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sábado, 18 de abril de 2015

A água revela o despreparo do Brasil para enfrentar os impactos do clima

A água revela o despreparo do Brasil para enfrentar os impactos do clima


08/04/2015 - Artigo de Mario Mantovani*, originalmente publicado no Brasil Post - A água é o elemento da natureza que melhor expressa os impactos do clima, quer seja por secas estremas ou grandes enchentes, e evidencia como estamos sendo, todos, diretamente afetados. Viva em uma grande metrópole ou no campo, os impactos do desmatamento e da poluição nos atingem diariamente e podem ser sentidos nas coisas mais corriqueiras do cotidiano, desde a falta d’água ao preço dos alimentos ou de contas como de água e luz.


Apesar das evidencias e dos alertas da comunidade científica, nem mesmo a falta de chuvas na região sudeste, que ganhou o status de crise hídrica e ressuscitou o fantasma do apagão, foi suficiente para fazer com que o Brasil se posicionasse em relação ao compromisso que levará à Conferencia do Clima de Paris com medidas efetivas para combater o desmatamento e reduzir as emissões de CO2.
Autoridades e governantes ainda se mantêm céticos perante a importância da preservação das florestas e da Mata Atlântica para garantir água, resiliência, qualidade de vida nas cidades e sustentabilidade às atividades produtivas. A demora na implementação de políticas públicas e medidas efetivas para enfrentamento da crise da água, somada ao contexto político, econômico e de descredito da sociedade em muitas instituições públicas, tem levado organizações civis e movimentos sociais a promoverem ações, campanhas e iniciativas locais para minimizar os problemas. As soluções criativas e solidárias, além das mudanças de comportamento, ajudam, mas são insuficientes diante da dimensão dos impactos e do modelo de desenvolvimento que ainda prevalece no país.
A situação das nossas cidades é muito diferente da dos discursos e dos compromissos diplomáticos, que não são implementados efetivamente. Desde 2011, o Brasil se comprometeu com a Estratégia Internacional para Redução de Desastres (Eird), coordenada pela Organização das Nações Unidas (ONU) para construção de cidades resilientes. Segundo a Estratégia, “Cidades Resilientes” são aquelas capazes de resistir, absorver e se recuperar de forma eficiente de desastres ou impactos do clima, e de maneira organizada, prevenir para evitar que vidas e bens sejam perdidos. Esse compromisso envolve dez providências essenciais que deveriam ser implementadas por prefeitos e gestores públicos. As principais delas são o planejamento e o uso do solo, a implantação e manutenção de infraestrutura, saneamento básico, áreas verdes e áreas protegidas, educação e participação das comunidades e da sociedade civil organizada.
No Brasil, ainda estamos longe dessa realidade, mas alguns municípios, como o Rio de Janeiro, começam a dar os primeiros passos em busca desse compromisso. Em janeiro de 2015, a Prefeitura do Rio de Janeiro lançou o documento “Rio Resiliente: Diagnóstico e Áreas de Foco”, em que aponta cinco vulnerabilidades climáticas da cidade: chuvas fortes, ventos fortes, ondas e ilhas de calor, elevação do nível do mar e seca prolongada. O objetivo desse documento, segundo a Prefeitura, é indicar à sociedade e às gestores públicos os desafios a serem enfrentados nos próximos anos e décadas, de forma que a preocupação ambiental seja efetivamente incorporada no planejamento de longo prazo da cidade. Uma vez identificadas essas vulnerabilidades, a próxima etapa é apresentar projetos concretos que as mitiguem, evitando que a cidade seja surpreendida como se deu no caso recente da crise hídrica no sudeste. A Prefeitura já avalia formas de promover a eficiência energética e hídrica de seus prédios, inclusive suas quase 1.500 escolas. No caso de chuvas fortes, o maior problema, por ocasionar vítimas fatais, é o deslizamento em encostas de morros. Com a implantação de um radar meteorológico e do Centro de Operações Rio em 2010, mapeamento geológico, instalação de sirenes e abrigos, assim como treinamento de comunidades para evacuação, não há registro de mortes por deslizamentos desde o verão de 2011.
A mitigação ou redução de riscos e desastres decorrentes da ocupação irregular dessas áreas de risco, que deveriam ser aquelas áreas de preservação permanente (APP) urbanas, localizadas em margens de rios e fundos de vale, conservam ecossistemas e ambientes mais equilibrados e promovem impactos positivos em saúde pública e bem-estar das comunidades. Infelizmente, essas áreas que devem ser preservadas para garantir segurança às populações e aumentar a resiliência das cidades, estão ameaças por mais retrocessos na legislação ambiental.
Tramita no Congresso Nacional mais um projeto de lei (PL6830/2013) de autoria do Deputado Valdir Colato (PMDB-SC) que pode reduzir as APPs urbanas, transferindo para os municípios a autonomia para estabelecer o tamanho das faixas de preservação. Atualmente, o Código Florestal estabelece o tamanho da APP em áreas rurais e urbanas, cabendo aos municípios legislar de forma complementar a essa norma Federal. Esse é apenas mais um exemplo prático de como alguns legisladores, motivados muitas vezes por interesses pontuais, ou desconhecimento, insistem em manter o Brasil na contramão da história. Enquanto países e cidades renaturalizam rios e ampliam instrumentos de proteção às suas florestas para evitar acidentes, aqui buscam de forma recorrente desproteger.
Por isso, é preciso estar atento às votações e projetos de lei que tramitam no Poder Legislativo e que podem impactar ainda mais as nossas vidas. E exigir que o Governo Brasileiro assuma compromisso efetivo com o desmatamento e com um novo modelo de desenvolvimento para o país.
*Mario Mantovani é diretor de Políticas Públicas da Fundação SOS Mata Atlântica, ONG brasileira que desenvolve projetos e campanhas em defesa das Florestas, do Mar e da qualidade de vida nas Cidades. Saiba como apoiar as ações da Fundação.
Fonte: http://www.sosma.org.br/artigo/agua-revela-o-despreparo-brasil-para-enfrentar-os-impactos-clima/

