Organização de protestos pode indicar
‘novidade’ política no Brasil
Atualizado em 19 de junho, 2013
As dimensões dos grandes protestos que vêm tomando
diversas cidades brasileiras nos últimos dias pegaram de surpresa não
apenas políticos e autoridades, mas também analistas, que ainda buscam
entender o impacto e as consequências que as mobilizações podem ter na
vida política e social do Brasil.
Mesmo assim, especialistas de áreas distintas
ouvidos pela BBC Brasil concordam que o modo como as manifestações foram
organizadas pode indicar uma nova forma de se fazer política no país.
Os analistas, no entanto, discordam quanto às consequências e o futuro
do movimento.
"Pesquisadores, jornalistas e políticos, todo mundo foi pego de
surpresa. Ninguém esperava que (os protestos) assumissem as proporções
que assumiram na segunda-feira", diz Francisco Carlos Teixeira da Silva,
professor de História Moderna e Contemporânea da Universidade Federal
do Rio de Janeiro (UFRJ).
Para Teixeira da Silva, o motivo para essa
surpresa deve-se, em parte, ao fato de o Brasil não estar vivendo em
condições econômicas e políticas parecidas com outros lugares onde
emergiram grandes protestos recentemente, como os países atingidos pela
crise na Europa ou pelos movimentos da Primavera Árabe.
"Não é nenhuma situação de depressão econômica,
desemprego e cortes de benefícios sociais, nem é uma ditadura (como em
alguns países árabes). A meu ver, (o movimento) não tem nada a ver com
inflação, não tem nada a ver com PIB pequeno ou coisas desse tipo. É uma
revolta política, claramente política", diz.
Na avaliação do historiador, os cartazes com
dizeres contra os partidos políticos levados por manifestantes em
diversas cidades do país evidenciam o que ele classifica como "uma
rejeição à elite política e aos gestores públicos brasileiros", causada
por fatores que vão desde as más condições do transporte público ao modo
como grandes eventos estão sendo organizados no país, passando por
escândalos políticos como o mensalão.
Novidade
Para Teixeira da Silva, algumas novidades
apresentadas pelo movimento de protestos, como a espontaneidade, a
ausência de lideranças claras e o fato de ele estar sendo organizado na
forma de rede, torna difícil fazer avaliações sobre o impacto e o futuro
das mobilizações.
"Como o movimento é muito espontâneo, deriva de
redes, não tem lideranças específicas, nós não podemos fazer nesse
momento nenhuma avaliação. Está tudo em movimento", diz o analista, para
quem a reivindicação de diminuição de tarifas dos ônibus em diversas
cidades, encabeçada pelo Movimento Passe Livre, foi apenas o estopim
para as manifestações.
"O passe livre foi o estopim. A violência da
polícia foi o elemento que criou as condições para a adesão de grande
maioria de pessoas. (Mas) algumas coisas estão claras: se a polícia
voltar às ruas com violência, a situação corre o risco de se tornar
descontrolada".
Democracia
André Martins, professor do Programa de
Pós-Graduação em Filosofia da UFRJ, concorda que a mobilização pela
diminuição nos preços das tarifas dos ônibus serviu como um estopim para
que os manifestantes expressassem um descrédito mais amplo contra as
instituições políticas.
Para ele, as manifestações, que encontram grande
parte de seu poder de mobilização nas redes sociais, acabaram se
consolidando como um movimento "antipartido político" o que pode indicar
uma nova forma de se fazer política.
"Eles estão fazendo política, estão fazendo uma
política mais honrosa do que a dos partidos. É uma nova forma de fazer
política nas ruas, da própria multidão", diz.
Martins avalia que, embora o grupo que está na
rua não conte com as características de organização e mobilização vistas
na maioria dos movimentos sociais e partidos, as manifestações não
devem enfrentar dificuldade para mobilizar adeptos.
"As redes sociais já têm uma forma própria de mobilização que me
parece que já está consolidada. É uma mobilização por causas, não por
ideologias pré-definidas", diz o filósofo, para quem as redes sociais
estão exercendo um papel ainda mais amplo.
"As redes sociais estão fazendo o papel da
verdadeira democracia, porque a verdadeira democracia é participativa e
não representativa", diz.
Mobilização
Acompanhando pessoalmente as manifestações em
São Paulo desde o início, o cientista político Pedro Fassoni Arruda,
professor do Departamento de Política da PUC-SP, afirma que a
"horizontalidade" da organização do Movimento Passe Livre representa uma
novidade em grupos do tipo no Brasil, mas diz que a entrada de outros
atores nas manifestações e a proliferação de reivindicações pode criar
distensões e fragmentações.
"A cada protesto, uma quantidade maior de
pessoas adere. Agora, existe sempre o risco de perder o foco da
reivindicação. O Movimento Passe Livre tem como principal bandeira de
luta a revogação do aumento das tarifas e também, no longo prazo, a
tarifa zero. Mas a gente também vê outras pessoas pegando carona nos
protestos", diz.
Arruda – que compara os atuais protestos aos que
pediam o impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Mello, na
década de 1990 – afirma ter visto manifestantes defendendo as mais
diversas pautas durante a mobilização da última segunda-feira em São
Paulo, incluindo a redução da maioridade penal, tese que costuma ser
rejeitada por grupos de esquerda.
O cientista político avalia que há o risco de
que tal proliferação de pautas possa acabar por comprometer o impacto
político do movimento pelo passe livre. Para ele, o futuro do movimento
de protesto vai depender de como ficará a correlação entre as diversas
forças de reivindicação presentes nas próximas manifestações.
"(A pluralidade de pautas) pode ser um ponto
fraco, justamente porque o movimento acaba perdendo a direção, o foco.
Muitas pessoas que, por exemplo, participaram pela primeira vez do
protesto sequer conhecem quais são as propostas do Movimento Passe
Livre".
Arruda também avalia que as posições
antipartidárias de algumas pessoas que participam de manifestações pode
acabar por criar divisões e rivalidades dentro do movimento.
"O Movimento Passe Livre se reivindica um
movimento apartidário, mas não antipartidário. Mesmo assim, havia muitas
pessoas antipartidárias (nas manifestações). Por exemplo, foi noticiado
que algumas pessoas tentaram arrancar à força bandeiras (de partidos).
Isso acaba contribuindo para dividir, para fragmentar, para criar
distensões e rivalidades entre esses movimentos", diz.
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