Rumo a uma nova ordem petrolífera global
Queda do preço do produto começa a delinear novos equilíbrios geopolíticos
Os EUA se tornam um produtor de referência, e a Europa reduz sua fatura energética
ALICIA GONZÁLEZ Madri 29 OCT 2014
O mercado do petróleo se viu sacudido por uma espécie de tempestade perfeita, uma combinação de excesso de oferta, de demanda mais fraca do que a prevista e de valorização do dólar (a moeda de referência para o mercado petroleiro), o que provocou a queda de 25% nos preços do petróleo bruto desde junho. Depois de um período de relativa estabilidade, com o barril quase sempre acima dos 100 dólares desde 2011 – alcançou 115 dólares em junho –, parece, segundo diversos especialistas, que os preços estão se firmando numa faixa bem mais baixa, entre os 70 e 90 dólares, o que introduz novas e profundas variáveis no mercado petroleiro.
A mais relevante delas, possivelmente, é a mudança que começa a se desenhar na correlação de forças geopolíticas. Diferentemente de outras ocasiões, a Arábia Saudita descartou reduzir a produção como forma de tentar sustentar os preços, e inclusive aceitou reduzir o valor cobrado de seus clientes asiáticos, para manter sua fatia do mercado. Outros membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) pediram medidas, mas quase ninguém confia em um acordo que reduza a oferta do cartel na reunião de 27 de novembro. “Se a OPEP não reduzir a produção para sustentar os preços, quem reduzirá?”, pergunta-se Kevin Norrish, do banco Barclays. “A OPEP já não atua como o produtor de referência do mercado, e a oferta de petróleo de xisto dos Estados Unidos está destinada a ocupar esse lugar”, defendem os analistas do Goldman Sachs.
Os altos preços do petróleo têm possibilitado a exploração de poços que exigem técnicas custosas, como as perfurações em águas profundas ou o fraturamento hidráulico (fracking). Graças a isso, os Estados Unidos puderam aumentar sua produção de petróleo a um ritmo anual em torno de 1,3 milhão de barris diários desde 2011. Consequentemente, os EUA avançaram muito rumo à autossuficiência energética e podem se tornar aquilo que os especialistas veem como o fiel da balança do mercado, capaz de ditar seus rumos. Dessa forma, os produtores de fora da OPEP, com os EUA à frente, foram capazes de suprir o aumento da demanda global, o que diluiu grandemente a influência do cartel de exportadores. “Não há precedentes históricos de que um país possa manter durante tanto tempo semelhantes aumentos de produção. Isso alterou completamente o mercado”, explica Antonio Merino, diretor da Secretaria Técnica da Repsol e um dos maiores especialistas espanhóis em mercado energético. “O que está sendo aferido agora é o nível de preços sob o qual os EUA serão capazes de manter não mais a produção petrolífera, que ronda os 5,5 milhões de barris por dia, e sim os aumentos de oferta destes últimos anos. Eu acredito que esse nível esteja mais próximo dos 85 ou 95 dólares por barril do que dos 70 dólares”, explica.
Há outros fatores que pressionam os preços para baixo. A Líbia, com uma produção inexistente em setembro de 2012, consegue colocar atualmente no mercado entre 800.000 e 900.000 barris diários. A tomada de vários poços petroleiros do Iraque por jihadistas doEstado Islâmico não causou uma interrupção da produção, que é de aproximadamente três milhões de barris diários. O Irã anunciou sua intenção de aumentar a oferta para quatro milhões de barris por dia em março de 2015, caso obtenha um acordo para eliminar as sanções internacionais. Tudo isso em meio a uma forte freada da demanda global, que levou a Agência Internacional da Energia a reduzir em 25% suas previsões de setembro relativas ao aumento do consumo, coincidindo com o alerta lançado pelo Fundo Monetário Internacional acerca do risco de uma terceira recessão na Europa. O nervosismo do mercado não se fez esperar.
O preço do barril do petróleo tipo Brent, o de referência para a Europa, chegou a cair 31 dólares, o maior redução desde meados de 2012. Uma queda tão forte e abrupta antes disso só na crise financeira de 2008, quando a cotação desabou 75%. “Não acho que veremos nada parecido com aquilo”, admite Norrish. Naquela época, o barril do Brent chegou a ser cotado a 36 dólares.
Sem atingir esses níveis, o fato é que a redução do custo energético tem um impacto notável sobre a economia, na forma de economia na fatura energética, de correção de desequilíbrios externos e de menor pressão inflacionária. “O saldo líquido é positivo para a economia mundial”, assegura Andrew Kenningham, da Capital Economics, em um de seus últimos relatórios. “Uma queda de 10 dólares no preço do petróleo equivale a uma transferência de 0,5% do PIB mundial dos países produtores para os países consumidores, e estes sempre acabam aumentando o seu gasto. Se assumirmos que os consumidores gastam a metade do que poupam, uma queda permanente de 10 dólares no preço do petróleo impulsionaria a demanda global em 0,2% a 0,3%”, argumenta Kenningham. Ou seja, uma injeção de 320 bilhões de dólares na economia mundial se, como calcula a Capital Economics, os atuais preços do petróleo, em torno de 85 dólares, se mantiverem até o final de 2016.
Tradicionalmente, uma redução no preço do petróleo bruto anima o consumo. Os analistas do Goldman Sachs calculam que a cotação do produto baixará 15% em 2015, o que implicará uma ampliação de 200.000 barris diários na demanda. Isso também propiciaria um aumento da confiança e da atividade em nível global. Os Estados Unidos já se beneficiam da forte redução nos custos de produção graças ao gás extraído com a técnica do fracking. Mas “a situação na zona do euro é muito diferente. Primeiro porque uma queda do preço das matérias primas vai exacerbar o temor de deflação na região e de um novo episódio de crise da dívida”, adverte Kenningham, da Capital Economics. “Nessas circunstâncias, o impacto sobre o consumo de um petróleo mais barato mal será notado, e, seja como for, reforçará os argumentos em prol de um programa de compra de bônus em grande escala por parte do Banco Central Europeu”, salienta. Claro que, aí, já entram em jogo outras variáveis.
Fonte: http://brasil.elpais.com/brasil/2014/10/29/economia/1414618384_024198.html