quinta-feira, 16 de abril de 2015

A AMÉRICA LATINA NA DINÂMICA DA GUERRA GLOBAL

A AMÉRICA LATINA NA DINÂMICA DA GUERRA GLOBAL




 Jorge Beinstein 
Tudo ao mesmo tempo: em meados do mês de Março de 2015 os Estados Unidos deram um salto qualitativo de claro perfil belicista nas suas acções contra a Venezuela, também desenvolvem exercícios militares em países limítrofes com a Rússia na chamada operação “Atlantic Resolve”, algumas dessas operações são realizadas a uns 100 quilómetros de São Petersburgo [1] , além disso intensificam-se informações acerca de uma nova ofensiva do governo de Kiev contra a região do Donbass [2] , aumenta a circulação de naves de guerra da NATO no Mar Negro, continuam as velhas guerras imperiais no Iraque e no Afeganistão às quais acrescentou-se a seguir a ofensiva contra a Síria (passando pela Líbia)… e muito mais…
Evidentemente o Império está lançado numa catastrófica fuga militar para a frente estendendo suas operações a todos os continentes, encontramo-nos em plena guerra global. Nem os grandes meios de comunicação, nem os dirigentes internacionais mais importantes registaram publicamente o facto, todos falam como se vivêssemos em tempos de paz, só em alguns poucos casos surgem alguns deles a advertir sobre o perigo de guerra mundial ou regional. Uma excepção recente é a do Papa Francisco quando afirmou que actualmente nos encontramos perante “uma terceira guerra mundial” que ele descreve como a desenvolver-se “por partes” ainda que sem designar os contendores e fazendo vagas referências à “cobiça” e a “interesses espúrios” com a linguagem confusa e jesuítica que o caracteriza [3] .
A cada mês acrescenta-se algum novo indiciar que anuncia a proximidade de uma nova recessão global muito mais forte e extensa que a de 2009. O capitalismo, a começar pelo seu polo imperialista, foi-se convertendo velozmente num sistema de saqueio onde a reprodução das forças produtivas fica completamente subordinada à lógica do parasitismo. As elites imperiais e suas lumpen-burguesias satélites “necessitam” super-explorar até ao extermínio seus recursos naturais e mercados periféricos para sustentar as taxas de lucro do seu decadente sistema produtivo-financeiro.
As tendências globais rumo à decadência económica exprimem-se de múltiplas maneiras no dia a dia. Dentre elas, a volatilidade dos preços das matérias-primas, o petróleo por exemplo, chave mestra da economia mundial, cujo estancamento extractivo (que não conseguiu ser superado pelo show mediático em torno do “milagroso” petróleo de xisto) combina-se com desacelerações da procura internacional como ocorre actualmente. A isso somam-se golpes especulativos e geopolíticos que convertem os mercados em espaços instáveis onde as manobras de curto prazo impõem a incerteza.
O curto-prazismo especulativo hegemónico engendra pacotes tecnológicos depredadores como a mineração a céu aberto, a fracturação hidráulica ou a agricultura com base em transgénicos acompanhados por operações políticas e comunicacionais que degradam, desarticulam sistemas sociais procurando convertê-los em espaços indefesos diante dos saqueios.
O optimismo económico da época do auge neoliberal deu lugar ao pessimismo do “estancamento secular” agora apregoado pelos grandes peritos do sistema [4] . Eles indicam que a salvação do capitalismo não chegará a partir da economia condenada a sofrer recessões ou crescimentos insignificantes, o melhor é nem falar demasiado desses tristes temas. Então a guerra ascende ao primeiro plano, algum massacre protagonizado por tropas regulares ou mercenários, algum bombardeio, alguma ameaça de ataque na Europa do Leste, Ásia, África ou América Latina. Os meios de comunicação nos esmagam com essa notícias, contudo ninguém fala da guerra global.
Tudo acontece como se a dinâmica da guerra se houvesse autonomizado mas empregado um discurso embrulhado, difícil de entender. Mas assim como os super-poderes dos homens de negócios dos anos 1990 não eram independentes e sim compartilhados no interior de uma complexa trama de poderes (políticos, mediáticos, militares, etc) que em termos gerais costuma-se denominar como “classe dominante”, também a aparente autonomia do militar dificulta-nos ver as redes mafiosas de interesses onde se borram as fronteiras entre os seus componentes. As elites da era neoliberal sofreram mudanças decisivas, experimentaram mutações que as converteram em classes completamente degeneradas que, cada vez mais, só podem recorrer à força bruta, à lógica da guerra. Não se trata portanto de a componente militar se autonomizar e sim, antes, de que as elites imperialistas se militarizam. Elas já não seduzem com ofertas de consumo mais algumas doses de violência, agora só propagam o medo, ameaçam com as suas armas ou utilizam-nas.
Progressismos latino-americanos
Dentro desse contexto global devemos avaliar os progressismos latino-americanos [5] que se instalaram na base das crises de governabilidade dos regimes neoliberais.
Os bons preços internacionais das matérias-primas durante a década passada, somados a políticas de contenção social dos pobres, permitiram-lhes recompor a governabilidade dos sistemas existentes. Em alguns desses casos desenvolveram-se ampliações ou renovações das elites capitalistas e em quase todos eles prosperaram as classes médias. Os governos progressistas iludiram-se supondo que as melhorias económicas lhes permitiram ganhar politicamente os referidos sectores mas, como era previsível, ocorreu o contrário: as camadas médias iam para a direita e, enquanto ascendiam, olhavam com desprezo os de baixo e assumiam como próprios os delírios mais reaccionários das suas burguesias. A explicação é simples, na medida em que são preservados (e ainda fortalecidos) os fundamentos do sistema e em que seus núcleos decisivos radicalizam seus elitismo depredador seguindo a rota traçada pelos Estados Unidos (e “Ocidente” em geral) produz-se um encadeamento de subculturas neo-fascistas que vão desde acima até abaixo, desde o centro até as burguesias periféricas e desde estas até suas camadas médias. Na Venezuela, Brasil ou Argentina as classes médias melhoravam seu nível de vida e ao mesmo tempo despejavam seus votos nos candidatos da direita velha ou renovada.
Estabeleceu-se um conflito interminável entre governos progressistas que tornavam governáveis os capitalismos locais e direitas selvagens ansiosas por realizar grandes roubos e esmagar os pobres. O progressismo, confrontado politicamente com essa direita qualificada de “irresponsável”, cujos fundamentos económicos respeitava, chantageava aqueles na esquerda que criticavam sua submissão às regras do jogo do capitalismo utilizando o papão reaccionário (“nós ou a besta”), acusando-os de fazerem o jogo da direita. Na realidade o progressismo é um grande jogo favorável ao sistema e em última análise à direita, sempre em condições de retornar ao governo graças à moderação, à “astúcia” aparentemente estúpida dos progressistas que por vezes conseguem cooptar esquerdas claudicantes cuja obsessão em “não fazer o jogo da direita” (e simultaneamente integrar-se no sistema) é completamente funcional à reprodução do país burguês e em consequência a essa detestável direita.
Agora o jogo começa a esgotar-se. Os progressismos governantes, com diferentes ritmos e variados discursos, acossados pelo arrefecimento económico global e pelo crescente intervencionismo dos Estados Unidos, vão perdendo espaço político. Em vários casos suas dificuldades fiscais pressionam-nos a ajustar despesas públicas (e de modo algum a reduzir os super lucros dos grupos económicos mais concentrados), a aceitar as devastações da mega-mineração ou a adoptar medidas que facilitam a concentração de rendimentos. No Brasil, o segundo governo Dilma colocou um neoliberal puro e duro no comando da política económica, encurralado por uma direita ascendente, uma economia oscilando entre o estancamento e a recessão e uma intervenção norte-americana cada vez mais activa. No Uruguai o novo governo de Tabaré Vazquez mostra um rosto claramente conservador e no Chile a presidência Bachelet não precisa correr demasiado à direita, depois da sua rosada demagogia eleitoral afirma-se como continuidade do governo anterior e em consequência, passada a confusão inicial, herdará também a hostilidade de importantes faixas de esquerda e dos movimentos sociais.
