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sexta-feira, 31 de maio de 2013

Como a China gasta suas reservas bilionárias?

Atualizado em  31 de maio, 2013

AFP
China detém títulos de dívidas americanas e europeias
É possível ter uma coisa boa em excesso?
A pergunta vem do fato de que, enquanto muitos governos ocidentais têm de se preocupar com seus crescentes deficit comerciais, a China tem o problema oposto.
Graças ao seu sucesso como país exportador, a China tem as maiores reservas de moeda estrangeira do mundo. E essas reservas não param de crescer - chegaram a um recorde de US$ 3,44 trilhões.
Com todos os zeros, essa soma é US$ 3.440.000.000.000, equivalente ao tamanho da poderosa economia alemã.
O conteúdo das reservas é um segredo de Estado, mas um relatório divulgado anos atrás no periódico China Securities Journal revelou que 65% delas consistem em dólares, 26% em euros, 5% em libras e 3% em ienes.
A China é a maior detentora de títulos da dívida do governo americano, depois do Fed (banco central americano). Também tem títulos da dívida de governos europeus, mas não tantos títulos de países periféricos endividados - pelo menos não tantos quanto a zona do euro gostaria.
No pico da crise do euro, a moeda comum europeia subia a cada sinal de que a China planejava comprar títulos europeus.
Você pode achar que ter um superavit comercial como o chinês seja uma boa notícia. Mas, segundo autoridades do banco central da China, a situação acabou causando um problema, por causa do câmbio fixo chinês.

Desafios

As reservas internacionais ajudam a proteger a moeda de um país de ataques, já que a venda de moedas estrangeiras ajuda a sustentar o valor da moeda local. Os bancos centrais aprenderam essa lição após a crise financeira da Ásia, em 1997.
A China permite que o yuan flutue até 1% para mais ou menos, e as reservas ajudam nisso. Mas não está claro qual a quantidade de reservas que um país realmente precisa.
Não se trata apenas do temor de que o dólar ou o euro se depreciem. A preocupação é também de que as reservas contribuam para um excesso de dinheiro na economia. Isso tem levado ao aumento de preços, inclusive de habitação.
Coreia do Sul
A China almeja criar marcas globais, como a sul-coreana Samsung
Quando um banco central acumula reservas, ele imprime dinheiro (yuan) para comprar os dólares, euros, libras e ienes que acrescenta a essas reservas. Para impedir que isso gere inflação (imagine o que aconteceria se a China imprimisse US$ 3,4 trilhões à sua economia, que movimenta US$ 8 trilhões), o BC "esteriliza" suas ações tirando a quantidade de dinheiro equivalente da economia.
A China faz isso pagando juros ao dinheiro que bancos comerciais depositam no Banco Central, para incentivar os bancos a deixar seu dinheiro ali.
A esterilização tende a ser incompleta, já que os bancos buscam taxas de remuneração maiores em outros investimentos, em vez de deixar todo seu dinheiro no BC.
Além disso, há a preocupação de que o BC não esteja obtendo um grande retorno nessas reservas, já que os yields (taxas de juros) de títulos das dívidas europeias e americanas são baixos.
Então, a China usa essas reservas para financiar investimentos no exterior. Pequim quer comprar ativos reais - como portos, recursos naturais, tecnologia e companhias financeiras.
Isso contribui para seu objetivo de criar multinacionais chinesas.

Política de expansão

Ter empresas competitivas globalmente poderia ajudar a China a aumentar sua capacidade tecnológica e sua produtividade, algo crucial para sustentar seu crescimento. A China gostaria de seguir o exemplo de outros que enriqueceram - como a Coreia do Sul ou Taiwan - e desenvolver marcas internacionais, como Samsung e HTC.
Essa era a meta quando Pequim lançou sua política global, em 2000. O primeiro investimento comercial no exterior foi em 2003-04, na Europa, quando a empresa chinesa TCL comprou a marca francesa Thomson.
Desde então, seus investimentos estrangeiros aumentaram exponencialmente e atingiram níveis recordes, superando os internos - dado que geralmente indica que um país está chegando ao nível de desenvolvimento econômico.
Falta de transparência quanto à origem de recursos chineses gera incômodos no exterior
A maioria desses investimentos chineses tem ido para outras partes da Ásia, para a América Latina e a Europa.
Para investir no exterior, as empresas chinesas necessitam de autorização oficial, já que o governo do país é o controlador de movimentos de capitais. Sendo assim, os investimentos chineses vão para onde a China tem interesse em crescer - não apenas recursos naturais, mas também tecnologia e serviços com valor agregado. É por isso que os países que mais recebem esses investimentos (com exceção de Hong Kong e Ilhas Cayman) são Austrália, Cingapura e EUA.

Política

No entanto, o capital chinês nem sempre é bem recebido. Investimentos de origem estatal podem gerar desavenças políticas, como já ocorreu nos EUA e na Austrália.
E empresas privadas chinesas têm dificuldades em operar, por conta da falta de transparência quanto ao que é privado e o que é ordenado pelo Estado. Isso indica uma necessidade de reformas na China, para deixar claras as fontes de financiamento em seus negócios internacionais e a real posse de empresas chinesas.
Ao mesmo tempo, a China não deve continuar tendo os grandes superavit comerciais do passado.
Em 2012, o superavit caiu para menos de 3% do PIB - chegara a 10% antes da crise de 2008. Os chineses não estão exportando tanto por conta da menor demanda externa, então é improvável que acumulem tantas reservas quanto antes.
Isso também significa que será mais importante que os investimentos chineses no exterior sejam bem vistos, já que a China dependerá mais de multinacionais produtivas e competitivas para continuar crescendo. E essas empresas precisarão cada vez mais se financiar de maneira competitiva.

Certamente veremos mais empresas chinesas disputando terreno global. Seu sucesso será importante não apenas para as próprias empresas, mas para o próprio futuro da China.

