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segunda-feira, 22 de junho de 2015

Qual o segredo do Vietnã para melhorar tanto a qualidade de sua Educação?

Qual o segredo do Vietnã para melhorar tanto a qualidade de sua Educação?


O desempenho do Vietnã na última prova PISA - Programa para a Avaliação Internacional de Alunos - foi excelente.
Na primeira participação do país asiático nas provas organizadas pela OCDE, os jovens vietnamitas de 15 anos tiveram pontuações mais altas em leitura, Matemática e Ciências do que muitos estudantes de países desenvolvidos, incluindo Estados Unidos e Grã-Bretanha.
O feito surpreendeu as autoridades do Vietnã e os observadores externos.
Existem três fatores importantes que contribuíram para estes resultados incríveis: um governo comprometido, um plano de estudos bem pensado e um forte investimento nos professores.

Investimentos

O governo do Vietnã vem dedicando tempo e recursos para avaliar os desafios relativos à Educação.
O país criou um plano de Educação de longo prazo e parece estar disposto a destinar o financiamento que for necessário para atingir seus objetivos.
Quase 21% de todos os gastos públicos de 2010 foram dedicados à Educação, uma proporção muito maior do que em qualquer país membro da OCDE - o clube dos países mais desenvolvidos do mundo.
Os educadores do país também criaram um plano de estudos que busca fazer com que os alunos desenvolvam um conhecimento mais profundo de conceitos centrais das diversas disciplinas e um domínio das habilidades básicas.
É fácil entender a razão de muitos destes estudantes vietnamitas terem se sobressaído nos testes ao se comparar alunos da Europa e da América do Norte, onde as escolas costumam abordar muitos assuntos, mas aprofundando pouco.

Além da memorização

O modelo vietnamita de Educação espera que os estudantes, ao terminar os estudos, não apenas sejam capazes de recitar o que aprenderam, mas também aplicar estes conceitos e práticas em contextos que não sejam familiares.
Nas aulas ministradas no país há um nível impressionante de rigor, com professores que desafiam os estudantes com perguntas difíceis.
Os professores se concentram em ensinar poucas coisas bem e com uma grande coerência, algo que ajuda os estudantes a avançarem.
E os mestres vietnamitas são muito respeitados, tanto na sociedade como em sala de aula.
Isto pode ser um atributo cultural, mas também reflete o papel que é dado aos professores no sistema educativo, que vai mais além de dar lição na escola e também engloba funções de apoio ao estudante e preocupação com seu bem-estar.
No país é esperado que os mestres invistam em seu próprio desenvolvimento profissional. Eles também trabalham com um alto grau de autonomia.
Além disso, os professores de Matemática, especialmente os que trabalham em escolas desfavorecidas, recebem mais formação profissional que a média dos países da OCDE.

Alunos fora da escola

Estes professores sabem como criar um ambiente de aprendizagem positivo, fomentam a disciplina em aula e ajudam a construir atitudes positivas dos estudantes em relação à Educação.
E isto sem esquecer o estímulo aos pais, que geralmente têm grandes expectativas em relação aos filhos, e o fato de que a sociedade vietnamita dá muito valor à Educação e ao trabalho duro.
Mas, cerca de 37% dos vietnamitas de mais de 15 anos não estão escolarizados e o desafio agora é conseguir colocá-los na escola. Os resultados da prova PISA, baseados nos jovens que vão à escola e estão dentro do sistema educativo, não dizem nada sobre esses outros jovens não escolarizados.
O governo já estabeleceu como prioridade escolarizar todos os jovens e, até o momento, o sistema conseguiu absorver as crianças desfavorecidas e dar a elas acesso equitativo à Educação.

Quantidade X Qualidade

Mas, conseguir manter a qualidade é mais difícil que aumentar a quantidade, e o Vietnã terá que ter cuidado para não perder a qualidade conforme amplie o acesso à educação.
Assim como mostram os países que têm melhores desempenhos no setor, a excelência geralmente está associada à mais autonomia para as escolas, para que elas determinem seus planos de estudo e provas.
Para o Vietnã isto significa que o governo terá que encontrar uma forma de equilibrar uma gestão centralizada com um entorno flexível e autônomo para cada escola.
Para colher todos os frutos do investimento na Educação, o Vietnã precisa mudar não apenas a oferta de conhecimento, mas também a demanda.
Como sugere um informe recente, o Vietnã pode ganhar três vezes seu PIB atual até 2095 se todas as crianças comparecerem à escola secundária e todos eles adquirirem pelo menos conhecimentos básicos em Matemática e Ciências até 2030 - e se o mercado de trabalho do país for capaz de absorver e utilizar todo este talento.
Se o Vietnã não criar uma demanda para quem tem mais conhecimentos, o país corre o risco de que os mais qualificados escolham desenvolver seus talentos em outro lugar.
É necessário levar em conta uma possível liberalização do mercado de trabalho, ao mesmo tempo em que o país se esforça para construir uma força de trabalho mais capacitada.
Talvez seja muito pedir para um país e seus cidadãos, mas o Vietnã já demonstrou que está pronto e, o que é mais importante, está disposto e ansioso para aceitar o desafio e superá-lo.