Na Argentina, o núcleo duro agro-mineral exportador-financeiro e os grupos industriais exportadores mais concentrados estão mais prósperos do nunca enquanto a ingerência norte-americana amplia-se conduzindo o jogo de títeres políticos rumo a uma ruptura ultra-direitista. Na Venezuela a eterna transição rumo a um socialismo que nunca acaba de chegar não conseguiu superar o capitalismo ainda que torne caótico o seu funcionamento, forjando desse modo o cenário de uma grande tragédia. Por enquanto só a Bolívia parece salvar-se da avalanche, afirmando-se na maior mutação social da sua história moderna sem superar o âmbito do subdesenvolvimento capitalista mas recompondo-o integrando as massas submersas, multiplicando por mil o que havia feito o peronismo na Argentina entre 1945 e 1955 (de qualquer forma isso não a liberta da mudança de contexto regional-global).
Na América Latina assistimos a um processo de crise muito profundo onde convergem progressismos declinantes com neoliberalismo integralmente degradados, como na Colômbia ou no México, conformando um panorama comum de perda de legitimidade do poder político, avanços de grupos económicos saqueadores e activismo imperialista cada vez mais forte.
A este panorama sombrio é necessário incorporar elementos que dão esperança, sem os quais não poderíamos começar a entender o que está a ocorrer. Por debaixo dos truques políticos, dos negócios rápidos e das histerias fascistas aparecem os protestos populares multitudinários, a persistência de esquerdas não cooptadas pelo sistema (para além dos seus perfis mais ou menos moderados ou radicais), a presença de insurgências incipientes ou poderosas (como na Colômbia).
Nem os cantos de sereia progressistas nem a repressão neoliberal puderam fazer desaparecer ou marginalizar completamente esses fantasmas. Realidade latino-americana que preocupa os estrategas do Império, que temem o que consideram como sua inevitável arremetida contra a região possa desencadear o inferno da insurgência continental. Nesse caso o paraíso dos grandes negócios poderia converter-se num grande atoleiro onde afundaria o conjunto do sistema.
Geopolítica do Império, integrações e colonizações
A estratégia dos Estados Unidos aparece articulada em torno de três grandes eixos; o transatlântico e o transpacífico que apontam num gigantesco jogo de pinças contra a convergência russo-chinesa centro motor da integração euro-asiática. E a seguir o eixo latino-americano destinado à recolonização da região.
Os Estados Unidos tentam converter a massa continental asiática e sua ampliação russo-europeia num espaço desarticulado, com grandes zonas caóticas, objecto de saqueio e super-exploração.
Os recursos naturais, assim como os laborais, desses territórios constituem seu centro de atenção principal, na elipse estratégica que cobre o Golfo Pérsico e a Bacia do Mar Cáspio estendendo-se em direcção à Rússia encontram-se 80% da reservas globais de gás e 60% das de petróleo e na China habitam pouco mais de 230 milhões de operários industriais (aproximadamente um terço do total mundial).
A América Latina aparece como o pátio traseiro a recolonizar. Ali se encontram, por exemplo, as reservas petrolíferas da Venezuela (as primeira do mundo, 20% do total global), cerca de 80% das reservas mundiais de lítio (num triângulo territorial compreendido pelo Norte do Chile e Argentina e pelo Sul da Bolívia) imprescindível na futura indústria do automóvel eléctrico, as reservas de gás e petróleo de xisto do Sul argentino, fabulosas reservas de água doce do aquífero guarani entre o Brasil, o Paraguai e a Argentina.
Uma das ofensivas fortes do Império na década passada foi a tentativa de constituição da ALCA, zona de livre comércio e investimentos que significava a anexação económica da região por parte dos Estados Unidos. O projecto fracassou, a ascensão do progressismo latino-americano somado à emergência de potências não ocidentais, sobretudo a China, e o atolamento estado-unidense na sua guerra asiáticas foram factores decisivos que em diferentes medidas debilitaram a investida imperial.
Mas a partir da chegada de Obama à presidência os Estados Unidos desencadearam uma ofensiva flexível de reconquista da América Latina: foi posta em marcha uma complexa mescla de pressões, negociações, desestabilizações e golpes de estado. Os golpes brandos com êxito em Honduras e no Paraguai, as tentativas de desestabilização no Equador, Argentina, Brasil e sobretudo na Venezuela (onde vai-se perfilando uma intervenção militar), mas também a tentativa em curso de extinção negociada da guerrilha colombiana e a domesticação de Cuba fazem parte dessa estratégia de recolonização.
A mesma é implementada através de uma sucessão de tentativas suaves e duras tendente a desarticular as resistências estatais e os processos de integração regional (Unasul, Celac, Alba) e extra-regionais periféricos (BRICS, acordos com a China e a Rússia, etc) assim como a bloquear, corromper ou dissolver as resistências sociais e as alternativas políticas mais avançadas, em curso ou potenciais. Tentando levar avante uma dinâmica de desarticulação mas procurando evitar que a mesma gere rebeliões que se propaguem como um rastilho de pólvora numa região actualmente muito inter-relacionada.
Sabem muito bem que em muitos países da região a substituição de governos “progressistas” por outros abertamente pró imperialistas significa a ascensão de camarilhas enlouquecidas que a curto prazo causariam situações de caos que poderiam desencadear insurgências perigosas. Alguns estrategas do Império acreditam poder neutralizar esse perigo com o próprio caos, desenvolvendo “guerras de quarta geração” instalando diferentes formas de violência social desestruturante combinadas com destruições mediático-culturais e repressões selectivas. Nesse sentido, o modelo mexicano é para eles (por agora) um paradigma interessante.
Temem por exemplo que um cenário de caos fascista na Venezuela derive numa guerra popular que os obrigaria a intervir directamente num conflito prolongado, o que somado às suas guerras asiáticas os conduziria a uma super extensão estratégica ingovernável. É por isso que consideram imprescindível obter o apaziguamento da guerrilha colombiana, potencial aliada estratégica de uma possível resistência popular venezuelana.
O panorama é completado com o processo de integração colonial dos países da chamada Aliança do Pacífico (México, Colômbia, Peru e Chile). A isso somam-se os tratados de livre comércio de maneira individual com países da América Central e outros como o Chile e a Colômbia e o velho tratado entre EUA, Canadá e México.
Integração colonial e desarticulação, manipulação do caos e fortalecimento de pólos repressivos, Capriles mais Peña Nieto, Ollanta Humana mais Santos mais bandos narco-mafiosos… tudo isso dentro de um contexto global de decadência sistémica onde a velha ordem unipolar declina sem ser substituída por uma nova ordem multipolar. Tentativa de controle imperialista da América Latina submersa na desordem do capitalismo mundial.
O cérebro do Império não consegue superar as mazelas do seu corpo envelhecido e enfermo, os delírios reproduzem-se, as fugas para a frente multiplicam-se. Evidentemente encontramo-nos num momento histórico decisivo.
Notas