Veja 15 sites com material de estudo 

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Lucas Mendes: México, o novo Brasil

Atualizado em  30 de maio, 2013

Desde a guerra do Vietnã, o Pentágono tem um recorde perfeito nas previsões sobre qual seria a próxima guerra americana em seis meses ou um ano: errou todas.
A citação está no livro Foreign Policy Begins at Home ("Política Externa Começa em Casa"), recém-lançado, do veterano diplomata e influente presidente do Council of Foreign Relations, Richard Haass.
Com 92 anos e 5 mil afiliados de peso, o Council é o mais influente think tank americano na politica externa. Entre várias atividades, publica a revista bimensal Foreign Affairs, que acaba de comemorar 50 anos. Quando o Council aconselha, nem sempre é obedecido, mas seus conselhos sempre chegam aos ouvidos de quem decide.
Richard Haass aconselhou quatro presidentes: Jimmy Carter, Ronald Reagan, Bush pai e Bush filho. Escreveu ou editou 12 livros. Neste último, ele se aventura casa adentro numa trilha diferente e independente. Haass escreve que há dez anos a política externa americana esta à deriva. As guerras do Iraque e do Afeganistão diminuíram a liderança e o prestígio dos Estados Unidos. Hora de cair fora e repensar.
Oriente Médio? Consome mais diplomacia, tempo e dólares do que merece. O país deve concentrar suas atenções na região Ásia/Pacífico e no Ocidente. China, Japão e a vizinhança ocidental são as principais peças no tabuleiro de Haass. A Europa é previsível.
"
América Latina? "Vai muito bem", me disse ele durante uma entrevista nesta semana no Council. Não merece nem um capítulo no livro. Sobre o Brasil, há quatro referências irrelevantes. A Venezuela merece quatro citações curtas. Cuba nenhuma.
Para um homem que passou anos com o presidente Reagan resolvendo problemas na Nicarágua, El Salvador e Honduras e crises menores na América Central, tudo lá foi bem resolvido, e se não foi, dane-se. Não tem importância. Nem a Venezuela.
Na política externa, os Estados Unidos devem pensar no mundo inteiro, focar em poucas regiões e só colocar botas no chão onde há interesses vitais em jogo. Síria? Iraque? Afeganistão? Países da Primavera Árabe? Não são vitais. Israel é vital.
Um Irã nuclear, um Paquistão em decomposição, uma Coreia do Norte destramelada? Problemões. Soluções? Só milagrosas. Estão fora do alcance americano. Entrar com armas e soldados? Negativo. Terrorismo? Vai estar conosco durante décadas, mas não em grande escala, como os ataques às torres.
A segunda parte do livro e a proposta do título dominaram a segunda parte da conversa. Para Haass, o mundo quer e depende da liderança americana, mas os Estados Unidos precisam colocar a casa em ordem. Segundo o que chama de "Doutrina da Restauração", Haass acha que os americanos devem resolver cinco problemas domésticos essenciais: deficit, energia, educação, infraestrutura e imigração.
Perguntei a ele se a palavra "restauração" foi inspirada na Restauração Britânica, que trouxe a monarquia de volta à Grã-Bretanha no século 17. Ele achou graça, mas a Restauração Britânica é considerada um milagre e o que ele propõe para Washington não exige apenas um. Exige vários: aumentar e criar novos impostos, reduzir pensões, programas de assistências social e de saúde.
A conversa enrola. Vamos terminar com o Brasil. Porque não merece nenhuma referência importante no livro? Em parte porque vai bem, mas, diz ele, não tão bem como antes.
"O Brasil era o encanto dos emergentes. Nos últimos dois, três anos, perdeu muitas atrações." Ele fala da desilusão dele e de um grupo de americanos numa viagem recente. Os superpoderes do Executivo assombraram Haass e a turma dele. Manda em tudo, intimida o investidor. A impressão da paisagem não foi melhor. O aeroporto do Galeão também assombrou pelo desconforto e decadência. Ele acha que a Copa e a Olimpíada podem diminuir ainda mais as atrações brasileiras.
Para Haass, o México é o novo Brasil. As novas atrações do vizinho pareciam irresistíveis: um novo e jovem presidente, abertura política, menos governo central, menos poderes das oligarquias, menos corrupção, reforma disto e daquilo. Promessa de crescimento a 4,5, 5% ao ano. Promessas.
No primeiro trimestre deste ano, o México cresceu 0,8%. O Brasil cresceu 0,6%. Os números confirmam: o México é o novo Brasil. Neste e noutros índices, estamos quase gêmeos, vamos de mal a pior.
O próximo livro de Richard Haass merece um capítulo sobre a América Latina. Antes que ela vá para o brejo.

(as manipulações midiáticas)

REVISTA ÉPOCA INSTIGA A REVOLTA DA CLASSE MÉDIA

(Informações sobre o Cerrado brasileiro) 

Entendendo o Cerrado

Alemanha busca mão de obra qualificada fora da UE

Atualizado em  31 de maio, 2013

A entrada de mais de 1 milhão de imigrantes estrangeiros na Alemanha no último ano - o maior número desde 1995 - não será suficiente para suprir o deficit de mão de obra qualificada do país.
De acordo com um estudo da Fundação Bertelsmann, instituto privado de pesquisa alemão, divulgado nesta semana, o número recorde de trabalhadores - segundo a Agência Federal de Estatísticas - em busca de emprego no país, potencializado pela crise econômica em outros países da zona do euro, precisará ser complementado por profissionais qualificados de fora da União Europeia nos próximos anos.
"O boom recente de imigrantes é bom para o país, mas a Alemanha precisará reorganizar estratégias da política de imigração para atrair a longo prazo mais profissionais de outros países, como China e Índia", diz Ulrich Kober, diretor da fundação em entrevista à BBC Brasil.

Há vagas

Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica de Colônia, há 70 mil vagas para engenheiros em aberto na Alemanha ou 210 mil quando contabilizadas vagas para profissionais de matemática, especialistas de tecnologia da informação e cientistas.
"São profissionais extremamente qualificados para vagas específicas em demanda na indústria. Mas quando falamos de diplomas em outras áreas, como setor de serviços ou advogados, por exemplo, essa necessidade hoje é menor", explica Oliver Koppel, economista do Instituto.
O fluxo de migração vindo de países como Espanha, Portugal e Itália alivia o problema, mas o encolhimento da população adulta da Alemanha aumentará, nas próximas décadas, a demanda por mão de obra qualificada, segundo especialistas.
"Com os atuais índices de natalidade e crescimento populacional, estamos falando de cerca de 5,5 milhões de adultos a menos em dez anos, total que não será suprido nem com a mão de obra doméstica, nem com a imigração europeia", diz Koppel.

