O ponto em comum entre a praça Taksim
e avenida Paulista
12 de junho de 2013
O sociólogo espanhol Manuel Castells falou nesta terça-feira em
São Paulo sobre esta nova modalidade de manifestação social – que começa
na internet e vai para as ruas
Ao mesmo tempo em que o sociólogo espanhol Manuel Castells falava em
mais uma palestra do evento Fronteiras do Pensamento, que aconteceu no
Teatro Geo na terça-feira desta semana, em São Paulo, a tensão entre
manifestantes contra o aumento da passagem de ônibus e a polícia militar
chegava às vias de fato a poucos quilômetros dali, na Avenida Paulista.
Não estava alheio ao que acontecia na cidade, ao citar o protesto
paulistano como uma das inúmeras manifestações de uma indignação que,
nos últimos cinco anos, tem começado em um novo espaço social, a
internet, para depois chegar às ruas, em massa.
O sociólogo é um dos principais acadêmicos a compreender esta mudança, que é o tema de seu novo livro, chamado Redes de Indignação e Esperança – Movimentos Sociais na Era da Internet,
que deve sair no Brasil em setembro, pela editora Zahar. O livro também
foi a base para sua conferência, em que começou explicando que qualquer
manifestação política começa em nossas mentes para depois
materializar-se na prática. “A forma como pensamos, determina a forma
como atuamos. Portanto, o que realmente condiona o comportamento da
sociedade é o que ocorre em nossas mentes”, explicou. Falou sobre o
papel da coerção do estado para manter o poder (“uma tradição que começa
em Maquiavel e que foi formalizada melhor por Max Weber”, disse) e como
apenas o monopólio da violência – válido ou não – torna este mesmo
estado débil. “Pois ao mesmo tempo há outra tradição, que inclui
Bertrand Russell, Foucault e também Gramsci, que insiste no papel
decisivo da persuasão para a manutenção do poder, pela maneira implícita
e explícita de influenciar nossa maneira de pensar”, explicou, antes de
cravar que “afinal, manipular as mentes é muito mais eficaz do que
torturar os corpos”.
Com esta introdução ele explicou que a atuação do poder – de qualquer
natureza, político, econômico, militar, tecnológico, etc. – não
acontece sozinha, e sim com a participação da sociedade civil. “Nossas
mentes vivem imersas em um ambiente de comunicação, onde construímos
nossa forma de pensar e, portanto, de fazer o que fazemos”, considerou,
lembrando que, com a chegada das tecnologias digitais, não temos mais
como fugir deste ambiente – cada vez mais intenso, veloz e, portanto,
mais decisivo para definirmos nossas posições e preferências, tanto
quanto indivíduos como sociedade.
Eis o centro de sua palestra: o impacto que estas novas tecnologias
imprimiram primeiro à sociedade, depois aos meios de comunicação – ou à
“arena da comunicação”, frisando que não mais podemos separar o público
dos grupos que antes controlavam este debate – e, finalmente, aos
poderes políticos constituídos. “O poder político é construído no espaço
da comunicação”, frisou, “este é o espaço em que se joga o poder”.
Exemplificou o impacto da internet na sociedade moderna, primeiro em
números, citando que há quase o mesmo número de linhas de telefones
celulares ativas no mundo que de pessoas (“Sem nos esquecer que bebês –
ainda – não usam celulares”, brincou), e como a evolução do digital e
das tecnologias móveis aceleram um processo que está mudando a cara da
política. “A humanidade está conectada”, atestou, “e isso aconteceu num
espaço duas décadas, sobretudo nos últimos dez anos.”
Lamentou a crise do jornalismo, agente que funcionaria como mediador
entre os poderes e as pessoas, mas que tem perdido o contato com o
público por não saber dialogar com a nova realidade digital e estar
obcecado com números de audiência – antes fáceis de ser conseguidos e
que agora dispersam-se pois os espectadores e leitores não são mais
“vegetativos” – como explicitou no caso do público da TV – e que
consomem muito mais informação que antes, por canais diferentes. “O uso
da internet se aprofundou pois novos espaços sociais de interação foram
ocupados, cada vez mais personalizados”, continuou, listando redes
sociais e enfatizando que o até o e-mail já perdeu seu espaço. “Há mais
de 500 milhões de blogs atualizados diariamente, a maioria na China, e
as redes sociais, hoje onipresentes, existem há menos de dez anos”, além
de salientar que a internet se tornou um espaço multicultural, em que o
inglês, por exemplo, perdeu a dominância: “Menos de 29% da internet é
escrita em inglês”, reforçou.