[1] Finian Cunningham, “NATO’s Shadow of Nazi Operation Barbarossa”, Strategic Culture Foundation, 13/03/2015
[2] Colonel Cassad, “Ukraine: Reprise de la guerre au printemps?”, http://lesakerfrancophone.net/ le 13 mars 2015
[3] “El papa Francisco advirtió que vivimos una tercera guerra mundial combatida ‘por partes’ “, http://www.lanacion.com.ar , 13 de septiembre de 2014
[4] Laurence H Summers, “Reflections on the ‘New Secular Stagnation Hypothesis'” y Robert J Gordon, “The turtle’s progress: Secular stagnation meets the headwinds” en “Secular Stagnation: Facts, Causes, and Cures”, CEPR Press, 2014.
[5] Utilizo o termo “progressista” no sentido mais amplo, desde governos que se proclamam socialistas ou pró socialistas como na Venezuela ou Bolívia até outros de corte neoliberal-progressista como os do Uruguai ou Brasil.

Fonte: http://controversia.com.br/15792

Fonte: http://www.indiretasdageografia.com.br/2015/04/a-america-latina-na-dinamica-da-guerra.html

segunda-feira, 13 de abril de 2015

Cidades gigantes, desafios gigantes

Cidades gigantes, desafios gigantes


Centros urbanos da América Latina precisam planos de edificabilidade, transporte e luta contra a desigualdade

 Madri 13 ABR 2015
Edifício Copan (à esquerda), projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer em São Paulo /ANTONINO BARTUCCIO