Exportadores de talento

"A China e a Índia, que são tradicionais exportadores de talento, poderão cumprir papel ainda mais importante no fornecimento de engenheiros e profissionais de TI", diz Stefan Sievert, pesquisador do Instituto Berlim, especializado em pesquisas de População e Desenvolvimento.
Cerca de 10 mil chineses estudam anualmente na Alemanha e pelo menos metade permanece no país para trabalhar, segundo o headhunter Tobias Busch, especializado em recrutar profissionais qualificados chineses para o mercado de trabalho alemão. "A China certamente tem potencial para fornecer mais trabalhadores com diploma para áreas de mecatrônica, energia e elétrica para indústrias alemãs", diz Sievert.
O estudo da Bertelsmann aponta que as restrições da política de imigração da Alemanha na última década dificultam a vinda de pessoas de países não-europeus, contabilizando apenas 17 mil profissionais qualificados de fora da UE em 2011, de um total de 300 mil estrangeiros.
Para a fundação, facilitar procedimentos para conseguir a cidadania alemã, garantir proteção contra discriminação e oferecer programas de aprendizado da língua alemã são algumas das recomendações que seriam decisivas nesse processo.

quinta-feira, 30 de maio de 2013

Ao menos 51 mortes ocorreram dentro 

do DOI-Codi/SP, diz CNV


Informação rebate tese de que as mortes aconteceram somente em combate ou por suicídio, como defendeu em depoimento o coronel Ustra, ex-chefe do DOI/Codi em São Paulo. Documentos apontam que ao menos 47 mortes aconteceram enquanto Ustra era o chefe do aparato repressivo.

Brasília – A Comissão Nacional da Verdade (CNV) publicou nesta terça-feira (28) dados retirados de documentos secretos que comprovariam que pelo menos 51 pessoas foram mortas no Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna / II Exército (DOI/Codi de São Paulo) sob os comandos de Carlos Alberto Brilhante Ustra e seu sucessor, Audir Santos Maciel.

As informações foram encontradas pela CNV em uma monografia apresentada à Escola de Comando e Estado-Maior do Exército pelo já falecido coronel Freddie Perdigão Pereira, um quadro destacado da repressão no Rio de Janeiro, com passagem pelo Serviço Nacional de Informações.

Em anexo a monografia está o que Perdigão chamou de “levantamento dos resultados obtidos pelo DOI/Codi/II Ex desde sua fundação até 18 de maio de 1977”, uma espécie de "estatística da repressão". O documento aponta que de 2541 pessoas presas pelo DOI, 1001 foram encaminhadas ao DOPS para o processo, 201 encaminhadas a outros órgãos, 1289 liberadas e 51 mortas. 

Outro documento, identificado como ACE 4062-80 no Arquivo Nacional, aponta que desde a criação do DOI/Codi, em 1970, até outubro de 1973, 1786 pessoas foram presas e 45 mortas. No mês seguinte, novembro, a estatística é atualizada e indica 1804 prisões e 47 mortes. 

“Patenteado está, sem sombra de qualquer dúvida, que 51 pessoas foram mortas, estando presas no DOI/Codi do II Exército, sendo que (2) dessas mortes aconteceram em novembro de 1973”, afirma o integrante da CNV, Claudio Fonteles, em texto.

Ustra foi o chefe do DOI/Codi do II Exército entre 29 de setembro de 1970 e 23 de janeiro de 1974.

Desmentindo Ustra
As informações publicadas hoje pela CNV já haviam sido mencionadas por Fonteles durante a tomada pública de depoimentos ocorrida no último dia 10. Porém, o depoente Ustra negou os dados, sustentando que as mortes aconteceram em combate e fora da sede do órgão de repressão. Confiraaqui o trecho. 

Na ocasião, o coronel afirmou, bastante irritado, que os militares sempre admitiram que houve mortos na ditadura, mas, além dos suicídios de Vladmir Herzog e Manuel Filho – disse ele –, as mortes foram em combate. “No meu comando, meu senhor doutor Fonteles, ninguém foi morto lá dentro do DOI, todos foram mortos em combate. E os que senhor diz que foram mortos dentro do DOI, não é verdade, eles foram mortos pelo DOI em combate, ora, na rua, dentro do DOI nenhum. Repito que o senhor não está certo no que está dizendo, está aqui publicado”, encerrou socando a mesa e referindo-se ao seu livro “A verdade sufocada”.

Logo após a resposta enérgica de Ustra, os ânimos se acirraram, provocando um bate-boca generalizado no local, o que levou Fonteles a encerrar a sessão.


(Vejam é impressionante este relato, certamente este indivíduo apoiaria um regime nefasto... deixem aqui seus comentários)

O senso comum sobre a tortura e a propaganda


É terrível ouvir alguém dizer que foi torturado, mas mereceu. E é mais terrível ainda a conclusão da vítima, de que os torturadores o corrigiram, porque ele estava errado. Essas são as opiniões de Amado Batista, mantidas 40 anos após o ocorrido: quem é contra o governo e quer “tomar o país à força”, tem mais é que ser torturado, porque está errado e precisa ser corrigido.
O cantor Amado Batista revelou à jornalista Marília Gabriela, em entrevista no programa "De Frente com Gabi", dia 27 de maio, ter sido torturado durante a ditadura militar, por ajudar pessoas consideradas subversivas na época. Ele trabalhava em uma livraria e teria conseguido livros “subversivos” para alguns intelectuais, além de ter feito o favor de enviar dinheiro para um professor universitário de um grupo clandestino. 

Amado Batista, hoje com 62 anos de idade, contou que os militares chegaram até ele porque investigaram os seus clientes da livraria. Pelo contexto da época, pode-se concluir que essa tal “investigação” realizada pelos militares foi a de costume: prenderam e torturaram clientes da livraria, que acabaram revelando com quem conseguiram os livros encontrados com eles. O cantor passou dois meses preso, sob tortura: "me bateram muito. Me deram choques elétricos". 

Apesar de ser doloroso saber que alguém foi torturado, nesse caso o que mais impressiona é a opinião de Amado Batista a respeito das torturas que foi vítima, publicada no site Yahoo! TV: “(...).Eu acho que mereci. Fiz coisas erradas, eles me corrigiram, assim como uma mãe que corrige um filho. Acho que eu estava errado por estar contra o governo e ter acobertado pessoas que queriam tomar o país à força. Fui torturado, mas mereci", afirmou ele, que comparou seus torturadores a "uma mãe que corrige um filho". A lógica simplista de Amado Batista é semelhante à da mãe de um militante de esquerda preso pela Operação Bandeirantes (OBAN), em São Paulo, em 1970, que lhe disse que se tinha apanhado daquele jeito é porque na certa havia merecido. 

