Carta aberta para deter de forma urgente
o Programa ProSavana
O Programa ProSavana já está a ser implementado
através da componente “Quick Impact Projects” sem nunca ter sido
realizado, discutido publicamente e aprovado o Estudo de Avaliação de
Impacto Ambiental
04/06/2013
Sua Excelência Senhor Presidente da República de Moçambique, Armando Guebuza
Sua Excelência Senhora Presidente da República Federativa do Brasil, Dilma Rousseff
Sua Excelência Senhor Primeiro-Ministro do Japão, Shinzo Abe
O
Governo da República de Moçambique, em parceria com os Governos da
República Federativa do Brasil e do Japão, lançou, oficialmente, em
Abril de 2011, o Programa ProSavana. O referido programa resulta de uma
parceria trilateral dos três governos com o objetivo de, supostamente,
promover o desenvolvimento da agricultura nas savanas tropicais do
Corredor de Nacala, no Norte de Moçambique.
A
estratégia de entrada e implementação do ProSavana assenta-se e
fundamenta-se na necessidade, justificadamente, prioritária de combate à
pobreza e no imperativo nacional e humano de promoção do
desenvolvimento econômico, social e cultural do nosso país. Aliás, estes
têm sido os principais argumentos usados pelo Governo de Moçambique
para justificar a sua opção pela política de atracão de Investimento
Direto Estrangeiros (IDE) e consequente implantação de grandes
investimentos de mineração, hidrocarbonetos, plantações de monoculturas
florestais e agronegócios destinados a produção de commodities.
Nós,
camponeses e camponesas, famílias das comunidades do Corredor de
Nacala, organizações religiosas e da sociedade civil moçambicanas,
reconhecendo a importância e urgência do combate à miséria e da promoção
do desenvolvimento soberano e sustentado, julgamos oportuno e crucial
expressar as nossas preocupações e propostas em relação ao Programa
ProSavana.
O Programa ProSavana já está a ser
implementado através da componente “Quick Impact Projects” sem nunca ter
sido realizado, discutido publicamente e aprovado o Estudo de Avaliação
de Impacto Ambiental, uma das principais e imprescindíveis exigências
da legislação moçambicana para a implementação de projetos desta
dimensão, normalmente classificados como de Categoria A.
A
amplitude e grandeza do Programa ProSavana contrastam com o
incumprimento da lei e total ausência de um debate público profundo,
amplo, transparente e democrático impedindo-nos, (camponeses e
camponesas, famílias e a população), desta forma, de exercer o nosso
direito constitucional de acesso à informação, consulta, participação e
consentimento informado sobre um assunto de grande relevância social,
econômica e ambiental com efeitos diretos nas nossas vidas.
No
entanto, desde setembro de 2012 temos vindo a realizar um amplo debate e
encontros alargados com diversos sectores da sociedade moçambicana. De
acordo com os últimos documentos que tivemos acesso, o Programa
ProSavana constitui uma mega parceria entre os Governos de Moçambique,
Brasil e Japão que irá ocupar uma área estimada em 14.5 milhões de
hectares de terra, em 19 distritos das Províncias de Niassa, Nampula e
Zambézia, alegadamente, destinada para o desenvolvimento da agricultura
em grande escala nas savanas tropicais, localizadas ao longo do Corredor
de Desenvolvimento de Nacala.
Depois de vários
debates ao nível das comunidades dos Distritos abrangidos por este
programa, com autoridades governamentais moçambicanas, representações
diplomáticas do Brasil e Japão e suas respectivas agências de cooperação
internacional (Agência Brasileira de Cooperação-ABC e Agência de
Cooperação Internacional do Japão-JICA), constatamos haver muitas
discrepâncias e contradição nas insuficientes informações e documentos
disponíveis, indícios e evidências que confirmam a existência de vícios
de concepção do programa; irregularidades no suposto processo de
consulta e participação pública; sérias e iminentes ameaças de usurpação
de terras dos camponeses e remoção forçada das comunidades das áreas
que ocupam atualmente.
Senhor Presidente de
Moçambique, Senhora Presidente do Brasil e Senhor Primeiro-Ministro do
Japão, a cooperação internacional deve alicerçar-se com base nos
interesses e aspirações dos povos para construção de um mundo mais justo
e solidário. Entretanto, o Programa ProSavana não obedece esses
princípios e os seus executores não se propõem, muito menos, se mostram
disponíveis a discutir, de forma aberta, as questões de fundo associadas
ao desenvolvimento da agricultura no nosso país.