Megacidades. Aglomerações urbanas de até 20 milhões de habitantes. “Monstros ingovernáveis”, como admitem arquitetos que tentam ordenar o caos. Impossível. Os maiores centros urbanos do planeta são complexos organismos que se multiplicam sem freio e, na maioria dos casos, sem um padrão homogêneo. Núcleos superatrofiados que germinaram com o progresso das classes médias e o êxodo do campo para a cidade. São Paulo, México, Bogotá, Lima, Buenos Aires, Rio, etc. Urbanistas e arquitetos dessas metrópoles da América Latina analisam para EL PAÍS desafios para sua administração. E coincidem em apontar como problemas principais a falta de um critério unificador que harmonize o desenvolvimento dos centros urbanos, as dificuldades na mobilidade e o aumento das desigualdades sociais
Os desafios futuros passam pela transformação dessas grandes cidades em espaços mais habitáveis, com melhores políticas de transporte público e menos poluição. E, sobretudo, traçar uma direção para a edificabilidade sob um plano único, e que os grandes centros urbanos não sejam o resultado de um quadro pintado com broxa.
Em 2014, um total de 450 milhões de pessoas compartilhavam o solo de 28 áreas metropolitanas em todo o planeta. Difícil impedir a autoconstrução, como se fosse um videogame. “Há um aspecto fundamental: a luta pela cidade”, afirma Abílio Guerra, urbanista e arquiteto brasileiro. “É difícil encontrar fórmulas adequadas no Governo das cidades. Na maior parte das vezes, a iniciativa privada passa por cima dos interesses da população, sem que o poder político tome medidas contra os abusos. Os grandes prejudicados são os espaços públicos das cidades. Vemos isso no Rio, no caso do Parque do Flamengo, e em São Paulo, no Largo da Batata e no Minhocão. É preocupante porque isso acontece em um momento de vulnerabilidade da sociedade civil brasileira”, analisa Guerra.
O padrão se repete na maioria das capitais latino-americanas. Em Bogotá seus 7,8 milhões de habitantes se acotovelam, produto da maior densidade urbana em toda a região: 26.200 pessoas por quilômetro quadrado. A quantidade cresce em 170 pessoas por dia. E a administração dá carta livre à construção para prover abrigo a essa demanda.
Um decreto permite que os construtores realizem grandes obras se for pago um valor adicional pelo potencial construtivo extra. “Isso significa que podem aparecer edifícios de qualquer tamanho em qualquer quadra, só porque o construtor busca mais metragem”, explica Mario Noriega, professor de urbanismo na Universidade Javeriana. Noriega pede “um marco legal segundo as necessidades das pessoas, que não mude de um prefeito para outro”. “Acreditam que isso dá uma aparência de modernidade à cidade. Mas as ruas não estão preparadas. A cidade tinha uma estrutura de quadras, com 30 moradias em cada uma. Com a nova norma, serão feitas até 400. Bogotá é muito densa nas extremidades e pouco no centro, mas agora será densa em todos os lados. Seu caso de densidade só pode ser comparável a algumas cidades chinesas e africanas. Estão criando uma zona de desastre. Fala-se da Cidade do México como a cidade-monstro, mas tem metrô, e Bogotá é cinco vezes mais densa”, explica o professor de urbanismo. Somente 55% dos habitantes diz estar orgulhoso de sua cidade.
Uma população semelhante à de Bogotá, embora com uma densidade 10 vezes menor, é a de Lima; Os arquitetos peruanos Arnold Millet, que trabalhou na Prefeitura, e Mario Lara compartilham a demanda de seu colega colombiano. “Lima não tem uma governança com um fio condutor único, mas se sucedem governos que rompem com o anterior e fazem o contrário”, diz Millet. “O grande desafio é ordená-la. Hoje é uma cidade desconjuntada, com mais de 40 municipalidades [43 distritos e prefeitos distritais] que cada um dirige à sua maneira, atomizada. A solução seria deixar Lima com menos prefeitos de distrito e com as mesmas normas”, argumenta Lara.
Poucas cidades no mundo conseguiram essa unidade metropolitana. Talvez Londres e Paris, dizem os urbanistas. “Parte-se de um centro e se acumulam municípios adjacentes”, diz sobre o México o espanhol Miguel Adrià, diretor da revista Arquine.

Como mover-se no labirinto

As horas voam ao volante ou no transporte público para milhões de pessoas que se deslocam nessa ida e volta eterna entre a casa e o trabalho. O morador de São Paulo gasta uma média de 2 horas e 52 minutos por dia em deslocamentos em veículo próprio e 2 horas e 46 minutos em transporte público (usado por 62% da população local). Pela cidade circulam 5,4 milhões de carros, quase um para cada dois habitantes. Cada mexicano dedica 16 horas por semana aos trajetos. Bogotá não tem metrô e a maré humana de viajantes é canalizada pelo sistema de ônibus. Em Lima, a única linha de metrô não é suficiente...
Vista noturna do distrito financeiro da Cidade do México. / WALTER BIBKOW
“O metrô é uma necessidade em Bogotá”. Quem diz é o presidente colombiano, Juan Manuel Santos, consciente do afunilamento que representa para a capital a ausência desse meio de transporte. Em troca, a cidade possui a maior rede de ciclovias da América Latina, com 392 quilômetros de asfalto que os moradores utilizam cada vez mais. Pedem, na verdade, maior segurança nas vias e que as empresas incentivem o uso das duas rodas entre seus empregados. Somente 17% dos bogotanos se declara satisfeito com a rede de vias urbanas. E os problemas de estacionamento são cada vez maiores para uma frota de 1,5 milhão de carros. O sistema de ônibus, o TransMilênio, mobiliza 2 milhões de pessoas por dia. “Tudo é concentrado nos ônibus, mas não basta. Bogotá é uma cidade que funciona como uma cidade do século XIX e tem população do século XXI”, analisa Mario Noriega. Além disso, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a cidade multiplica por 2,7 os níveis de poluição considerados prejudiciais à saúde.
Diante do congestionamento, as cidades buscam fórmulas como o Dia Sem Carro e diversos tipos de restrições. Em Lima, outro foco de poluição (sobretudo no inverno, dada a grande nebulosidade), o ônibus não pode circular por algumas avenidas. Na administração municipal passada diversas ruas do centro passaram a ser exclusivas de pedestres. Com 150.00 novos carros a cada ano (um total de 1,5 milhão), proliferam os táxis, formais e informais. Também na Cidade do México impuseram o sinal de Stop. Os carros com mais de oito anos estão proibidos de circular um dia por semana e um fim de semana por mês na cidade. “Embora esses mesmos carros sejam vendidos nos municípios e poluem. A solução é ter a mesma política nos dois lugares, a cidade e a área metropolitana”, afirma Miguel Adrià. Até seis milhões de veículos entram e saem da área urbana todos os dias O Distrito Federal pôs em andamento projetos para melhorar as comunicações, como pistas duplas nas estradas, novas estações de trem, estações de metrô multimodais, que unem várias linhas (há 300 quilômetros de trilhos e cinco milhões de usuários), e um novo aeroporto fora da cidade.
E com a saturação, a insegurança. Segundo um estudo da Fundação Thomson Reuters, seis de cada dez mulheres dizem ter sidoassediadas nos transportes públicos na América Latina. Bogotá, Cidade do México e Lima são os cenários mais inseguros.