É terrível ouvir alguém dizer que foi torturado, mas mereceu. E é mais terrível ainda a conclusão da vítima, de que os torturadores o corrigiram, porque ele estava errado. Essas são as opiniões de Amado Batista, mantidas 40 anos após o ocorrido: quem é contra o governo e quer “tomar o país à força”, tem mais é que ser torturado, porque está errado e precisa ser corrigido. Ou seja, para ele, a tortura é um instrumento válido e eficaz em casos assim. 

Vivenciei a indiferença com a tortura em São Paulo, no início dos anos 90, quando cheguei próximo à delegacia do Campo Belo, bairro na região do aeroporto de Congonhas. Eram quase nove horas da manhã, havia bastante movimento nas ruas, várias pessoas caminhando pelas calçadas, e alguém sendo torturado dentro da delegacia. Ouvia-se na rua seus gritos, as pancadas e os gritos dos policiais que torturavam e interrogavam. Olhei em volta, não havia ninguém espantado. Perguntei aos comerciantes das lojas próximas, eles disseram que aquilo era “normal”. Em frente à delegacia e no pátio interno, havia dezenas de policiais militares, conversando e fumando, na maior tranquilidade. Fui embora atordoado, por não ter feito nada, mesmo sabendo que não havia o que eu pudesse fazer ali, e mais ainda porque ninguém, mas ninguém mesmo demonstrara solidariedade com quem estava sendo espancado pela polícia.

Esse é um dos desafios para acabar a tortura de presos, que ainda continua prática cotidiana e generalizada no Brasil: o senso comum dominante é que quem errou (assaltou, matou) tem mesmo que apanhar, e nesses casos cabe à “lei” (polícia, militares, guardas penitenciários etc.) aplicar essa punição física. Continuar existindo a lógica medieval da punição física a quem comete erros – na interpretação popular e na de quem está com o poder de punir – é algo assustador, inclusive por colocar nas mãos de funcionários públicos esse “direito” de cometer as piores barbaridades com pessoas indefesas. 

Advogados que militam na área penal sabem como é difícil encontrar pessoas pobres que considerem absurda a tortura de seus parentes pelas polícias civil e militar, de tão “normal” que é o procedimento. Se a tortura é normal, porque denunciá-la e entrar com ação na Justiça? Se as ações policiais são “assim mesmo”, protestar para que? 

Felizmente, há sinais de mudança no ar. O protesto contra a tortura dos presos em São Pedro de Alcântara (SC), tornado público através de incêndios de ônibus em várias cidades catarinenses no início de 2013, revelou para o mundo inteiro as práticas de parte dos funcionários públicos brasileiros, inclusive diretores, delegados e comandantes, que trabalham em penitenciárias e nas polícias civil e militar. 

Romper com a lógica dominante da utilização da tortura para extrair confissões de suspeitos e para punir adicionalmente quem cometeu crimes, ou não obedeceu às ordens dos carcereiros, hoje é possível no Brasil. Há a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, com status de ministério, há secretarias equivalentes em vários governos estaduais, há a Comissão Nacional da Verdade, levantando casos de tortura, assassinatos e desaparecimentos durante a ditadura militar, enfim, o contrário dos aparatos repressivos dos governos naquele período, que incluía, inclusive, cursos de formação sobre tortura com professores estrangeiros, com direito a pós-graduação na Escola das Américas, construída no Panamá pelos Estados Unidos para difundir novas técnicas de repressão para oficiais das Forças Armadas da região. 

É possível alterar o senso comum a respeito da tortura no Brasil com muita propaganda, de boa qualidade, veiculada por bastante tempo e de diversas formas. Para isso, é fundamental ter em primeiro lugar pesquisas de opinião, quantitativas e qualitativas, que mostrem as opiniões dos vários segmentos da população a respeito da tortura. Há algumas diferenças significativas, entre o “povão”, e entre essa maioria e, por exemplo, a “classe média” e os ricos e muito ricos.

Adicionalmente, pesquisar o que pensam a respeito os homens e mulheres “operadores do Direito”: advogados, promotores, juízes, desembargadores, ministros. Essa parcela específica é muito importante nesse esforço para reduzir a tortura e outros crimes cometidos por agentes públicos contra a população. Mas o que se sabe dela é que a maioria, infelizmente, partilha do senso comum, e uma parcela professa um reacionarismo impressionante. O detalhe é que são pessoas cuja atuação cotidiana incide nos casos concretos de tortura, por influência ideológica, omissão ou até conivência. 

Saber o que pensa a maioria da população brasileira a respeito da tortura permitirá encontrar os caminhos para a propaganda produzir as mudanças necessárias nas opiniões, rompendo o senso comum e provocando na maioria das pessoas indignação e repulsa em relação à tortura dos presos comuns, assim como se conseguiu em vários momentos, em plena ditadura, em relação à tortura dos presos políticos. 

Tomara que os governos se animem a fazer propaganda com essa finalidade, porque com um trabalho consistente de anúncios em todas as mídias, ações e materiais promocionais etc., combinado com ações efetivas dos executivos, em pouco tempo haverá resultados positivos, inclusive em relação à violência contra a mulher, contra os jovens e no trânsito, porque todas elas têm em comum a mesma matriz. 

E... o governo federal e os estaduais, mais as universidades, os movimentos sociais, as entidades empresariais e o conjunto da sociedade precisam agir efetivamente para acabar com a tortura cometida por agentes públicos, sejam eles guardas penitenciários, policiais civis e militares, ou de qualquer outro setor, também porque os presos torturados descobriram o caminho para protestar com grande repercussão midiática – ainda que prejudicando a população pobre, que depende de ônibus para trabalhar e estudar.

(*) Milton Pomar é geógrafo.