Fonte: http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/06/150622_vietna_segredo_educacao_fn?ocid=socialflow_twitter

Entenda o problema da dívida da Grécia

Entenda o problema da dívida da Grécia

YOLANDA FORDELONE
20 Fevereiro 2015

bandeira-da-grécia
(Atualização em 22/6/2015)
Os termos do acordo que a Grécia tenta negociar remetem a um problema antigo. No passado, mais precisamente em 2010, o país aceitou cumprir um programa de reformas e de ajuste fiscal em troca de um empréstimo do Banco Central Europeu (BCE), da União Europeia e do Fundo Monetário Internacional (FMI) para salvar as contas do governo grego, que estavam se tornando impagáveis. A ajuda, que totalizou € 240 bilhões (cerca de R$ 756 bilhões), veio, mas os ajustes estão sendo postergados pelo país. Entenda:
O que a Grécia tenta negociar? 
O país quer adiar o plano de ajuste fiscal, que tem como objetivo diminuir a relação dívida/PIB da Grécia, mas que implicará em cortes de gastos do governo e arrocho salarial.  Em abril, em meio à pressão pelo pagamento de uma das parcelas de sua dívida, a Grécia anunciou que a Alemanha lhe devia € 279 bilhões (quase R$ 1 trilhão) em indenização para reparar danos causados durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). O valor é superior à dívida grega com credores do BCE e do FMI. O país comandado por Angela Merkel não cedeu e afirmou que  indenizações já foram pagas nos anos 1960.
Qual o jogo político por trás da negociação?
Quando o empréstimo à Grécia foi concedido, em 2010, o governo era outro. O governo de coalizão atual, que assumiu o país em janeiro, argumenta que os termos da reforma acertados no passado levam o país para uma recessão. O governo foi eleito, inclusive, com uma plataforma que ia contra o plano de austeridade proposto no passado. Teme que, se aceitar seguir com as reformas, vá contra os eleitores que o escolheram.
O que acontece se a Grécia não chegar a um acordo?
Se não houver acordo entre a Grécia e os credores, a linha de financiamento ao governo grego e aos bancos será cortada, o que diminuirá o crédito do país e afundará a economia em uma recessão ainda mais forte. Além disso, quanto mais tempo a Grécia demorar para ajustar as contas da casa maior será a sua dívida. Jörg Asmussen, do Conselho de Administração do BCE, declarou que a demora no ajuste “faria a razão da dívida ante o PIB do país ultrapassar a meta dos 120% em 2020, que é o limite superior considerado viável para a Grécia”.  Em 2011, pouco depois do início dos empréstimos à Grécia, o endividamento chegou a 165,3% do PIB.
A Grécia irá sair da zona do euro?
Segundo especialistas, um movimento de corte de crédito a bancos gregos poderia forçar o país a deixar a zona do euro. Alguns acreditam que isso não seria de todo o mal para os dois lados – Grécia e zona do euro. Em fevereiro, o ex-presidente do Federal Reserve (Fed), o banco central dos EUA, Alan Greenspan, declarou que acha ser uma questão de tempo a Grécia sair do bloco. “Acredito que a Grécia abandonará a zona do euro. Não acho que permanecer no euro é vantajoso para os gregos ou para o resto da zona do euro. É só uma questão de tempo antes de todo mundo reconhecer que a saída (da Grécia) é a melhor estratégia”, disse.
Onde tudo começou?
Antes de a Grécia entrar na zona do euro em 2001, o governo local já tinha fama de gastar mais do que arrecadava. Os motivos eram diversos – a começar pelas contas públicas. O país, por exemplo, tem muitos aposentados, o que aumenta significativamente os gastos com pensão.
Além disso, os gregos são conhecidos por pagar pouco imposto.  Em 2012, a diretora-gerente do FMI, Christine Lagarde, foi dura nas críticas. Disse que os gregos deveriam pagar mais impostos se querem que suas crianças tenham acesso a uma boa saúde e educação.
Para conseguir a adesão ao bloco, a Grécia chegou a maquiar os dados da dívida. Depois de entrar na zona do euro, instaurou-se o otimismo. O risco dos títulos gregos diminuiu, fazendo com que o país vendesse diversos bônus no mercado e aumentasse ainda mais a sua dívida. O governo gastou mais nos primeiros anos na zona do euro e, ao mesmo tempo, não fez ajustes necessários.
A crise que assolou as principais economias do mundo em 2008 acabou com a “farra do boi” da Grécia. O mercado de títulos diminuiu a liquidez, investidores estrangeiros se tornaram mais seletivos a quem iam emprestar dinheiro.
Ao mesmo tempo, a crise fez a Grécia aumentar os gastos sociais à medida que cresceu o número de desempregados no país. A turbulência financeira abriu os olhos da Europa para o problema: a dívida grega, que já vinha de um histórico alto, caminhava para se tornar impagável. Foi então que os empréstimos do BCE, União Europeia e FMI ao país começaram.

Fonte: http://economia.estadao.com.br/blogs/descomplicador/entenda-o-problema-da-divida-grega/