As desigualdades sociais

A polarização social também sacode os megacentros. O cidadão é parte do mobiliário. “O grande desafio é a inclusão”, comenta a arquiteta mexicana Tatiana Bilbao. “A moradia é um bem social, não deveria ser uma commodity. Nós, arquitetos, nos desconectamos por não querer lidar com o problema da falta de moradia digna para a população. No México é muito forre a segregação em todos os sentidos, físico e social. As classes estão muito demarcadas. É um México muito desintegrado e contrastante. Está tudo revirado. Há 20 anos as pessoas mudavam duas vezes de casa durante a vida. Hoje, são 17. Isso gera desarraigamento, desconhecimento da comunidade e falta de identidade.”
Playa de Agua Dulce en el distrito limeño de Chorrillos.
Praia de Água Doce no distrito limenho de Chorrillos. / MARIANA BAZO
Raúl Fernández Wagner, professor de urbanismo da Universidade Nacional General Sarmiento, de Buenos Aires, apresenta sua visão sobre a capital argentina, com 15 milhões de habitantes em toda a metrópole. “O maior conflito é o acesso ao solo por parte da população. De cada dez novos habitantes de Buenos Aires, seis não buscam a compra de solo, mas entram no mercado informal. É muito difícil ter propriedade privada porque é muito cara. Em 10 anos Buenos Aires duplicou o PIB. |Isso desatou também um forte processo especulativo com o solo.”
Sustentabilidade, mobilidade e igualdade social. São três os desafios das grandes cidades latino-americanas. Para esses centros urbanos não se trata apenas de acumular população, mas de se transformar em melhores lugares onde se viver.

Grande São Paulo, densa Bogotá

Ciclistas em Bogotá, a cidade com a maior rede de ciclovias na América Latina.
São Paulo é a rainha dos megacentros urbanos da América Latina: 11,8 milhões de habitantes na cidade e 21,7 milhões em toda a região metropolitana. A Cidade do México (DF) é a segunda nessa lista de gigantes urbanos, com 8,8 milhões de habitantes na cidade e 20,1 na zona metropolitana. Buenos Aires engloba 15 milhões entre todos os seus distritos, embora a cidade se situe em apenas três deles. Bogotá e Lima, por sua vez, compartilham uma população urbana semelhante, de 9 milhões, apesar de a capital colombiana superar todos os centros urbanos do mundo quanto à densidade demográfica. Seus mais de 26.000 habitantes por quilômetro quadrado multiplicam por cinco a concentração populacional da Cidade do México e do Rio, e por 10 a de Lima.

Fonte: http://brasil.elpais.com/brasil/2015/04/09/internacional/1428595647_142720.html

sábado, 11 de abril de 2015

China desafia seus vizinhos com uma ‘grande muralha’ de ilhas artificiais

China desafia seus vizinhos com uma ‘grande muralha’ de ilhas artificiais


Obama acusa Pequim de usar sua "força e músculos" contra países menores


 Pequim 11 ABR 2015
ChinaImagem aérea dos barcos chineses em um arrecife nas ilhas Spratly. / CSIS/AMTI
As disputas territoriais que Pequim mantém com seus vizinhos no mar do sul da China voltaram a se aquecer. O motivo são as ilhas artificiais que a segunda economia do mundo constrói “a golpes de perfuradoras e escavadeiras”, como disse o comandante da frota americana no Pacífico, o almirante Harry Harris. Onde até há pouco mais de um ano não havia muito mais que corais e algumas casinhas de blocos de cimento, construídas diretamente sobre as rochas meio submersas, a China criou, segundo os EUA, várias ilhotas de areia – em cinco arrecifes – que somam pelo menos 4 quilômetros quadrados.
Até agora, a China se limitava a declarar que suas atividades eram “legais, razoáveis e justificáveis”. Mas, na quinta-feira, o Centro de Estudos Estratégicos Internacionais (CSIS) em Washington divulgou uma série de fotografias que mostram a magnitude das obras e a rapidez com a qual são realizadas. Nas imagens, que comparam o antes e o depois no recife de Mischief, nas ilhas Spratly - território que disputado por Filipinas, China e Vietnã - se pode perceber como, praticamente do nada, surgiram várias ilhas dotadas de portos e uma pista para pousos e aterrissagens de aeronaves.
Após a publicação das imagens, a China - que até agora se limitava a responder às perguntas sobre essas ilhas com declarações lacônicas - ofereceu sua explicação mais detalhada, até agora, para justificar suas atividades.
Na quinta-feira, o porta-voz do ministério de Relações Exteriores do país, Hua Chunying, esclareceu que o propósito é militar: “proteger sua soberania territorial (da China) e os interesses e direitos marítimos”. Mas também garantiu que a construção terá fins civis “além das necessidades de defesa militar”. Entre eles, citou a proteção de navios durante as passagens de tufões, a pesca e a observação meteorológica.
As declarações de Hua não foram suficientes para acalmar os EUA, que, por meio das palavras do almirante Harris, descreveram as obras chinesas como a construção de “uma Grande Muralha de areia”. O secretário de Defesa, Ashton Carter, em viagem pela região, advertiu que a ação unilateral deixará a China isolada. E o presidente Barack Obama, que estava na Jamaica, a caminho daCúpula das Américas, realizada no Panamá, acusou Pequim de “usar sua força e seus músculos para forçar outros países a ficarem em posição de subordinação”.
“Acreditamos que (a disputa) pode ser resolvida por via diplomática, mas só porque as Filipinas e o Vietnã não são tão grandes como a China não quer dizer que não possam dar cotoveladas”, afirmou Obama.
Hua respondeu às declarações do presidente acusando os EUA de ser o país que pressiona os demais. “Esperamos que os Estados Unidos possam respeitar os esforços da China e dos países asiáticos para garantir a paz e a estabilidade na região do Mar do Sul da China”.
Pequim, que durante a época maoísta não demonstrou nenhum interesse especial por essas ilhas, reivindica com cada vez mais força a soberania das ilhas Spratly e Paracel e dos arrecifes de Scarborough, a distâncias de até 1.300 quilômetros do litoral continental. Meia dúzia de países mantém também reivindicações sobre algumas dessas áreas. A disputa, especialmente acirrada com as Filipinas e o Vietnã, se intensificou desde 2012, quando a China incluiu esses territórios em seus “interesses nacionais básicos”, assim como o Tibete e o Taiwan.
As Filipinas, um país militarmente muito mais fraco que a China, levaram o caso à ONU. Diante da intensificação das obras de construção chinesas, o país expressou seu temor de que Pequim busque criar evidências no terreno que influam na decisão final da instituição internacional.
No fundo da disputa há um duplo motivo. As suspeitas são de que estas cadeias de ilhotas possam guardar em seu leito marinho recursos naturais. Mas também são chaves do ponto de vista geoestratégico: para a China, que tem entre seus objetivos de Defesa o estabelecimento de uma Marinha militar de ponta, o mar do sul representa uma saída natural para sua frota rumo ao oceano Índico. Os Estados Unidos, que declarou a região da Ásia Pacífico como o “pivô” de sua política externa e defensiva, não quer ceder facilmente o controle de uma área de intenso tráfego marítimo e pela qual atravessa, anualmente, um volume comercial de quase 5 trilhões de euros (cerca de 16,2 trilhões de reais).
A nova troca de recriminações entre Pequim e Washington ocorre pouco antes do começo de manobras militares conjuntas entre os EUA e as Filipinas no dia 20 de abril, em águas próximas às ilhas Spratly. Segundo anunciou Manila, mais de 11.500 soldados participarão das atividades, as maiores desde que ambos os países retomaram os exercícios conjuntos em 2000.
Fonte: http://brasil.elpais.com/brasil/2015/04/10/internacional/1428666875_884351.html