Há 40 anos, o terrorismo de direita chamava 

à derrubada do governo no Chile

“Aspiramos ser um anti-partido político, a representar todos os chilenos por cima das bandeiras partidárias”
Maurício Brum
Especial para o Sul21

Em fins de maio de 1973, o governo de Salvador Allende era fustigado por todos os lados, à esquerda e à direita. Os aliados defendiam a necessidade de avançar mais rápido nas reformas, sem negociar nem dar chance para que a reação se fizesse real, e a oposição buscando anular a qualquer custo as cada vez mais tímidas tentativas do governo de implantar sua agenda. Há quarenta anos, levar adiante a Via Chilena ao Socialismo já não era apenas questão de vontade: era quase uma impossibilidade. Qualquer projeto, por mínimo que fosse, dependia de acordos políticos que iam se fazendo menos plausíveis conforme as crises se agravavam. Tentar um avanço com arestas ditatoriais, como pedia a ala mais radicalizada da Unidade Popular, contrariava a ideologia de Allende – e era, de qualquer modo, inviável. Não haveria sustentação militar para tanto.
A crise, real ou fabricada, era tangível em diferentes setores. A greve da mina de cobre El Teniente, uma das maiores do país, completara um mês no dia 19 de maio. O general Carlos Prats, comandante do Exército leal ao governo, encontrava-se na Europa para uma visita oficial – e, embora seu substituto, Augusto Pinochet, ainda fosse visto como confiável, suas mostras de apoio a Allende nunca haviam sido tão convictas quanto as do superior. Nos mercados faltavam alimentos e a inflação continuava a crescer de forma alarmante, embora os depósitos estivessem cheios, com armazéns vendendo produtos clandestinamente a preços muito acima do valor tabelado. Em meio às dificuldades crescentes, a Unidade Popular passou a contar com mais uma, que julgava superada: o reaparecimento de Roberto Thieme, influente secretário-geral da Frente Nacionalista Patria y Libertad (FNPL).
O Patria y Libertad costumava marchar armada pelas ruas de Santiago: confrontos com a Unidade Popular e destruição da infra-estrutura do país.
Uma improvável guerrilha conservadora
O Patria y Libertad havia surgido em 1º de abril de 1971, baseado em uma premissa naquele momento mentirosa: que a esquerda chilena estaria em minoria nas eleições municipais que se celebrariam no país dali a três dias. Aquele pleito seria o primeiro realizado após a vitória de Allende na corrida presidencial, em setembro do ano anterior, e serviria como um termômetro inicial da aceitação do novo governo – que, de fato, havia sido eleito sem maioria absoluta, com pouco mais de 36% dos votos válidos. Se Allende só chegara ao poder graças à confirmação do Congresso – não havia segundo turno, e cabia aos legisladores optar entre os dois candidatos mais votados –, os conservadores acreditavam nas eleições municipais para comprovar seu argumento de que a Unidade Popular governava sem legitimidade. No ato de fundação da FNPL, o líder Pablo Rodríguez Graz afirmou:
Aspiramos [...] a ser um anti-partido político, a representar todos os chilenos por cima das bandeiras partidárias, mas não poderíamos ser alheios à próxima contenda eleitoral. O Frente Nacionalista lutou com todos os seus meios para que no domingo [4 de abril de 1971] derrotemos o marxismo nas urnas. [...] Mas, se somos derrotados, [...] tenham vocês a convicção de que os que aqui estão presentes e os que não puderam vir, seguiremos irredutivelmente nesta luta antimarxista onde quer que estejamos”.
O discurso nunca esteve tão errado quanto nessa ocasião. Em 4 de abril de 1971, as urnas deram à UP sua única maioria absoluta: 51% dos votos somados no país inteiro foram para candidatos da coalizão de esquerda, e ao Patria y Libertad só restou levar ao pé da letra a promessa de “lutar”, tornando-se a mais forte organização paramilitar contrária ao governo. Jamais chegariam a se identificar como guerrilheiros, um termo que vinha sendo amplamente aplicado aos grupos armados de esquerda que pipocavam pelo continente, e preferiam dizer que lutavam pelo bem nacional. Certo é que seus militantes estiveram por trás de inúmeros atentados terroristas contra a infraestrutura do Chile, na campanha por agravar as dificuldades econômicas contra as quais Salvador Allende se debatia.
Um galã para derrubar Allende
O movimento nacionalista explodiu oleodutos, derrubou linhas elétricas e pontes, e entrou em confronto com as manifestações favoráveis à Unidade Popular. Se estourava uma greve patronal para estremecer ainda mais a situação, como a paralisação dos donos de caminhões em outubro de 1972, os militantes da FNPL estavam invariavelmente oferecendo suas armas para ameaçar aqueles que não se juntassem ao protesto. O símbolo do Patria y Libertad era uma corrente rompida à esquerda e à direita, para sugerir independência de qualquer viés partidário – apesar de sua nítida simpatia ao Partido Nacional, o mais conservador da época. A insígnia lembrava, ainda, uma aranha negra, e foi por esta alcunha que o grupo se fez conhecido. Numa estética que remetia às passeatas vistas na Alemanha ou Itália do fim dos anos 30, os militantes da Frente Nacionalista faziam demonstrações marchando armados por Santiago, com seu símbolo estampado em braceletes e em grandes cartazes.
Roberto Thieme, o galã da oposição foi dado como morto, mas reapareceu espetacularmente e, anos depois, chegou a casar a filha de Pinochet
Roberto Thieme uniu-se à causa do grupo desde o princípio. Belo e galanteador, era famoso por suas conquistas amorosas – muitos anos depois, em 1992, chegaria a se casar com a filha mais nova de Augusto Pinochet. Nascido numa próspera família de imigrantes alemães, Thieme vinha aumentando a fortuna como empresário do setor moveleiro e dedicava as horas vagas à paixão de pilotar aviões. Nascera em 1942, quando seu pai, Walter Thieme, ainda militava no braço chileno do Movimento Nacional-Socialista. O velho Walter morreria sem acreditar no Holocausto, afirmando que o massacre de judeus não passava de uma invenção dos Aliados para que a doutrina nazista jamais pudesse ganhar força novamente.
Quando assumiu o cargo de secretário-geral do Patria y Libertad, Roberto Thieme logo se tornou uma das figuras mais emblemáticas da oposição no país. Era, porém, um tipo escorreito. À dificuldade de comprovar sua participação nos atentados, somava-se a vontade cada vez menor das forças de segurança de cooperar com o governo e perseguir os grupos armados mais ativos – além da FNPL, o Comando Rolando Matus, ligado ao Partido Nacional, vinha se destacando pelas ações violentas. Foi com certo alívio que as lideranças da Unidade Popular encararam a notícia que emergiu em todas as rádios do país em 23 de fevereiro de 1973, quando Thieme foi dado como morto.
Sumiço cinematográfico, ressurgimento explosivo
No início daquela tarde de verão, no aeroporto Carriel Sur de Concepción, ele avisou a alguns de seus colegas que pilotaria seu bimotor em um curto voo de espionagem para comprovar a existência de um acampamento de “guerrilheiros marxistas” na região. Poucos sabiam da sua verdadeira estratégia. Quinze minutos após a decolagem, voando em direção ao litoral, Thieme chamou a torre de controle anunciando uma emergência: havia ocorrido um incêndio a bordo, a cabine estava repleta de fumaça e o avião despencava verticalmente na direção da desembocadura do rio Itata. Enquanto o controlador de voo pedia calma, Thieme respondia que sua visibilidade era nula. E acrescentou: não conseguiria recuperar a estabilidade do avião.
Em seguida, o secretário-geral do Patria y Libertad desligou o rádio. As vozes foram substituídas pela estática, e o controle de voo chamou apressadamente os helicópteros de resgate. Afirmou-se que uma mancha de óleo foi vista na costa próxima ao ponto informado pelo piloto, e logo correu a informação de que a queda era uma certeza. Roberto Thieme estava desaparecido e, muito provavelmente, morto. Mas o bimotor não havia caído. Na hora em que os helicópteros avistaram a suposta mancha, o avião já estava distante do suposto local do acidente. O piloto voou até o lado oposto do mapa, margeando a cordilheira, e pousou secretamente em uma propriedade rural ao sul, perto da cidade de Chillán. Ali, seu avião foi repintado e passou a estampar uma matrícula argentina. Thieme decolou para o país vizinho na madrugada seguinte.
Com uma identidade falsa, o opositor de Allende assentou-se em Mendoza, próxima à fronteira, e escolheu um vasto descampado da região para iniciar um acampamento onde treinaria seus asseclas. Viajou a Buenos Aires para encontrar-se com um alto oficial da ditadura do general Alejandro Lanusse, para quem explicou sua ideia e obteve a garantia de que não teria os planos atrapalhados. Também conseguiu contatos para obter armas e mantimentos, facilitando a instalação de uma base de treinamentos. O esquema começou a funcionar: os militantes viajavam à Argentina num avião cargueiro, em grupos de 25, para uma preparação de um mês. Embora o acampamento pudesse receber até 500 pessoas, definiu-se que o contingente não superaria 100 ao mesmo tempo, para evitar uma traição que dizimasse as aranhas negras.
Mas, em 2 de maio, quando fazia um de seus voos para uma pista particular no interior da Argentina, Thieme teve um problema real no avião e se viu obrigado a fazer um pouso de emergência. Ele e seu colega a bordo, Miguel Sessa, tiveram de percorrer quinze quilômetros de estrada a pé, até serem parados de surpresa por três carros da polícia argentina. A região de Mendoza vinha sendo palco de ações dos montoneros e, ironicamente, os dois chilenos foram confundidos com estrangeiros que estariam colaborando com o extremismo de esquerda. Levados a um quartel da região, foram interrogados com raiva antes que Thieme convencesse os policiais a consultar seus contatos no Exército Argentino. Uma hora depois, os xingamentos e ameaças viraram convites para um café, pedidos de desculpas e oferecimento de ajuda.
Portão da chamada Colonia Dignidad, uma das bases de apoio do Patria y Libertad, que durante a ditadura de Pinochet seria usada como centro de torturas
A nova investida do Patria y Libertad
Apesar da tentativa de abafar o caso, a atuação desastrada das forças de segurança argentinas colocou o assunto nas páginas dos jornais, com direito a fotos do avião. Roberto Thieme, dado como desaparecido e provável morto desde fevereiro, havia sido localizado vivo na província de Mendoza. A notícia atravessou a cordilheira e saiu nos jornais chilenos em 4 de maio, abalroando a Unidade Popular com força redobrada: na mesma tarde, um conflito político em Santiago havia resultado em morte. Desta vez, a ala jovem do Patria y Libertad havia caído numa emboscada com armas de fogo. O militante Mario Aguilar caiu sem vida. Ernesto Miller, meio-irmão de Roberto Thieme, ficou em coma após levar sete tiros, mas se recuperou nos dias seguintes.
Amparados pelas autoridades da ditadura argentina, Thieme e Miguel Sessa pediram asilo político no país, mas não duraram muito tempo ali. Sessa regressou de forma clandestina ao Chile para seguir organizando brigadas armadas. Thieme fez um breve périplo ao Paraguai e depois voltou a Buenos Aires, onde continuaria levantando equipamentos para a base no interior de Mendoza. Frente ao calor dos acontecimentos, entre 20 e 25 de maio de 1973, o Patria y Libertad organizou no sul chileno seu Primeiro Congresso Nacional de Dirigentes. Dali saiu uma declaração defendendo a “revolução nacionalista”, que pretendia firmar as bases da independência da FNPL. Também era um chamado ao golpe:
“O nacionalismo, como manifestação revolucionária, não considera possível dirimir este conflito [político] até as eleições presidenciais de 1976. [...] O nacionalismo considera inevitável uma definição a muito curto prazo para resolver a disjuntiva do Chile. Prognostica a agonia e morte das concepções políticas tradicionais que se mostraram incapazes de encarar o marxismo totalitário eficientemente”.
Em junho de 1973, com a participação declarada ou oculta do Patria y Libertad, começaria a sequência mais vigorosa de ataques contra o governo Allende.

