Brasil corre para abrir novas fronteiras na África
Atualizado em 11 de junho, 2013
O governo e algumas grandes empresas brasileiras estão apostando alto na abertura de novas fronteiras no mercado africano.
Nos últimos anos, o Brasil ampliou sua presença
econômica tanto na África lusófona - principalmente Angola e Moçambique -
quanto na África do Sul (considerada um dos "mercados maduros" da
região, junto com países do norte africano).
Agora, segundo explicou à BBC Brasil o embaixador Paulo Cordeiro,
subsecretário-geral do Ministério de Relações Exteriores para África e
Oriente Médio, um dos grandes desafios da diplomacia brasileira é criar
condições para que um número cada vez maior de empresas explore novas
fronteiras de investimento em mercados africanos emergentes, como
Etiópia, Nigéria, Sudão, Quênia, Guiné, Tanzânia, Senegal e Gana.
"Isso constitui boa parte de meu trabalho.
Estamos empenhados em criar condições para essa expansão e em convencer a
sociedade brasileira de que o continente africano tem muitas
oportunidades interessantes - e não só nos países lusófonos", disse
Cordeiro.
As iniciativas oficiais nesse sentido vão desde
programas de cooperação militar e técnica até projetos para ampliar o
financiamento a investimentos no continente e ações de aproximação
política.
Elas acompanham um movimento de algumas grandes
empresas brasileiras, que há algum tempo estão prospectando novos
negócios em países que até pouco eram sinônimo de conflitos e extrema
pobreza, atraídas principalmente por oportunidades nos setores de
infraestrutura e exploração de recursos naturais.
Segundo Cordeiro, é nesses planos de expansão
que se inseriria a decisão anunciada recentemente pela presidente Dilma
Rousseff de cancelar ou renegociar de US$ 900 milhões (R$ 1,9 bilhão) em
dívidas de países africanos com o Brasil.
Financiamentos
Um total de 12 países serão beneficiados pela
decisão: Congo, Tanzânia, Zâmbia, Senegal, Costa do Marfim, República
Democrática do Congo, Gabão, Guiné, Mauritânia, Sudão, São Tomé e
Príncipe e Guiné-Bissau - sendo apenas os dois últimos parte da
comunidade lusófona.
Até agora, os bancos estatais brasileiros não
podiam financiar investimentos e fluxos de comércio para esses países
pelo fato de eles terem dívidas não quitadas com o Brasil.
Bolsa de commodity em Adis Abeba, capital da Etiópia:
investimentos em alta
A medida permitirá que o BNDES e o Banco do
Brasil financiem exportações brasileiras, bem como investimentos e obras
de infraestrutura tocadas por empresas do país (hoje quase todos os
empréstimos do BNDES para projetos na África vão para Moçambique e
Angola).
"A demanda por investimentos e cooperação que
temos recebido dos países africanos é imensa", disse Cordeiro. "A
Tanzânia quer empresas brasileiras construindo hidrelétricas, por
exemplo, e o Gabão pede investimentos na área de petróleo. Também já
temos companhias do país interessadas em apostar nesses mercados - o que
falta é justamente meios para financiar tais empreendimentos."
Segundo o embaixador, para resolver esse
problema, também teria sido proposto ao BNDES que o banco crie uma
diretoria responsável exclusivamente por empréstimos para a África e
América Latina.
"Precisamos pensar em instrumentos financeiros
adequados para esses projetos na África e entender quais poderiam ser
suas garantias", diz o diplomata.
Cooperação
Cordeiro lembra que no campo da cooperação
técnica, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) já tem
projetos em diversos países africanos - entre eles Senegal, Mali e Gana.
E na área militar, pode ser mencionado a cooperação brasileira na
formação da marinha da Namíbia.
Nos últimos três meses, Dilma fez três viagens à
África. Além da passagem pela Etiópia, onde participou da comemoração
do Jubileu de Ouro da União Africana no mês passado, em fevereiro a
presidente foi à Guiné Bissau para a 3ª Cúpula América do Sul-África e à
Nigéria para encontrar o presidente Goodluck Jonathan.
Em março, ela participou, na África do Sul, da
5ª Cúpula dos Brics -e na ocasião também se encontrou com líderes de
outros países africanos.
Além disso, segundo o Itamaraty, nos últimos
anos foram feitos esforços para ampliar a infraestrutura das embaixadas
na África - que mais que dobraram na última década, fazendo o Brasil
ocupar, juntamente com a Rússia, a quarta posição no ranking das nações
com mais representações no continente (atrás dos Estados Unidos, China e
França).
Para o governo brasileiro, o interesse na
aproximação com os países da "nova fronteira" africana é tanto econômico
como político.
De um lado, os 54 países do continente poderiam
supostamente representar uma fonte de apoio importante para o Brasil em
votações para postos-chave do sistema de governança internacional (como
no recente caso da eleição do diretor-geral da Organização Mundial do
Comércio, a OMC).
