Manifestação para exigir o número de identificação único (JMB) em frente ao
parlamento, em Sarajevo, a 11 de junho de 2013. Luca Bonacini
O caso de uma bebé gravemente doente que não pôde
sair fronteiras devido a um vazio legal que o Governo não conseguiu
resolver, levantou uma onda de protestos sem precedente, superando pela
primeira vez as divisões étnicas.
A pressão vinda de baixo e a vontade política de cima – pode
ser essa a via para a resolução da quadratura do círculo na Bósnia. O movimento de protesto dos cidadãos
que recentemente se alastrou à Bósnia-Herzegovina, associado a uma
evolução positiva na região, pode levar a mudanças decisivas no país
mais complexo da antiga Jugoslávia. [A Bósnia-Herzegovina está
organizada de acordo com o princípio da distinção étnica e é composta
pela Federação Bósnio-Croata e a República Sérvia da Bósnia.]
No início de junho, algumas centenas de cidadãos de Sarajevo saíram
às ruas para expressar o limite da sua paciência em relação a uma
aberração produzida pelos Acordos de Dayton [acordos de 1995 que puseram
fim à guerra, mas apoiaram a partição étnica da Bósnia-Herzegovina]. O
caso de uma bebé doente foi a gota que fez transbordar o copo. A pequena
Belmina Ibrisević não conseguiu ir tratar-se na Alemanha, porque os
políticos do país não conseguem chegar a acordo sobre o número de
identificação nacional [o bilhete de identidade]. Sem esse número, não
puderam emitir-lhe o passaporte. [A bebé acabou por falecer a 16 de
junho, em Sarajevo].
Nascimento de um movimento cidadão
Desde 12 de fevereiro que nenhum recém-nascido consegue obter o
respetivo número de registo administrativo. Em sinal de protesto, os
cidadãos reuniram-se frente ao parlamento, que reunia naquele dia, e cercaram-no.
Obrigaram assim os seus representantes a entregar o passaporte à
criança doente, recorrendo a um procedimento de emergência. Agora,
fala-se de uma “Bébolution” (uma revolução dos bebés), em Sarajevo.
Desde 11 de junho, dezenas de milhares de pessoas já bloquearam o
trânsito em Sarajevo, para exigir a resolução do problema dos bilhetes
de identidade nacionais e, mais genericamente, a europeização do país.
Em Banja Luka [capital da República Sérvia da Bósnia], foram os
estudantes que saíram às ruas para defender os seus direitos, apesar da
proibição da manifestação. Os estudantes também protestaram em Mostar.
Num país profundamente dividido do ponto de vista étnico, nasce um
movimento cidadão.
Simultaneamente, assiste-se a mudanças históricas na vizinhança da
Bósnia-Herzegovina: a Croácia está à beira da adesão à União Europeia [a
partir de dia 1 de julho], enquanto os dirigentes da Sérvia abandonaram
finalmente o projeto da Grande Sérvia. O poder nacionalista de Belgrado
deu um enorme passo em frente, ao assinar o acordo histórico sobre a
normalização do Kosovo.
O Presidente sérvio, Tomislav Nikolić, braço direito de Vojslav
Seselj (dirigente nacionalista do Partido Radical Sérvio, atualmente em
julgamento no Tribunal Penal Internacional para a Ex-Jugoslávia – TPIY
–, em Haia) na década de 1990, conduz hoje a Sérvia para a Europa. É
provavelmente a mudança política mais importante dos últimos 20 anos na
ex-Jugoslávia e um sinal de esperança para a Bósnia-Herzegovina.
A Croácia deve envolver-se
Se o passaporte de Belmina Ibrisević pode mostrar aos bósnios que
existem maneiras de obter resultados e, se a pressão cívica continuar,
os políticos do país podem concluir que é do seu interesse entender-se,
em vez de agirem no sentido da desintegração do país. No entanto, os
principais partidos sérvios e croatas, a União dos Sociais Democratas
Independentes (SNSD) e a União Democrática Croata da Bósnia-Herzegovina
(HDZ-BiH) continuam a minar ativamente as instituições comuns,
anunciando agora que se recusam a ir a Sarajevo “por causa da
insegurança causada pelas manifestações”.
Mas se Nikolić conseguisse convencer Milorad Dodik [primeiro-ministro
da República Sérvia da Bósnia] de que não tem outro caminho para a
Europa senão sob a bandeira da Bósnia-Herzegovina – depois do Kosovo,
devia ser a condição imposta à Sérvia para a sua integração europeia –,
contrariava-se a política antibósnia da República Sérvia da Bósnia.
A Croácia deve envolver-se seriamente, também ela, neste esforço de
persuasão. Especialmente porque os dirigentes da HDZ-BiH, copiando a
atitude dos deputados sérvios-bósnios, anunciaram que também não se
deslocariam para conversações em Sarajevo. Zagreb não deve abrandar a
pressão sobre a Bósnia-Herzegovina. Enquanto novo membro
da União Europeia, a Croácia tem de mostrar como se faz avançar a
Europa, em vez de ficar a ver, sem reagir, os vizinhos meterem paus nas
engrenagens.
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