Este novo cenário resulta na crise total do negócio tradicional da
comunicação, disse Castells. “Ninguém ainda encontrou a resposta para a
questão da perda do monopólio nas transmissões das mensagens. Todos os
grandes meios de comunicação em todo o planeta estão em profunda crise
empresarial, pois tentam se apropriar de um modelo que não entendem. É
um problema mental – e generalizado no mundo todo. A internet é ativa,
os outros meios eram passivos”, refletiu.
Castells também falou sobre como enfraquecimento dos meios
tradicionais de comunicação afetou a política, que hoje busca um rosto
para representar o poder, não apenas ideologias ou partidos. Disse que
isso acontece pois há uma crise de representação de poder que encontra
eco nos novos espaços sociais e faz que a sociedade se pergunte sobre
seu papel nestes novos tempos.
O novo cenário é composto não apenas de veículos de comunicação de
massa e ambientes digitais que permitem discussões entre as pessoas, mas
de uma nova forma de comunicação, que chama de “autocomunicação de
massas”. Ele explica o termo: “É de massas porque pode alcançar,
potencialmente, milhões e milhões de pessoas. Não ao mesmo tempo, mas
uma pequena rede se conecta a muitas redes que se conecta a muitas redes
e se chega a todo o mundo”, definiu, “e é ‘auto’ porque há autonomia na
emissão das mensagens, na seleção da recepção das mensagens, na criação
de redes sociais específicas. Assim, a capacidade de encontrar
informação é ilimitada, se você tem critérios de busca – que não são
tecnológicos e sim metais ou intelectuais.”
E a partir daí começou a conclusão de sua conferência, explicando que
movimentos como o que propôs a criação coletiva da constituição da
Islândia, os Indignados na Espanha, o Occupy Wall Street nos Estados
Unidos, a Primavera Árabe e o grupo Anonymous são parte de um mesmo
movimento, coletivo e global, que não é político e sim social. “São
estes movimentos, sociais e não políticos, que realmente mudam a
história, pois realizam uma transformação cultural, que está na base de
qualquer transformação de poder”, salientou.
Disse que estes movimentos começam na internet mas não são
essencialmente digitais. “Eles só tornam-se visíveis e passam a existir
de fato quando tomam as ruas”, explicou, reforçando que estes movimentos
acontecem há apenas cinco anos e que eles não têm lideranças, que
repudiam a violência e que embora não tenham objetivo definido,
encontrem coincidências e semelhanças ao indignar-se. “São movimentos
emocionais e que se unem pela recuperação de uma dignidade que se
perdeu. Às vezes eles começam pequenos e parecem que se mobilizam por
pouca coisa, mas que funcionam como apenas uma gota a mais em uma
indignação que existe em todos os setores sociais, que as pessoas não
aguentam mais”, realçando que isso pode ser a construção de um shopping
para turistas na praça Taksim na Turquia ou no aumento de centavos nas
passagens de ônibus em São Paulo. “Centenas de milhões de pessoas já
participaram destes movimentos”, continua, “e são movimentos que podem
ter saído das ruas, mas não desapareceram. Eles continuam online. Quando
vem a repressão física, eles se retiram das ruas, rediscutem online.
Não têm líderes nem programa, mas têm a capacidade de resistir e de
renascer a qualquer momento. Isso só acontece porque há a capacidade de
autocomunicação de massa que os permitiu existir”.
E conclui: “A palavra ‘dignidade’ aparece em todos os países, em
todos estes movimentos, em diferentes países e culturas. Eles não têm
uma reivindicação concreta, mas querem o reconhecimento da própria
dignidade, pois as pessoas não se vêem reconhecidas como pessoas ou
cidadãos”. Castells reforçou que as semelhanças entre movimentos que
partem de causas tão distintas apenas enfatizam seu papel no século 21 –
e compara o que está acontecendo nos últimos anos com o que aconteceu
nos últimos 40 anos no que diz respeito às mulheres, sem se referir a um
autor, ideologia ou movimento feminista específico. “Foi um movimento
coletivo, em que todas as mulheres do mundo decidiram abandonar o papel
de sujeitada para assumirem o papel de sujeitas da história”, reforçou,
lembrando os avanços da ascensão do papel da mulher na sociedade na
última metade de século, principalmente em comparação a milênios de
história. E, segundo ele, isso está acontecendo de novo, nesta nova
forma de manifestação social – que demanda mudanças culturais mais do
que políticas.
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