Aliança para o P(rogresso)ácifico


30/05/2013

O projeto inicial dos EUA era ampliar a Nafta para o conjunto do continente. O México, o melhor aluno do Império, foi o primeiro contemplado com esse privilegio. O Chile correu se candidatar como o próximo da fila, exibindo suas cartas de economia do livre comércio.

A crise de 1994 no México – e a sublevação zapatista concomitante – fizeram os EUA alterar sua tática. Se deram conta que era demais que os países latino-americanos simplesmente se agregassem ao acordo já estabelecido – ainda mais se o primeiro país que havia aderido vivia a primeira crise específica do modelo neoliberal.

A proposta foi modificada para a Alca – Área de Livre Comércio das Américas –, que Bush propôs no Canadá, em 2000, e só teve um voto contra: o de Hugo Chávez. Todos os outros – FHC, Menem, Fujimori et caterva – a favor.

A fase final da negociação da Alca pegou o Brasil já não mais com a dupla FHC-Celso Lafer, mas com Lula-Celso Amorim, e o Brasil inviabilizou a Alca, abrindo caminho para a priorização dos projetos de integração regional.

Os EUA tiveram que readequar sua estratégia, passando a centrar-se nos Tratados bilaterais de livre comercio. Retomou a prioridade do Chile, depois países da América Central – a começar pelo Panamá e pela Costa Rica –, depois com o Peru e a Colômbia.