segunda-feira, 15 de junho de 2015

Gestão da água volta para o Estado em 235 cidades no mundo

Gestão da água volta para o Estado em 235 cidades no mundo


Desde 2000, 235 cidades remunicipalizaram seus serviços de tratamento de água

 São Paulo 15 JUN 2015
Rio Sena em Paris. / NATHAN ALLIARD/PHOTONONSTOP/CORBIS
Não é uma palavra fácil de pronunciar e ainda menos de implementar, mas a remunicipalização da água é considerada uma tendência mundial. Em 15 anos, 235 cidades e cerca de 106 milhões de habitantes retomaram a gestão do tratamento e fornecimento de água das mãos de empresas privadas. Entre elas pequenos municípios de países pobres, mas também grandes capitais como Berlim, Paris ou Buenos Aires. França, berço da Suez e da Veolia,duas poderosas multinacionais que dominam o mercado da água no mundo, é hoje o reino das remunicipalizações, com 94 casos desde o ano 2000. Embora no Brasil essa tendência seja observada de longe, Itu, o município no interior de São Paulo que sofreu drásticos cortes de água e protestos violentos no ano passado, anunciou nesta quinta-feira a intervenção da concessionária, Águas de Itu. A intervenção do município de 155.000 habitantes ameaça a continuidade de um contrato que só acabaria em 2037 e abre as portas para que a remunicipalização do serviço possa acontecer no futuro.
O caso da capital do rio Sena é o mais emblemático para descrever o fenômeno, mas foi um processo complicado que foi proposto pela primeira vez em 2011 pelo então candidato a prefeito Bertrand Delanoë. Em 2010, Eau de Paris começou a atender os 2,2 milhões de habitantes da região metropolitana e assumiu os contratos de fornecimento de água, nas mãos da Veolia e da Suez desde 1985. Foi um desafio, pois era a primeira vez que o poder público recuperava um sistema dessa magnitude. Eau de Paris economizou, no primeiro ano, 35 milhões de euros, graças a internalização dos dividendos antes destinados aos acionistas, e reduziu as tarifas em 8% em relação a 2009.
Ainda é cedo para avaliar o sucesso total da operação, mas a cidade enterrou um sistema de gestão opaco e questionado, pois, no decorrer dos anos, Paris havia perdido o controle do que era feito nas entranhas subterrâneas do município.
Em 1987, havia se privatizado parcialmente o órgão responsável de fiscalizar as duas empresas. Criou-se a Société Anonyme de Gestion des Eaux de Paris (Sagep), uma sociedade de controle cujo capital vinha em um 70% da cidade, 28% de Veolia e Suez e 2% de um banco nacional público de investimentos. "As ações que as companhias privadas tinham na Sagep criaram um claro conflito de interesse, pois o órgão devia supervisionar a concessão, situação que, conforme foi dito em uma auditoria da cidade de 2003, criava um papel paradoxal e relações de associação que não são favoráveis a um exercício de controle", relata no livro Remunicipalização: O retorno da água a mãos públicas, Martin Pigeon, especialista em serviços públicos doCorporate Europe Observatory.
A Prefeitura também não tinha acesso a informação financeira fiável, nem dados sobre o estado da rede. Três auditorias questionaram desde 2001 a opacidade da gestão. Durante o domínio das companhias sobre o sistema as perdas da rede se reduziram de 22% em 1985 a 17% em 2003, e caíram até 3,5% em 2009 [em São Paulo beiram 30%]. Em compensação, as tarifas aumentaram 265% entre 1985 e 2009, enquanto o custo de vida aumentava 70,5%, segundo os dados recolhidos no livro Remunicipalização. Paris está hoje entre as 60 cidades que mais caro cobra pela sua água (14,5 reais por cada mil litros), segundo o estudo de 2014 realizado pela revista especializada Global Water Intelligence.
As dificuldades para que a remunicipalização seja também tendência no Brasil são, principalmente, um marco regulatório novo e uma infraestrutura carente. No país, apenas 304 municípios, 5% do total, têm algum tipo de concessão ou parceria com o setor privado para abastecer seus habitantes e eles mantêm concessões relativamente recentes considerando a duração deste tipo de acordos. Para se ter uma ideia, a primeira concessão privada, com prazo de 44 anos, foi assinada em 1995 no município de Limeira, em São Paulo, segundo o anuário da Associação Brasileira de Concessionárias (Abcon).
O país, subdesenvolvido nas questões de saneamento (quase 35 milhões de pessoas ainda não têm acesso à rede de água) também precisa de dinheiro para levar água e esgoto a toda a população, segundo os especialistas consultados. "Aqui a necessidade de recursos para universalizar o acesso à água, construir infraestrutura e melhorar a gestão é tão grande que só os recursos públicos não são suficientes", lamenta Newton Azevedo, governador do Conselho Mundial da Água. "No caso do Brasil, a solução para enfrentar as questões de saneamento é a complementaridade dos recursos públicos e privados. O próprio Governo Dilma, com o lançamento de um pacote de 200 bilhões de reais em concessões, reconhece sua limitação financeira e a necessidade do setor privado para o desenvolvimento do país. Cada país tem sua realidade", completa Azevedo.
Itu, que ameaça suspender o contrato com sua concessionária se achar irregularidades, pode se tornar, se não achar um substituto, uma exceção no país. O município afirma que ainda não tem condições de assumir o serviço, mas não descarta a possibilidade no caso de não achar uma concessionária.

Berlim: o preço do controle público

O caso de Berlim está entre os favoritos dos defensores da recuperação da gestão pública, e desde 2012 pelo menos seis cidades alemãs têm passado pelo mesmo processoA privatização da água em Berlim em 1999, quando a empresa pública vendeu por 1,7 bilhão de euros 49,9% de suas ações ao consórcio formado pela RWE Aqua Ltd e, de novo, à francesa Veolia, foi considerada um exemplo de sucesso, menos para os seus clientes. Passados alguns anos, as empresas descumpriram várias das promessas dos seus herméticos contratos, reduziram os investimentos, descuidaram a qualidade do serviço e encareceram a conta, com um aumento de 35% em menos cinco anos. O contrato privado era tão impopular que nas eleições municipais de setembro de 2011 a remunicipalização foi parte dos programas de três dos quatro principais partidos.
A insatisfação popular se materializou em um referendnaquele ano que deu voz a 666.000 berlinenses sobre o que eles queriam fazer com sua água. 98,2% deles votaram por mais transparência, e queriam saber os termos dos contratoscom as duas companhiasApós o referendo, os contratos foram publicados online e os berlinenses puderam comprovar as favoráveis condições que os investidores privados tinham se garantido graças aos aumentos da tarifa. Em 2012 Berlim comprou de volta as ações das companhias por mais de 1,3 bilhão de euros. Uma vitória cara que pode comprometer seu sucesso: o valor será repassado nas contas de água dos seus clientes por 30 anos. "Ainda é cedo para avaliar o sucesso, mas o aumento da conta em Berlim é consequência da privatização anterior, e não da remunicipalização, portanto não podemos concluir nada sob esta premissa", avalia Emanuele Lobina, pesquisador doPublic Services International Research Unit da Universidade de Greenwich.
Além de Berlim, outras cidades pagaram um custo alto, que inclui as indenizações pela rescisão dos contratos com as empresas, por recuperar a gestão dos seus recursos. A cidade de Indianópolis, nos Estados Unidos, teve que pagar 29 milhões de dólares à multinacional Veolia por encerrar o acordo dez anos antes do combinado e, na Argentina, a concessionária denunciou em um tribunal de arbitragem internacional a cidade de Buenos Aires para ser indenizada pela reversão da gestão. Nove anos depois, neste mês de abril, a Justiça reconheceu o prejuízio da Suez que deve ser indenizada pelo Governo Argentina com 405 milhões de dólares. Já conseguir a aplicação da sentença vai ser outra batalha.
Fonte: http://brasil.elpais.com/brasil/2015/06/05/politica/1433533748_741282.html

