
tema, levando jornalistas e acadêmicos à prisão caso tentem negar a
versão oficial do Estado Turco.
A Turquia não é uma ditadura, mas está longe de ser uma democracia.
Se
configura como um Estado policial, que sofre constantes intervenções
militares (golpes de Estado são uma constante na história turca), em
perpétuo estado de alerta pelo seu conflito com os Curdos e em um
processo lento, mas constante, de islamização, o que desagrada a
importantes parcelas da população - mesmo sunitas laicos.
Ainda é
preciso lembrar que a Turquia é vizinha da Síria, que encontra-se no
momento em franca guerra civil e há o temor do conflito "respingar",
como já aconteceu no atentado à cidade fronteiriça de Reyhanli, em
meados de maio. O medo do governo é de que a minoria curda local possa
se aliar aos curdos sírios, que controlam diversas cidades fronteiriças,
e mesmo que radicais sunitas possam usar a Turquia como base e espalhar
o conflito.
Este temor dificulta o espaço de diálogo com o
governo, já complicado, criando um estado constante de alerta e temor. E
de suspeição. O conflito sírio, além do eterno conflito curdo, serve
como desculpa para a negativa do governo em negociar, e para a escalada
repressiva.
As ruas em diversas cidades turcas ficaram cobertas
de sangue e gás enquanto milhares protestavam. Alguns falam em uma
Primavera Turca, o que é irônico, considerando que Erdogan foi um dos
líderes do Oriente Médio a defender a queda de Hosni Mubarak, no Egito,
durante a Primavera Árabe.
Os protestos crescem, ao passo que a
repressão policial acompanha este crescimento. Até quando os
manifestantes e o governo irão aguentar esta queda de braço desigual?
Raphael
Tsavkko Garcia é bacharel em Relações Internacionais pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e mestrando em comunicação
pela Faculdade Cásper Líbero.
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