De outro, a África concentra hoje 6 dos 10
países que mais crescem no mundo, de acordo com o FMI, o que abriria uma
série de oportunidades comerciais e de investimentos - que de fato já
estão atraindo interesse das grandes empresas brasileiras.
Interesses comerciais
As trocas comerciais entre Brasil e África passaram de us$ 5 bilhões em 2002 para us$ 26,5 bilhões em 2012.
E de acordo com a consultoria Ernst & Young,
embora o Brasil represente apenas 0,6% dos investimentos estrangeiros
nos 54 países africanos, desde 2007 os aportes brasileiros cresceram
10,7% ao ano.
"O empresariado brasileiro está começando a
descobrir a África: as construtoras foram pioneiras nesse mercado e
agora estão ajudando a 'puxar' outras empresas", disse à BBC Brasil
Soraya Rosar, diretora de Negociações Internacionais da Confederação
Nacional da Indústria (CNI).
"Mas ainda há relativamente poucos investimentos em manufatura. Nisso estamos ficando para trás de chineses e indianos."
A Petrobras tem ativos na Nigéria, Tanzânia e Namíbia.
A Vale entrou na África em 2004 e hoje está
presente no Gabão, Libéria, Guiné, República Democrática do Congo,
Zâmbia, Malauí e África do Sul (além de Angola e Moçambique) - tendo
planos para investir US$ 7 bilhões (R$15 bilhões) no continente nos
próximos anos.
Fora da comunidade lusófona, a construtora
baiana OAS já tem sucursais em Guiné, Gana e Guiné Equatorial. A
Odebrecht está presente nesses mesmos países e na Libéria e na Líbia
(onde a Camargo Correa também já toca uma série de projetos).
"Temos ainda algumas experiências de empresas de
menor porte: desde uma empresa do Pará que está participando de obras
em Benin, até um agricultor do Ceará que em parte do ano planta melão no
Senegal para manter sua linha de exportação para a Europa", diz
Cordeiro.
Onda africana
Evidentemente, não é só o Brasil que está de
olho nesses mercados de fronteira africanos. Com a América Latina
desacelerando, a África - segunda região do mundo que mais cresce,
depois da Ásia - passou atrair a atenção de investidores e consultorias
de negócios internacionais.
Mercado de rua em Nairóbi, no Quênia: mercado consumidor
africano já atrai empresas estrangeiras
"Na realidade, em muitos países africanos os
brasileiros estão mesmo chegando tarde se comparados com a China, a
Índia e alguns países europeus", disse Anthony Thunstrom, especialista
em África da consultoria KPMG.
Países como a Etiópia e a Nigéria há dez anos
tem crescido mais de 7% ao ano e atraem empresas estrangeiras com taxas
de retorno ao investimento que variam de 20% a 30% (embora continuem
entre os mais pobres do mundo).
Muitas companhias estão de olho em oportunidades
nos setores agrícolas africanos e na exploração de petróleo e minérios.
Outras, são atraídas pelas inúmeras obras e projetos levados adiante
para suprir o imenso deficit de infraestrutura do continente.
E também há as empresas interessadas no
crescente mercado consumidor africano - como o Wal-Mart e a produtora de
bebidas Diageo, que recentemente entraram na Etiópia.
Riscos
É claro que os riscos e custos de se fazer negócios em muitos desses países ainda são importantes.
Problemas como corrupção, instabilidade
política, precariedade logística e pobreza extrema não desapareceram do
continente africano de uma hora para outra - ao contrário do que
relatórios entusiasmados de algumas consultorias de negócios - ou os
discursos de algumas autoridades brasileiras - podem fazer parecer.
Por causa de mudanças políticas na Guiné, por
exemplo, a própria Vale foi obrigada a renegociar seus contratos para a
exploração do complexo de Simandou, considerada a maior reserva
inexplorada de minério de ferro do planeta. O projeto ficou paralisado
por meses.
Também há quem ainda não esteja totalmente convencido de que o crescimento africano será sustentável.
Para Elsie Kanza, chefe da seção africana do
World Economic Forum, por exemplo, se os africanos não investirem em
educação, se empenharem em reduzir rapidamente seu problema de falta de
infraestrutura e implementarem uma mudança estrutural em sua economia,
desenvolvendo manufaturas e setores mais complexos, o continente pode
acabar desacelerando.
O professor José Flávio Sombra Saraiva,
Professor de Relações internacionais da Universidade de Brasília (UNB)
especialista em relações com a África, concorda: "As perspectivas para a
região são boas, mas para garantir a sustentabilidade desse crescimento
são necessárias muitas reformas e esforços para que toda a população se
beneficie dessa nova onda de investimentos," disse ele à BBC Brasil.
No caso de um arrefecimento da expansão
africana, não há como negar que muitas empresas e investidores teriam de
rever seus planos - inclusive brasileiros.
"O risco sempre existe, mas podemos mitigá-lo e trabalhar com ele", arrisca Cordeiro.
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