EUA planejam presença militar inédita desde 1989 no Leste Europeu

EUA planejam presença militar inédita desde 1989 no Leste Europeu


Pentágono prepara envio de armamento a bases para fazer frente à ameaça expansionista

 Washington 15 JUN 2015
Soldados estadounidensesSoldados norte-americanos participam de manobras com tropas britânicas, romenas e moldavas, em abril, na Romênia. / REUTERS
O conflito na Ucrânia e a preocupação dos Governos regionais com a ingerência russa estão propiciando um retorno dos meios de dissuasão militar próprios da Guerra Fria. O Departamento de Defesa dos Estados Unidos está preparando o envio de armamento pesado a bases militares no Leste Europeu, um material que poderia ser empregado por até 5.000 soldados norte-americanos.
A proposta, segundo o jornal The New York Times, deverá ser aprovada pelo presidente Barack Obama e o secretário de Defesa Ashton Carter antes da reunião de ministros de Defesa da OTAN no final deste mês.
O objetivo de Washington é reforçar as garantias de segurança dos países ex-soviéticos que receiam o expansionismo da Rússia, mais de um ano depois de Moscou anexar a península da Crimeia e estabelecer um apoio contínuo à insurgência separatista no leste da Ucrânia.
Se a mobilização militar for aprovada, será a primeira vez desde o fim da Guerra Fria, há mais de duas décadas, que os EUA estacionam armamento pesado nos novos países da OTAN do Leste Europeu, ou seja, aqueles que antes integravam a esfera de influência da União Soviética. Os Governos da Polônia e Lituânia confirmaram no domingo que estão em conversações com Washington para abrigar armamentos.
A iniciativa significa uma admissão implícita de que o Governo Obama não prevê um fim próximo da intervenção russa na Ucrânia, iniciada em março de 2013 depois das revoltas pró-democráticas e pró-europeias naquele país. O envio de material bélico pesado seria a decisão mais contundente já tomada por Washington para responder às ingerências da Rússia de Vladimir Putin. Até agora, os EUA já haviam intensificado os exercícios militares nos países parceiros da OTAN no leste, além de prestarem apoio militar a esses países e à Ucrânia, que não participa da aliança atlântica. No terreno diplomático, Washington impôs, junto com a União Europeia, sanções econômicas a Moscou.
A proposta atual do Pentágono, que não detalha prazos, é levar à Lituânia, à Letônia e à Estônia material suficiente para 150 soldados em cada país, segundo oTimes. A quantidade seria superior, para 750 soldados, na Polônia, Romênia, Bulgária e “possivelmente” a Hungria. Militares norte-americanos analisaram as bases que poderiam receber esse material. O armamento seria vigiado por contratados locais, não por militares norte-americanos. Seria uma mobilização similar à feita pelos EUA no Kuwait durante uma década, depois da primeira Guerra do Golfo, ocorrida em 1991.
“O Exército continua revisando as melhores localizações para armazenar estes materiais em consulta com nossos aliados”, observou o porta-voz do Departamento de Defesa, Steven Warren, em nota. “Neste momento, não tomamos nenhuma decisão sobre se ou quando mover este material.” A informação do jornal chega poucas semanas depois de o secretário-geral da OTAN, Jens Stoltenberg, e o ministro da Defesa polonês visitarem Washington.
Com o envio de material bélico, Obama procura mandar uma mensagem de firmeza a Putin, mas seu alcance é limitado. A proposta exclui a mobilização permanente de tropas americanas, como tinham pedido altas autoridades militares do Báltico. Os carros de combate, veículos de infantaria e outro material bélico pesado não seriam colocados sobre o terreno, mas ficariam armazenados em bases aliadas para uso em caso de necessidade ou treinamento. E o volume de material, segundo o Times, seria inferior ao que a Rússia poderia mobilizar em sua fronteira.
A filosofia por trás da decisão coincide com a obrigação dos Estados Unidos, como país membro da OTAN, de responder a uma ameaça à segurança de outro parceiro da aliança. E não inclui nenhuma assistência militar adicional à Ucrânia. O debate que houve em fevereiro no seio do Governo Obama sobre a necessidade de entregar armas ao Exército ucraniano parece ter ficado enterrado, apesar da frágil trégua no Leste da Ucrânia entre as forças nacionais e os rebeldes pró-russos.
Por enquanto, a iniciativa não suscitou nenhuma reação oficial russa, mas representa, sem dúvida, um abalo nos esforços que o Kremlin vinha fazendo para tentar convencer o Ocidente de que a Rússia não representa nem um perigo nem uma ameaça para a Europa. Ao mesmo tempo, os novos planos norte-americanos podem reforçar a posição da linha dura na Rússia, que poderia exigir a volta dos mísseis nucleares ativos apontando para a Europa, informa Rodrigo Fernández.
Apesar da crescente tensão, Washington mantém aberto um canal de comunicação com Moscou, como evidenciou a reunião em meados de maio na Rússia do secretário de Estado, John Kerry, com Putin. O papel da Rússia é crucial nas negociações nucleares com o Irã e na resolução da guerra civil síria. É presumível, apesar disso, que o envio do material bélico incomode a Rússia, como já aconteceu com o projeto do presidente George W. Bush de instalar um escudo antimísseis no leste da Europa para conter uma suposta ameaça do Irã. Ao chegar à Casa Branca em 2009, Obama barrou esse plano.
Fonte: http://brasil.elpais.com/brasil/2015/06/14/internacional/1434316570_619811.html

sábado, 13 de junho de 2015

“O que aconteceu em junho de 2013 no Brasil ainda não acabou”