SERÁ O FIM DO BRASIL?

SERÁ O FIM DO BRASIL?


O PL 4.330 que trata da terceirização do mercado de trabalho, mostra que estamos indo cada vez mais para um Brasil ultraconservador, o interesse do grande capital, enraizado no Congresso Nacional, mostra a sua face mais cruel, aproveitando-se de um governo fragilizado, das inúmeras tentativas de golpes que de sutis vão se escancarando da direita que não se conforma de ficar 16 anos fora do poder (onde nas últimas semanas ouvimos até gritos pedindo golpe militar), temos aí um cenário perfeito para o fortalecimento do retrocesso. Como disse Sakamoto no seu blog, em 10/04/2015, "foi você que colocou ele lá", se referindo a atual composição da Câmara dos Deputados:
Somente um golpe militar fará este cenário ser mais perfeito para os ultraconservadores que querem tomar novamente o Brasil de assalto, como fizeram em 1964.
Mesmo que ocorra o veto da presidente a derrota é evidente e a passos largos vemos o país cada vez mais obscuro.



Prof. Marcos Geo


'Lei da terceirização é a maior derrota popular desde o golpe de 64'

'Lei da terceirização é a maior derrota popular desde o golpe de 64'


Para Ruy Braga, professor da USP especializado em sociologia do trabalho, Projeto de Lei 4330 completa desmonte iniciado por FHC e sela "início do governo do PMDB"

por Wanderley Preite Sobrinho — publicado 10/04/2015

Ruy Braga
Contratados com idade entre 18 e 25 anos devem ser os maiores afetados, afirma Ruy Braga