Porém esse processo foi afetado diretamente pela emergência dos governos progressistas em alguns dos países mais importantes do continente, assim como pelo enfraquecimento do México – ponta de lança dos EUA no continente –, assim como pela recessão internacional, que tem na economia norte-americana um dos seus epicentros. Ao isolamento político dos EUA diante de novos organismos regionais – como Unasul, o Banco do Sul, o Conselho Sul-americano de Defesa, a Comunidade de Estados da América Latina e do Caribe, se somou o isolamento econômico, porque os EUA não têm o que propor aos países da região, com sua economia em recessão.

Assim, mesmo países que assinaram Tratados de Livre Comércio com os EUA – como o Peru e a Colômbia – desenvolvem comércio crescente com os países do Mercosul – em particular com o Brasil. O Peru, por exemplo, tem na China e no Brasil seus principais parceiros comerciais, apesar do TLC com os EUA.

Mais recentemente os EUA incentivaram a formação da Aliança do Pacífico, buscando agrupar o México, o Chile, a Colômbia e o Peru. Uma aliança débil, não apenas pela recessão dos EUA, como também porque – como foi dito – dois desses países tem fluido comercio com países da região fora dessa Aliança. Da mesma forma, o Chile está prestes a derrotar a um dos mais entusiastas promotores dessa Aliança – Sebastien Piñera –, substituído provavelmente por Michele Bachelet, de Partido Socialista.

Os órgãos da mídia vinculados aos EUA – dentre os quais especialmente El Pais – buscam projetar um falso dinamismo dessa Aliança, comparado com uma estagnação do Mercosul. (O mesmo jornal que publicou recentemente um ridículo articulo dizendo que o México disputa com o Brasil a liderança continental).

Isto se dá justamente quando o Mercosul se amplia – com o ingresso da Venezuela, do Equador e da Bolívia – e se dota de condições de formular projetos de integração regional consistentes, de caráter industrial, tecnológica, educacional, entre outras esferas, possibilidade totalmente vedada aos países da Aliança, baseados no livre comercio e não na integração regional.

Trata-se de uma nova Aliança, que atualiza a infeliz iniciativa norte-americana da Aliança para o Progresso, dos anos 1960. Elas têm em comum a tentativa de criar um dique de contenção ao avanço de governos progressistas na América Latina. Na sua primeira versão, buscava prevenir que outros processos revolucionários não se seguissem ao de Cuba. Agora, se trata da tentativa de frear a incorporação de novos países ao poderoso movimento de integração de governos pós-neoliberais. Fracassou na primeira vez, vai fracassar desta vez também. 

Postado por Emir Sader às 08:15


Fome já ameaça meio milhão de pessoas no Reino Unido


Informe da Oxfam e da Church Action on Poverty adverte que mais de meio milhão de britânicos dependem de bancos de alimentos de organizações não governamentais para evitar a fome. Segundo organizações, número de pessoas que recorre a estes bancos de alimentos triplicou por causa da reforma do sistema de seguridade social aplicado pela coalizão conservadora liberal-democrata do primeiro ministro David Cameron. Por Marcelo Justo, de Londres.

Londres - Mais de meio milhão de britânicos dependem de bancos de alimentos de organizações não governamentais para evitar a fome. O informe da Oxfam e da Church Action on Poverty revela que o número de pessoas que recorre a estes bancos de alimentos triplicou por causa da reforma do sistema de seguridade social da coalizão conservadora liberal-democrata do primeiro ministro David Cameron.

O gigantesco programa de ajuste da coalizão – equivalente a um corte fiscal de 160 bilhões de dólares em cinco anos – contempla um corte de mais de 20 bilhões anuais na ajuda social. Segundo o informe das ONGs, a profunda reestruturação do estado benfeitor e o desemprego fizeram triplicar o número de pessoas que recorrem aos bancos de alimentos no Reino Unido, sétima economia mundial, ex-império que certa vez pode jactar-se que em seus domínios “o sol nunca se punha”.

As duas organizações exigiram uma investigação parlamentar sobre os níveis de pobreza. “A rede de contenção que protegia a população está sendo destruída de tal maneira que estamos vendo um claro aumento da fome. Os bancos de alimentos não devem ser um substituto de um sistema de seguridade social”, assinalou o diretor executivo de Church Action on Poverty, Nial Cooper.

O mais importante banco de alimentos, o Trussel Trust, fornece um mínimo de três dias de emergência alimentar com as doações de escolas, igrejas, empresas, indivíduos e supermercados. “No inverno, comas baixíssimas temperaturas, muita gente tem que escolher entre a calefação ou a comida. Um casal, Anne Marie e Danny, com uma filha de 18 meses, teve problemas para cobrar os benefícios sociais quando Danny teve uma gripe e não pode ir trabalhar. Os vizinhos deram a elas uma lata de sopa para sobreviver. Quando o banco de alimentos interveio, foi como se tivessem salvo a vida deles”, assinala um porta-voz da organização.

Os conservadores defendem os bancos de alimentos como um exemplo da “Big Society” proposta pelo primeiro-ministro David Cameron. Segundo Cameron, não se pode esperar que o Estado cubra todas as necessidades sociais da população: as ONGs e outras organizações têm que cumprir um papel crescente na sociedade. Em uma visita a um banco de alimentos o líder da oposição, o trabalhista Ed Miliband, ironizou esta postura. “Nunca pensei que a ‘Big Society’ fosse para alimentar crianças famintas no Reino Unido”, disse.

Em resposta, o primeiro-ministro acusou Miliband de politicagem afirmando que o número de usuários de bancos de alimentos aumentou durante o último governo trabalhista. David Cameron não faltou com a verdade. Em 2005, cerca de 3 mil pessoas usavam os bancos de alimentos. Em 2009-2010, após o estouro da crise financeira, sob o governo do então primeiro-ministro trabalhista Gordon Brown, já eram 40 mil.

David Cameron só se esqueceu de um detalhe. Desde que assumiu o poder em 2010 o número de usuários dos bancos de alimentos cresceu dez vezes: só o Trussell Trust recebeu mais de 350 mil pessoas. “Se Cameron acredita que isso é um triunfo, seu manejo das estatísticas é digno do 1984 de George Orwell”, ironizou, no “Evening Standard”, o comentarista Richard Godwin.