“O que aconteceu em junho de 2013 no Brasil ainda não acabou”


Estudioso crê que protestos podem gerar forças à esquerda, mas teme sectarismos

 São Paulo 12 JUN 2015

A multidão de jovens que se aglomerava na última terça-feira na porta do Sesc Pinheiros, na zona oeste de São Paulo, poderia dar a impressão de que alguma grande banda descolada se apresentaria em breve. Mas a grande atração do dia era o geógrafo marxistaDavid Harvey (Kent, 1935), professor de antropologia da Universidade da Cidade de Nova York (Cuny), que veio ao Brasil para participar do Seminário Internacional Cidades Rebeldes, promovido pela Boitempo Editorial. Na programação, quatro aulas de introdução a sua obra ministradas pelos principais nomes da geografia, do urbanismo e da filosofia do Brasil, como Raquel Rolnike Erminia Maricato.
Apresentando a edição traduzida de sua obra “Paris, capital da modernidade”, que chega agora às livrarias brasileiras, o próprio Harvey tomou o palco naquela tarde para apresentar sua análise de como a exclusão promovida pela urbanização de massa nas cidades desencadeia o descontentamento e as revoltas populares. E, como em alguns casos, a consequência se dá nos cenários políticos. Foi assim na Paris de 1848, analisada por ele em seu livro, na Baltimore de 1968 pós-morte do líder negro Martin Luther King, também estudada por ele, e na “pandemia de revoltas populares” vividas nos últimos anos em países como Espanha (com o movimentos dosIndignados), Turquia (com os jovens em defesa do parque Gezi) e o Brasil, com as revoltas de junho de 2013, da qual participaram muitos daqueles jovens que o aplaudiam.
Dois dias depois, um otimista Harvey conversou com o EL PAÍS sobre esses movimentos e suas consequências.
Pergunta. Na sua palestra você fez um paralelo entre os distúrbios de Baltimore após a morte de Luther King, em 1968, e os ocorridos em 2015, após a morte de Freddie Gray pela polícia. Como esses episódios tão distantes no tempo são semelhantes?
Resposta. Em 1968, basicamente, estávamos lidando com a situação do surgimento do movimento pelos direitos civis nos Estados Unidos. O movimento de massa que havia lá era organizado de uma forma muito poderosa. No final dos anos 1960, isso começou a ficar muito perigoso para a estrutura política de poder e o perigo foi aumentando porque estava emergindo uma conexão entre a marginalização racial e a distinção de classe. E, quando você coloca raça e classe juntas, é como uma dinamite. Foi isso que os Panteras Negras fizeram e eles eram, basicamente, perseguidos e mortos. Malcolm X e Luther King foram mortos. De forma muito simplificada, uma força política muito poderosa foi suprimida. A resposta, em algum nível, foi que alguma pressão teve que ser retirada da repressão sofrida pelos negros. Então, seguimos por um número de anos em que a classe média negra, educada, pode desabrochar. É uma minoria, mas ainda assim importante. E chegamos ao ponto de termos um presidente negro saindo disso.
Mas a distinção de classe sempre esteve lá e a camada mais pobre da sociedade americana continua sendo negra ou hispânica. Não é por acaso que elas ainda vivem sob os mesmos tipos de condição, de repressão e isolamento. Em alguns aspectos, vivem em situação pior que a que viviam no final dos anos 1960 porque os trabalhos industriais, decentes, desapareceram agora. Então, quando uma nova fase de distúrbios aconteceu em 2015, o que vimos foi uma revolta dessa população contra sua condição de vida. O que é verdade em todos os eventos urbanos que vimos ao redor do mundo recentemente é que o gatilho da revolta, em muitos casos, é a morte de jovens negros pela ação policial. Mas a situação não tomaria as dimensões que tomou não fosse a existência desse amplo senso de descontentamento e alienação, que está bastante espalhado na comunidade. Todo esse descontentamento aparece após um incidente como esse. Então, não é possível dizer que é por causa desse incidente que a revolta acontece, mas por causa das condições de vida daquela população naquele momento histórico.
P. Esse gatilho da violência policial apareceu em diversas outras ocasiões. Aqui no Brasil, na Turquia, na Espanha. Os protestos começam pequenos, segmentados, a polícia age com violência e eles se tornam algo grande. Por que?