Especialista em sociologia do trabalho, Ruy Braga traça um cenário delicado para os próximos quatro anos: salários 30% mais baixos para 18 milhões de pessoas. Até 2020, a arrecadação federal despencaria, afetando o consumo e os programas de distribuição de renda. De um lado, estaria o desemprego. De outro, lucros desvinculados do aumento das vendas. Para o professor da Universidade de São Paulo (USP), a aprovação do texto base do Projeto de Lei 4330/04, que facilita a terceirização de trabalhadores, completa o desmonte dos direitos trabalhistas iniciado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso na década de 90. “Será a maior derrota popular desde o golpe de 64”, avalia o professor em entrevista a CartaCapital.
Embora o projeto não seja do governo, Braga não poupa a presidenta e o PT pelo cenário político que propiciou sua aprovação. Ele cita as restrições ao Seguro Desemprego, sancionadas pelo governo no final de 2014, como o combustível usado pelo PMDB para engatar outras propostas desfavoráveis ao trabalhador, e ironiza: “Esse projeto sela o fim do governo do PT e o início do governo do PMDB. Dilma está terceirizando seu mandato”.
Leia a entrevista completa:
CartaCapital: Uma lei para regular o setor é mesmo necessária?
Ruy Braga: Não. A Súmula do TST [Tribunal Superior do Trabalho] pacificou na Justiça o consenso de que não se pode terceirizar as atividades-fim. O que acontece é que as empresas não se conformam com esse fato. Não há um problema legal. Já há regulamentação. O que existe são interesses de empresas que desejam aumentar seus lucros.
CC: Qual a diferença entre atividade-meio e atividade-fim?
RB: Uma empresa é composta por diferentes grupos de trabalhadores. Alguns cuidam do produto ou serviço vendido pela companhia, enquanto outros gravitam em torno dessa finalidade empresarial. Em uma escola, a finalidade é educar. O professor é um trabalhador-fim. Quem mexe com segurança, limpeza e informática, por exemplo, trabalha com atividades-meio.
CC: O desemprego cai ou aumenta com as terceirizações?
RB: O desemprego aumenta. Basta dizer que um trabalhador terceirizado trabalha em média três horas a mais. Isso significa que menos funcionários são necessários: deve haver redução nas contratações e prováveis demissões.
CC: Quantas pessoas devem perder a estabilidade?
RB: Hoje o mercado formal de trabalho tem 50 milhões de pessoas com carteira assinada. Dessas, 12 milhões são terceirizadas. Se o projeto for transformado em lei, esse número deve chegar a 30 milhões em quatro ou cinco anos. Estou descontando dessa conta a massa de trabalhadores no serviço público, cuja terceirização é menor, as categorias que de fato obtêm representação sindical forte, que podem minimizar os efeitos da terceirização, e os trabalhadores qualificados.
CC: Por que os trabalhadores pouco qualificados correm maior risco?
RB: O mercado de trabalho no Brasil se especializou em mão de obra semiqualificada, que paga até 1,5 salário mínimo. Quando as empresas terceirizam, elas começam por esses funcionários. Quando for permitido à companhia terceirizar todas as suas atividades, quem for pouco qualificado mudará de status profissional.
CC: Como se saíram os países que facilitaram as terceirizações?
RB: Portugal é um exemplo típico. O Banco de Portugal publicou no final de 2014 um estudo informando que, de cada dez postos criados após a flexibilização, seis eram voltados para estagiários ou trabalho precário. O resultado é um aumento exponencial de portugueses imigrando. Ao contrário do que dizem as empresas, essa medida fecha postos, diminui a remuneração, prejudica a sindicalização de trabalhadores, bloqueia o acesso a direitos trabalhistas e aumenta o número de mortes e acidentes no trabalho porque a rigidez da fiscalização também é menor por empresas subcontratadas.
CC: E não há ganhos?
RB: Há, o das empresas. Não há outro beneficiário. Elas diminuem encargos e aumentam seus lucros.
CC: A arrecadação de impostos pode ser afetada?
RB: No Brasil, o trabalhador terceirizado recebe 30% menos do que aquele diretamente contratado. Com o avanço das terceirizações, o Estado naturalmente arrecadará menos. O recolhimento de PIS, Cofins e do FGTS também vão reduzir porque as terceirizadas são reconhecidas por recolher do trabalhador mas não repassar para a União. O Estado também terá mais dificuldade em fiscalizar a quantidade de empresas que passará a subcontratar empregados. O governo sabe disso.
CC: Por que a terceirização aumenta a rotatividade de trabalhadores?
RB: As empresas contratam jovens, aproveitam a motivação inicial e aos poucos aumentam as exigências. Quando a rotina derruba a produtividade, esses funcionários são demitidos e outros são contratados. Essa prática pressiona a massa salarial porque a cada demissão alguém é contratado por um salário menor. A rotatividade vem aumentando ano após ano. Hoje, ela está em torno de 57%, mas alcança 76% no setor de serviços. O Projeto de Lei 4330 prevê a chamada "flexibilização global", um incentivo a essa rotatividade.
CC: Qual o perfil do trabalhador que deve ser terceirizado?
RB: Nos últimos 12 anos, o público que entrou no mercado de trabalho é composto por: mulheres (63%), não brancos (70%) e jovens. Houve um avanço de contratados com idade entre 18 e 25 anos. Serão esses os maiores afetados. Embora os últimos anos tenham sido um período de inclusão, a estrutura econômica e social brasileira não exige qualificações raras. O perfil dos empregos na agroindústria, comércio e indústria pesada, por exemplo, é menos qualificado e deve sofrer com a nova lei porque as empresas terceirizam menos seus trabalhadores qualificados.
CC: O consumo alavancou a economia nos últimos anos. Ele não pode ser afetado?
RB: Essa mudança é danosa para o consumo, o que inevitavelmente afetará a economia e a arrecadação. Com menos impostos é provável que o dinheiro para transferência de renda também diminua.
CC: Qual a responsabilidade do PT e do governo Dilma por essa derrota na Câmara?
RB: O governo inaugurou essa nova fase de restrição aos direitos trabalhistas. No final de 2014, o governo editou as medidas provisórias 664 e 665, que endureceram o acesso ao Seguro Desemprego, por exemplo. Evidentemente que a base governista - com PMDB e PP - iria se sentir mais à vontade em avançar sobre mais direitos. Foi então que [o presidente da Câmara] Eduardo Cunha resgatou o PL 4330 do Sandro Mabel, que nem é mais deputado.
CC: Para um partido de esquerda, essa derrota na Câmara pode ser considerada a maior que o PT já sofreu?
RB: Eu diria que, se esse projeto se tornar lei, será a maior derrota popular desde o golpe de 64 e o maior retrocesso em leis trabalhistas desde que o FGTS foi criado, em 1966. Essa é a grande derrota dos trabalhadores nos últimos anos. Ela sela o fim do governo do PT e marca o início do governo do PMDB. A Dilma está terceirizando seu mandato.
CC: A pressão do mercado era mesmo incontornável?
RB: Dilma deixou de ser neodesenvolvimentista a partir do segundo ano de seu primeiro mandato. Seu governo privatizou portos, aeroportos, intensificou a liberação de crédito para projetos duvidosos e agora está fazendo de tudo para desonerar o custo do trabalho. O governo se voltou contra interesses históricos dos trabalhadores. O que eu vejo é a intensificação de um processo e não uma mudança de rota. Se havia alguma dúvida, as pessoas agora se dão conta de que o governo está rendido ao mercado financeiro.
CC: A terceirização era um dos assuntos preferidos nos anos 90, mas não passou. Não é contraditório que isso aconteça agora?
RB: O Fernando Henrique tentou acabar com a CLT [Consolidação das Leis do Trabalho] por meio de uma reforma trabalhista que não foi totalmente aprovada. Ele conseguiu passar a reforma previdenciária do setor privado e a regulamentação de contratos por tempo determinado. O governo Lula aprovou a reforma previdenciária do setor público e agora, com anos de atraso, o segundo governo Dilma conclui a reforma iniciada por FHC.
CC: Mas a CLT não protege também o trabalhador terceirizado?
RB: A proteção da CLT é formal, mas não acontece no mundo real. Quem é terceirizado, além de receber menos, tem dificuldade em se organizar sindicalmente porque 98% dos sindicatos que representam essa classe protegem as empresas em prejuízo dos trabalhadores. Um simples dado exemplifica: segundo o Ministério Público do Trabalho, das 36 principais libertações de trabalhadores em situação análoga a de escravos em 2014, 35 eram funcionários terceirizados.
CC: A bancada patronal tem 221 parlamentares, segundo o Diap (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar). Existe alguma relação entre o tão falado fim do financiamento privado de campanha e a aprovação desse projeto?
RB: Não há a menor dúvida. Hoje em dia é muito simples perceber o que acontece no País. Para eleger um vereador em São Paulo paga-se 4 milhões de reais. Para se eleger deputado estadual, são 10 milhões. Quem banca? Quem financia cobra seus interesses, e essa hora chegou. Enquanto o presidente da Fiesp [Federação das Indústrias do Estado de São Paulo], Paulo Skaf, ficou circulando no Congresso durante os últimos dois dias, dando entrevista, conversando com deputados e defendendo o projeto, sindicalistas levavam borrachada da polícia. Esse é o retrato do Congresso brasileiro hoje: conservador, feito de empresários, evangélicos radicais e bancada da bala.
Fonte: http://www.cartacapital.com.br/economia/lei-da-terceirizacao-e-a-maior-derrota-popular-desde-o-golpe-de-64-2867.html