Com um desemprego de quase 8%, com uma quarta da população economicamente ativa – cerca de oito milhões de pessoas – com empregos temporários, e com um ajuste econômico que, segundo o governo, deve se prolongar até 2018 para atingir um equilíbrio fiscal, a situação vai se agravar. 

O Reino Unido teve em 2012 sua segunda recessão em três anos e neste primeiro trimestre se salvou raspando de uma terceira: a economia cresceu 0,3%. Ainda assim, esta semana, a Organização da Cooperação e 
Desenvolvimento (OCDE) baixou de 0,9 para 0,8% as perspectivas de crescimento para este ano. Bem Philips, chefe de campanha da Oxfam, considera que os cortes dos gastos sociais não só não tem sentido moralmente como são um erro econômico. “Empobrecer meio milhão de pessoas é uma má política econômica. “Quem serão os clientes dos supermercados e dos negócios em seus bairros?”, perguntou Phillips.

Tradução: Marco Aurélio Weissheimer


As fronteiras da política de imigração

30 maio 2013
DIE ZEIT HAMBURGO



"Refugiados, bem-vindos à UE".
"Refugiados, bem-vindos à UE".
Rainer Hachfeld
A Itália é acusada de ter dado dinheiro a migrantes africanos para estes partirem para a Alemanha. Um escândalo? Não, considera o jornal “Die Zeit”: é a consequência de uma política que consiste em fechar os olhos ao drama dos refugiados e em transferir a responsabilidade para outros países.
Portanto, hoje, os maus da fita são os italianos. Contudo, estes limitaram-se a meter €500 na mão de alguns refugiados líbios, antes de os mandarem para a Alemanha. Agora, há um bando de sem abrigo que vivem espalhados pelas ruas de Hamburgo, incomodando seriamente as autoridades municipais. Mas onde deveriam eles viver? Em tendas? Em abrigos? Quem vai pagar a conta? E, acima de tudo: como vamos livrar-nos deles, o mais rapidamente possível? Porque, claro, “o regresso ao país é a única opção”, como se apressou a declarar o responsável pelos assuntos sociais [do município de Hamburgo], Detlef Scheele.
Deveríamos estar gratos aos mauzões dos italianos por terem despachado estes pobres líbios para Hamburgo. Obrigaram-nos a encarar a realidade de frente e nós merecemos que assim fosse. Porque a política de asilo alemã, ou, mais precisamente, a ausência quase total de uma política de asilo digna desse nome na Alemanha, é uma vergonha.
Porque Hamburgo, como toda a Alemanha, tem tido a vida muito facilitada. É tão confortável estar longe das tragédias humanitárias deste mundo, tão tranquilizador saber que há tantas fronteiras a separar-nos delas, que as contemplamos de longe, a tremer, quando não as ignoramos por completo. Tristes destinos os dos norte-africanos que desembarcam nas praias italianas, quase afogados, dos afegãos esfomeados que se apinham na fronteira entre a Grécia e a Turquia, das centenas de milhares, ou talvez milhões, de sírios que fogem para a Turquia, para o Líbano ou para a Jordânia, para escapar à guerra civil! Mas o essencial é que não cheguem até nós.

Azar dos países que dão para o mar

Há anos que a Alemanha e os países do centro geográfico da Europa se entrincheiram por trás do regulamento dito “dos países terceiros”: um texto inatacável do ponto de vista jurídico, mas pérfido e moralmente condenável. Qualquer pessoa que chegue, com o estatuto de refugiado, a um desses países terceiros – ou seja, todos os Estados-membros da UE e muitos dos países vizinhos – fica proibida de ir mais longe. A Alemanha tem a obrigação de não aceitar nenhum pedido de asilo apresentado por esses indivíduos, visto que estes já estão em segurança. Resultado: os países que têm a infelicidade de se situarem nas proximidades de regiões em crise ou à beira de um mar que, levados pelo desespero, os refugiados tentam atravessar, têm de resolver o problema sozinhos.
Acontece que os líbios e outros não vão parar a Itália por se sentirem especialmente bem ali. Vão lá parar simplesmente porque a Itália é o país da Europa de acesso mais fácil. O objetivo destes indivíduos é a Europa. E é por isso que toda a Europa se deve preocupar, coletivamente, com a sua sorte.
A finalidade é alcançar uma justa repartição de encargos, – pode ler-se nos documentos da UE. Na realidade, a maior parte dos países preferiria livrar-se de encargos. A política europeia de asilo trai os ideais da UE. Nem vestígios de responsabilidade comum ou de um projeto humanista nesta matéria. As autoridades de Bruxelas, e muito especialmente a agência de proteção das fronteiras, Frontex, esforçam-se sobretudo por repelir para mais longe os refugiados e por fazer recuar cada vez mais as fronteiras da fortaleza Europa. Essas autoridades financiam barreiras de segurança e centros de detenção na Turquia, para o problema ser resolvido longe, sem sequer atingir os Estados-membros.

Triagem de refugiados nos campos

E o que faz a Europa, o que faz a Alemanha, perante a situação catastrófica dos refugiados da Síria? Nada, pouco ou menos que pouco. Durante um ano e meio, o ministro do Interior [alemão], Hans-Peter Friedrich, recusou-se mesmo a acolher sírios em território nacional. Foram precisos os protestos incansáveis do representante dos direitos humanos junto do Governo federal para, na primavera, convencer Hans-Peter Friedrich a deixar entrar cinco mil refugiados em território alemão – mas não antes do mês de junho e apenas órfãos ou pessoas que tivessem família na Alemanha, e cristãos de preferência. Os felizes eleitos estão a ser sujeitos a triagem nos campos de refugiados sírios. Centenas de milhares continuarão nesses campos.

Um erro funesto e vergonhoso

Evidentemente que mandar vir todos os refugiados do mundo para Hamburgo, de um dia para o outro, não é solução. Mas há um meio-termo entre o acolhimento sem discernimento e o barramento atual.
Diga-se de passagem que o regulamento “dos países terceiros” se inspira no compromisso alemão sobre o direito de asilo, que data de 1992 e que ainda hoje é denunciado pelos defensores dos direitos humanos. Durante as negociações, alguns centros de acolhimento de requerentes de asilo foram incendiados, na Alemanha. Foram mortos estrangeiros, vítimas da xenofobia alemã, enquanto a política protegia o país dos refugiados: é, ainda hoje, um erro funesto e vergonhoso. Chegou a hora de o corrigir.