R. É muito difícil dizer porque acontece. A maioria de nós, inclusive eu, ficamos bastante surpresos com o que aconteceu, por exemplo, emFerguson, no Missouri, onde um protesto de rua é seguido por uma força policial que parece que está invadindo o Iraque. E que, de fato, usou o equipamento militar do Iraque na rua, contra uma população civil que está simplesmente protestando, de forma legítima. O que acontece é que há uma intenção crescente de militarizar o descontentamento popular. E receber o descontentamento popular com repressão. Isso é legitimado, cada vez mais, por essa retórica antiterrorismo, essa mentalidade antiterrorista de que todos que não estão agindo em conformidade com o sistema são potencialmente terroristas. Há essa mentalidade e a tendência de usar a força policial, e usá-la instantaneamente, para conter o descontentamento. O movimento Occupy, de Nova York, que era muito pequeno e, em muitas maneiras, até inocente, foi recebido por uma feroz repressão policial. E todos ficaram se questionando porque. No Brasil, assim como em Istambul, a violência da resposta policial se tornou parte do problema e criou uma guerra urbana, entre as forças militares e os manifestantes, que também se tornaram cada vez mais sofisticados para lutar batalhas de rua.
P. Essa resposta pode ser um sinal de que os Estados não estão conseguindo compreender o que de fato está acontecendo?
R. Acho que há uma distância em relação ao povo e aos sentimentos do povo. Parte do que está movendo a raiva da população é a sensação de que não há de fato uma democracia, canais reais de consulta e de engajamento ao processo político. O Estado e um pequeno grupo de líderes de negócios poderosos tomam decisões sobre a construção de um novo estádio de futebol, ou outros megaprojetos. Há um sentimento de alienação do processo político. E isso constrói uma importante base para a frustração e a raiva. Pessoas alienadas tendem a ser muito passivas até que alguma coisa aconteça e elas se tornem bravas. E aí se começa a ver protestos desse tipo, seguidos dessa repressão. Vimos isso em muitas cidades.
P. As próprias condições de vida e o processo de urbanização também contribuem?
R. Acho que como residente de uma cidade, eu sempre gostei de me sentir confortável na rua que eu vivo, de saber que eu tenho algo a dizer sobre a vida diária que se passa ao meu redor, e de ser capaz de desfrutar dessa vida. As pessoas não têm o tempo para desfrutar a vida. Esse tempo é tomado por uma série de demandas, como obrigações familiares e todo o resto. As pessoas estão estressadas. E pessoas estressadas tendem a ser revoltadas com as condições da vida. Ao mesmo tempo, elas se encontram frequentemente exploradas. Eu falo para os meus estudantes: ‘vocês podem não sentir isso na força de trabalho, mas e a companhia telefônica te explora? A empresa de cartão de crédito te explora?’ E eles dizem: ‘sim, sim! O proprietário do meu apartamento subiu o aluguel em mais de 30%!’ A vida é impossível. As pessoas vão a um trabalho, que muitas vezes sentem sem significado. Há uma lacuna de significado na vida. Há um descontentamento geral com as condições. E, ao mesmo tempo, elas pensam: ‘não há motivos para eu votar, se eu votar eles vão continuar fazendo a mesma coisa do mesmo jeito, não vão me consultar’. Há uma alienação com o processo político. Somando a isso, a segregação entra no quadro. As pessoas se sentem trancadas em sua parte da cidade e há essas comunidades muradas onde elas não podem ir, todos esses locais proibidos onde as pessoas não podem circular ao invés de a cidade ser um ambiente aberto, onde as pessoas podem circular, interagir.
P. Como o centro das cidades, que expulsam as populações pobres por se tornarem cada vez mais caros?
R. Muitas pessoas sentem que a cidade está sendo tirada delas. Que a cidade que antes elas sentiam ser delas, de alguma forma está sendo roubada delas. O que é interessante é que esse era um dos grandes sentimentos que existia já na comunidade de Paris em 1871, de que a reconstrução da cidade em volta de coisas muito burguesas forçou a massa da população para os subúrbios. Então vemos esses movimentos em que as pessoas, de forma revolucionária, tentam retomar a cidade.
P. Como em Istambul, como o parque Gezi, aqui no Brasil, com oOcupe Estelita...
R. Sim, passei uma manhã muito agradável com eles em Recife, aliás.
P. A área, no fim, deve mesmo se tornar empreendimento imobiliário.
R. As pessoas vão lá e lutam e é muito raro que elas de fato ganhem. Mas o outro sinal importante de tudo isso, que foi verdade aqui no Brasil, em 2013, é que quando algo que emerge em uma só cidade acaba contagiando outras cidades paralelamente é um sinal importante de que há algo errado com toda a forma como o processo está funcionando. São as pessoas dizendo: ‘temos que mudar o processo radicalmente’.
P. E como mudar? Aqui no Brasil o aumento da tarifa desencadeou os protestos em várias cidades. Diferentes demandas surgiram, mas não vivemos uma mudança política como ocorreu na Espanha, com oPodemos, ou na Grécia, com oSyriza. Por acha que isso aconteceu?