Senhor
Presidente Armando Guebuza gostaríamos de lembrar que sua excelência,
juntamente com milhões de moçambicanos e moçambicanas, sacrificou grande
parte da sua juventude, lutando para libertar o povo e a terra da
opressão colonial. Desde esses tempos difíceis, camponeses e camponesas,
com os pés firmes na terra, se encarregaram de produzir comida para a
nação moçambicana, erguendo o país dos escombros da guerra para a
edificação de uma sociedade independente, justa e solidária, onde todos
pudessem sentir-se filhos desta terra libertada.
Senhor
Presidente Guebuza, mais de 80% da população moçambicana tem na
agricultura familiar o seu meio de vivência, respondendo pela produção
de mais de 90% da alimentação do país. O ProSavana constitui um
instrumento para criação de condições ótimas para entrada no país de
corporações transnacionais, as quais irão, inevitavelmente, alienar a
autonomia das famílias camponesas e desestruturar os sistemas de
produção camponesa, podendo provocar o surgimento de famílias sem terra e
aumento da insegurança alimentar, ou seja, a perda das maiores
conquistas da nossa Independência Nacional.
Senhora
Presidente Dilma Rousseff, a solidariedade entre os povos moçambicano e
brasileiro vem desde os difíceis tempos de luta de libertação nacional,
passando pela reconstrução nacional durante e após os 16 anos de guerra
que Moçambique atravessou. Mais do que ninguém, a Senhora Presidente
Dilma sofreu a opressão e foi vítima da ditadura militar no Brasil e
conhece o custo da liberdade. Atualmente, dois terços dos alimentos
consumidos no Brasil são produzidos por camponeses e camponesas e não
pelas corporações que o Governo Brasileiro está a exportar para
Moçambique através do ProSavana.
Senhora
Presidente Dilma Rousseff, como se justifica que o Governo Brasileiro
não dê prioridade ao Programa de Aquisição de Alimentos de Moçambique, o
qual nós camponeses e camponesas apoiamos e incentivamos?
Paradoxalmente, todos os meios financeiros, materiais e humanos, a
vários níveis, são alocados para o desenvolvimento do agronegócio
promovido pelo ProSavana. Como se justifica que a cooperação
internacional entre o Brasil, Moçambique e Japão que devia promover a
solidariedade entre os povos converta-se num instrumento de facilitação
de transacções comerciais obscuras e promova a usurpação de terras
comunitárias que de forma secular usamos para a produção de comida para a
nação moçambicana e não só?
Senhor
Primeiro-Ministro Shinzo Abe, o Japão, através da JICA, durante décadas
contribuiu para o desenvolvimento da agricultura e outros sectores no
nosso país. Repudiamos a atual política de cooperação do Governo Japonês
com Moçambique no sector agrário. Mais do que o investimento em mega
infraestrutura no Corredor de Nacala para possibilitar o escoamento de
commodities agrícolas, através do Porto de Nacala, bem como o apoio
financeiro e humano ao ProSavana, entendemos que a aposta japonesa deve
concentrar-se na agricultura camponesa, a única capaz de produzir
alimentos adequados em quantidades necessárias para a população
moçambicana, assim como promover um desenvolvimento sustentado e
inclusivo.
Digníssimos representantes dos povos
de Moçambique, Brasil e Japão, vivemos uma fase da história marcada pela
crescente demanda e expansão de grandes grupos financeiros e
corporativos transnacionais pela apropriação e controlo de bens naturais
em nível global, transformando-os em mercadoria e assumindo-os como uma
oportunidade de negócios.
Excelências, diante
dos factos apresentados, nós, camponeses e camponesas de Moçambique,
famílias das comunidades rurais do Corredor de Nacala, organizações
religiosas e da sociedade civil, denunciamos e repudiamos com urgência:
-
A manipulação de informações e intimidação das comunidades e
organizações da sociedade civil que se opõem ao ProSavana, apresentando
alternativas sustentáveis para o sector agrário;
-
Os iminentes processos de usurpação de terras das comunidades locais
por corporações brasileiras, japonesas e nacionais; bem assim de outras
nações.
- O ProSavana fundamenta-se no aumento da
produção e produtividade baseada em monoculturas de exportação (milho,
soja, mandioca, algodão, cana de açúcar, etc), que pretende integrar
camponeses e camponesas nesse processo produtivo exclusivamente
controlado por grandes corporações transnacionais e instituições
financeiras multilaterais, destruindo os sistemas de produção da
agricultura familiar;
- A importação das contradições internas do modelo de desenvolvimento da agricultura brasileira para Moçambique.