R. Eu não sei. É algo que eu gostaria de saber de você. Acho que a questão que eu perguntaria é: tem certeza de que nada mudou? As pessoas vão para as ruas, a memória daquilo não desaparece da noite para o dia. Neste momento, provavelmente, tudo está um pouco confuso pelos protestos liderados pela ala da direita [contra a presidenta Dilma Rousseff] e ninguém sabe qual a forma política que os protestos de esquerda vão tomar. Ainda não se produziu um Podemos, um Syriza. Na Turquia, esse processo também promoveu um novo partido político, que é o curdo HDP, que foi eleito agora para o Parlamento e evitou que o presidente reescrevesse a Constituição para ter poderes absolutos, o que foi um momento importante para a democracia do país e que não teria acontecido sem o chamado processo Gezi [em referência à revolta gerada pela intenção de construir um shopping no local do parque Gezi]. Aqui, eu acho que o problema é que vocês têm a Dilma e o PT no poder. O PT se tornou mais neoliberal, está implementando uma série de políticas de austeridade e ninguém se sente animado a apoiar isso, a ir às ruas e apoiar Dilma e as políticas de austeridade. As pessoas gostariam de sair às ruas e apoiar algo diferente. Mas, no momento, esse algo diferente não existe. Pode vir no futuro, quem sabe. Eu suspeito que vai emergir.
P. Seria possível, a essa altura, o PT voltar a ser o que era?
R. O PT poderia mudar. Mas a gente vê exemplos de outros países, como a Inglaterra, onde o Partido Trabalhista mudou para ser um partido mais radical e a resposta foi negativa. Eu suspeito que para o PT não vai ser mais possível. Isso iria requerer uma grande revolução dentro do partido. Há outros partidos de esquerda menores que tendem a ser mais sectários e que poderiam se unir, como aconteceu com o Syriza, em uma força política mais coerente. Nesse caso, eles com certeza invocariam o espírito de junho de 2013, sendo a base do que eles gostariam de fazer. Acho que o aconteceu em junho de 2013 ainda não acabou e as consequências ainda estão para ser conhecidas.
P. O Estado pode agir para mudar o que tem provocado esse descontentamento geral?
R. Depende da base social do aparato estatal. O aparato estatal tem uma burocracia que tende a operar de uma maneira própria, independentemente do poder político. Essa burocracia é mais alinhada com o que os desenvolvedores querem. Quando se trata de um poder com uma base política muito forte, então o lado político tende a ser mais combativo contra os grandes projetos. Pode parar alguns dos megaprojetos, começar a se colocar em parceria com os movimentos sociais. Então, um movimento de bairro que está demandando melhorias na qualidade de vida poderá achar um Estado que é parceiro, em oposição a um contra o qual ele tem que entrar em confronto. Será muito interessante de ver o que vai acontecer em Madri e em Barcelona, por exemplo, onde duas prefeitas foram eleitas com base em uma força social que dizia que é preciso fazer alguma coisa diferente. E vamos ver o quanto o que elas conseguem fazer é, de fato, diferente. Vimos em Nova York, um prefeito mais inclinado à esquerda sendo eleito. Mas, até agora, ele ainda não foi capaz de fazer muito porque os poderes financeiros o pararam.
P. Temos um processo parecido em São Paulo, com o prefeito Fernando Haddad. Como consequência, parece que houve um afastamento dos movimentos sociais que o apoiaram.
R. É sempre muito difícil manter essa conexão viva. O prefeito se transformar no parceiro dos movimentos sociais é sempre um pouco perigoso porque as pessoas que financiam as eleições não vão mais financiar aquele prefeito. É assim que a política local é dada. Mas, por outro lado, se os movimentos sociais são fortes e poderosos o suficiente, eles podem garantir a eleição do prefeito. É assim que a luta de classe pode começar a retomar as coisas. Los Angeles e Seattle estão agora demandando um salário mínimo para todos os que trabalham naquelas cidades. O salário mínimo federal é de 7 dólares a hora e eles estão elevando para 15, progressivamente. É a cidade se movendo porque a população decidiu eleger pessoas progressistas. E para eles continuarem a ser reeleitos, eles têm que continuar fazendo coisas progressistas, como isso de elevar o salário mínimo.
P. Você, então, parece otimista em relação a esses movimentos ao redor do mundo.
R. Acho que coisas interessantes estão acontecendo no momento, como o que aconteceu em Barcelona, como o que aconteceu em Madri, em Los Angeles, em Seattle. Há muitos movimentos acontecendo no momento. Passamos por dez anos em que não houve nenhum movimento nessa direção. Agora há um movimento que está indo na direção certa e que tende a se fortalecer e ir para algum lugar.
P. Mas você também destacou na sua palestra que a falha desses movimentos pode dar espaço para o fortalecimento da extrema direita.
R. Acho que essa é a outra possibilidade. E é por isso que eu acho que é crucial para as pessoas começarem a reconhecer que esse é um momento histórico importante, que essa abertura para a esquerda na política é muito mais difícil e as pessoas, às vezes, têm que deixar de lado as suas visões sectárias e dizer: ‘ok, é mais importante ser solidário do que estar certo’.
Fonte: http://brasil.elpais.com/brasil/2015/06/13/politica/1434152520_547352.html

sábado, 6 de junho de 2015

O mundo vive uma ‘desglobalização’?

O mundo vive uma ‘desglobalização’?



Reuters
Para especialistas, a globalização não trouxe todos os benefícios prometidos


Na década de 1990, qualquer debate político-econômico sempre envolvia uma "palavra mágica": globalização.
O termo define as políticas seguidas por países e empresas dentro de uma realidade em que as multinacionais podiam mudar de país num piscar de olhos e o dinheiro cruzava fronteiras com a velocidade da internet.
Hoje, o cenário é outro. O comércio mundial e os investimentos internacionais sofrem uma retração. Nas principais economias, florescem discursos e práticas anti-imigração, e a Rodada de Doha, como são conhecidas as negociações promovidas pela Organização Mundial do Comércio (OMC) em prol da liberalização de negócios, já dura 13 anos, sem ser concluída.
Simon Evenett, especialista em comércio mundial da Universidade de Saint Gallen, na Suíça, defende que houve uma inegável mudança na tendência de globalização desde a crise financeira global de 2008.
"Isso afeta mais alguns setores do que outros, mas é evidente no comércio internacional e no setor financeiro, um símbolo da globalização", afirma.
E este novo momento já tem inclusive um nome: "desglobalização".

Portas fechadas

Reuters
Com uma economia global abalada, o impacto sobre o comércio tem sido claro
Na reunião dos países do G20 em 2009 em Londres, no Reino Unido, o grupo das maiores economias do mundo se comprometeu a "evitar a repetição de erros históricos", conscientes do perigo que a recessão mundial representava para a globalização.
Foi uma referência clara a outra grande crise econômico-financeira dos últimos 90 anos, vivida na década de 30, quando países lançaram mão de políticas ultraprotecionistas, que, segundo seus críticos, agravaram ainda mais aqueles tempos difíceis.
O exemplo mais claro foi a lei Smoot-Hawley, nos Estados Unidos, que elevou impostos de importação para mais de 20 mil tipos de produtos estrangeiros.
"Ainda não foi adotada agora uma medida tão óbvia quanto esta, mas os governos vêm aplicando de forma discreta toda sorte de mecanismos para proteger sua produção nacional", destaca Evenett.
Com a economia global abalada, o impacto sobre o comércio tem sido claro.
Se nos anos anteriores a 2008 cada aumento de 1% no PIB global era acompanhado por um aumento de 2% no comércio mundial, hoje esta proporção é de um para um, nos melhores casos.
Em janeiro, o comércio mundial caiu 1,6% e em fevereiro, 0,9%.
"Isso afeta os setores exportadores, que deixam de ser um motor de crescimento. Impacta ainda a criação de emprego e o nível dos salários, porque é nestes setores que estão os postos mais bem remunerados", explica Evenett.

Política de imigração

Getty
Em todo o mundo, cresce a polêmica em torno da imigração
As barreiras não são comerciais. O mal estar econômico após 2008 tem alterado o cenário político.
No centro do debate de muitos países desenvolvidos, está o mundo multicultural gerado pelos fluxos migratórios, outro símbolo da globalização.
Ao mesmo tempo, movimentos anti-imigração, como a Frente Nacional, na França, e o UKIP, no Reino Unido, vêm ganhando peso.
Um ponto-chave do futuro referendo do Reino Unido sobre sua permanência na União Europeia diz respeito a uma mudança defendida pelo primeiro-ministro britânico, David Cameron, em um princípio sagrado do bloco: a liberdade de circulação dos seus cidadãos entre os países-membros.
Ann Pettifor, da consultoria Prime Economics, avalia que o surgimento do partido Syriza, na Grécia, e dos nacionalistas do SNP, na Escócia, também são simbólicos deste questionamento da globalização.
"Também vimos isso na crise de 1930. As pessoas buscam refúgio em diferentes grupos políticos diante da instabilidade dos mercados e da incapacidade do governo de reagir", destaca Pettifor.

Fluxo financeiro

Getty
A globalização do sistema bancário também desacelerou
Outro ícone do mundo globalizado é o livre fluxo financeiro.
Com milhões de transações sendo processadas por segundo pela internet nos dias de hoje, é fácil se esquecer de que, até o fim dos anos 1970, havia um forte controle sobre a movimentação de capital.
Os britânicos tinham, por exemplo, um limite de 50 libras (R$ 240) para levarem em viagens ao exterior.
Tanto a direita quanto a esquerda costumam não se lembrar que o pilar desta política foram os acordos de Bretton Woods, promovidos pelos Estados Unidos e o Reino Unido e que criaram o Fundo Monetário Internacional (FMI), como o organismo que supervisionaria o mundo criado no pós-guerra.
Hoje, não se vê um retorno àquele controle rígido, mas um comunicado do Banco Central britânico destaca que os bancos estão evitando realizar empréstimos internacionais.

'Desglobalização'

Em um recente discurso, Kristin Forbes, integrante do Comitê de Política Monetária da entidade, afirmou que há uma "contração massiva dos fluxos financeiros globais", que qualificou como "desglobalização bancária".
Entre os exemplos deste fenômeno, estão o encerramento de operações bancárias em mais de 20 países da terceira maior instituição do tipo no mundo, o HSBC.
Muitos de seus empregados viveram em primeira-mão os efeitos desta retração da globalização de grandes bancos: entre 2011 e 2013, foram fechados mais de 30 mil postos de trabalho.
Este caminho também foi percorrido por outro gigante do setor, o Citi, que reduziu sua presença global para quase a metade de antes, passando a operar apenas em 24 países.
"Mesmo com a redução de empréstimos internacionais por bancos, para aumentar suas reservas, a arquitetura financeira mundial não se estabilizou, como mostra o aumento de US$ 57 bilhões na dívida global desde a crise", diz Pettifor.
AP
O banco HSBC reduziu presença global, com milhares de demissões

Pausa ou retração?

A pergunta é se estas tendências comerciais, financeiras e políticas marcam uma nova era ou se são um fenômeno transitório.
Nos últimos 25 anos, a unificação mundial gerada pela globalização desenhou um novo planeta.
A incorporação plena da China e da Índia - que, juntas, têm cerca de 40% da população do mundo -, bem como do Leste Europeu, são claros sinais do avanço da globalização.
Enquanto a Rodada de Doha pela liberalização segue paralisada, os acordos comerciais têm se multiplicado, com dois destaques: entre os EUA e a União Europeia, que representam 40% da economia mundial, e entre 15 países do Pacífico na Ásia e nas Américas.
A tecnologia também está do lado da globalização, levando mais à ruptura de fronteiras do que a criação de obstáculos.
Em um comunicado recente, o chefe de pesquisas de comércio internacional do banco holandês ING, Raoul Leering, apontou fenômenos econômicos, como a crise na Europa, como a causa da atual desaceleração, mas destacou que a globalização seguirá em frente.
"Não veremos se repetir o 'boom' dos anos 1990 e do princípio deste século, mas a integração econômica prosseguirá. Ainda falta uma integração entre países emergentes, como China, Índia e Filipinas, que têm baixos níveis de investimentos estrangeiros em comparação com os países desenvolvidos", avalia.
"A fragilidade da economia europeia foi um fator desta desaceleração transitória."
Segundo Pettifor, é importante diferenciar a globalização comercial e financeira.
"Não se pode subestimar o poder das forças que têm contribuído para a globalização. Mas é preciso distinguir a globalização comercial, que traz benefícios, da financeira, que gera instabilidade e uma forte reação social e política, que seguirá presente se não for controlada sua volatilidade."