Diante
das denúncias atrás apresentadas, nós camponeses e camponesas de
Moçambique, famílias das comunidades rurais do Corredor de Nacala,
organizações religiosas e da sociedade civil solicitamos e exigimos uma
intervenção urgente de V. Excias Senhor Presidente de Moçambique,
Senhora Presidente do Brasil e Senhor Primeiro-Ministro do Japão, na
qualidade de mandatários legítimos dos vossos povos, com o objetivo de
travar de forma urgente a lógica de intervenção do Programa Prosavana
que trará impactos negativos irreversíveis para as famílias camponesas
tais como:
- O surgimento de famílias e
Comunidades Sem Terra em Moçambique, como resultado dos processos de
expropriações de terras e consequentes reassentamentos;
- Frequentes convulsões sociais e conflitos socioambientais nas comunidades ao longo do Corredor de Nacala, e não só;
-
Agravamento e aprofundamento da miséria nas famílias das comunidades
rurais e redução de alternativas de sobrevivência e existência;
- Destruição dos sistemas de produção das famílias camponesas e consequentemente a insegurança alimentar;
- Aumento da corrupção e de conflitos de interesse;
-
Poluição dos ecossistemas, solos e recursos hídricos como resultado do
uso excessivo e descontrolado de pesticidas, fertilizantes químicos e
agrotóxicos;
- Desequilíbrio ecológico como
resultado de desmatamento de extensas áreas florestais para dar lugar
aos mega projetos de agronegócio.
Assim, nós
camponeses e camponesas, famílias das comunidades do Corredor de Nacala,
organizações religiosas e da sociedade civil nacionais signatárias
desta carta aberta manifestamos, publicamente, a nossa indignação e
repúdio contra a forma como o Programa ProSavana tem sido concebido e
tende a ser implementado nas nossas terras e comunidades do nosso país.
Defendemos
o desenvolvimento da agricultura baseado em sistemas de produção e não
em produtos, ou seja, a não destruição da lógica produtiva familiar que
para além de questões econômicas incorpora sobretudo a lógica de
ocupação de espaços geográficos, a dimensão social e antropológica, que
tem se revelado muito sustentável ao longo da história da humanidade.
Os
movimentos sociais e organizações signatárias desta carta aberta
dirigem-se à V. Excias Senhor Presidente Armando Guebuza, Senhora
Presidente Dilma Rousseff e Senhor Primeiro-Ministro Shinzo Abe, na
vossa qualidade de chefes de Governo e de Estado e legítimos
representantes dos povos de Moçambique, Brasil e Japão para requerer:
-
Que mandem tomar todas as medidas necessárias para suspensão imediata
de todas as ações e projetos em curso nas savanas tropicais do Corredor
do Desenvolvimento de Nacala no âmbito da implementação do Programa
ProSavana;
- Que o Governo de Moçambique mande
instaurar um mecanismo inclusivo e democrático de construção de um
diálogo oficial amplo com todos os sectores da sociedade moçambicana,
particularmente camponeses e camponesas, povos do meio rural,
comunidades do Corredor, organizações religiosas e da sociedade civil
com o objetivo de definir as suas reais necessidades, aspirações e
prioridades da matriz e agenda de desenvolvimento soberano;
-
Que todos os recursos humanos, materiais e financeiros alocados ao
Programa Prosavana sejam realocados na definição e implementação de um
Plano Nacional de Apoio a Agricultura Familiar sustentável (sistema
familiar), defendido há mais de duas décadas pelas famílias camponesas
de toda a República de Moçambique, com o objetivo de apoiar e garantir a
soberania alimentar de mais de 16 milhões de moçambicanos que têm na
agricultura o seu principal meio de vida;
- Que o
Governo moçambicano priorize a soberania alimentar, agricultura de
conservação e agroecológica como as únicas soluções sustentáveis para a
redução da fome e promoção da alimentação adequada;
-
Que o Governo moçambicano adote políticas para o sector agrário
centradas no apoio à agricultura camponesa, cujas prioridades
assentam-se no acesso ao crédito rural, serviços de extensão agrária,
sistemas de irrigação, valorização das sementes nativas e resistentes às
mudanças climáticas, infraestruturas rurais ligadas a criação de
capacidade produtiva e políticas de apoio e incentivo à comercialização
rural;
Finalmente e em função do enunciado acima,
nós camponeses e camponesas moçambicanas, famílias das comunidades
rurais do Corredor de Nacala, organizações religiosas e da sociedade
civil exigimos uma cooperação entre os países assente nos interesses e
aspirações genuínas dos povos; uma cooperação que sirva para a promoção
de uma sociedade mais justa e solidária. Sonhamos com um Moçambique
viável e melhor, onde todos os moçambicanos e moçambicanas possam
sentir-se filhos desta terra, unidos e engajados na construção de um
Estado cuja soberania emana e reside no Povo.
Fonte: http://www.brasildefato.com.br/node/13103
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