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segunda-feira, 30 de março de 2015

Um grande competidor

Um grande competidor



China atrai mais de trinta países ao Banco Asiático de Investimento, rival do Banco Mundial



Segunda-feira deverão ser conhecidos quantos países farão parte do capital do novo Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (BAII), impulsionado pela China. De qualquer forma serão mais de trinta, e entre eles estarão todos os grandes Estados europeus: Alemanha, França, Reino Unido, Itália e Espanha.
O projeto pretende ser uma alternativa às instituições de Bretton Woods, hegemônicas por conta de seu principal contribuinte, os EUA, onde os republicanos pressionam para que não aumente a presença dos países emergentes, tal como está previsto há um bom tempo nos órgãos de gestão dessas entidades. E mais concretamente se apresenta como sósia regional de uma delas, exatamente a menos polêmica, o Banco Mundial, que mostra carências no financiamentodo desenvolvimento.
O banco recém-criado tem uma faceta política evidente, como reconheceu o Tesouro norte-americano ao frisar que o bloqueio conservador “ameaça” a influência internacional da superpotência. E, de fato, ainda que tenha tentado frear o entusiasmo de alguns de seus aliados (como o Reino Unido, sua sustentação geoestratégica por antonomásia) para encaminhar-se à Pequim, mal conseguiu alegar em contrário a provável debilidade dos esquemas de funcionamento do BAII e a previsível lassitude de seus critérios financeiros na concessão de créditos: argumentos que pareceram menores diante da oportunidade de negócios.
As cifras com as quais a próxima instituição trabalha são relevantes. Terá um capital, de qualquer forma, superior aos 50 bilhões de dólares (162 bilhões de reais), e talvez se aproxime dos 100 bilhões (324 bilhões de reais). As necessidades de financiamento da região asiática para a próxima década são quantificadas em dois trilhões de dólares (6,50 trilhões de reais) somente para manter o atual ritmo de crescimento e de até oito trilhões de dólares (26 trilhões de reais) para financiar a infraestrutura imediatamente necessária.
O sucesso da nova instituição como alternativa global não está assegurado, dadas as assimetrias econômicas, sociais e políticas de seus parceiros iniciais, e o poder ainda relativo de seu principal impulsor. Mas está claro que, após a criação do Novo Banco de Desenvolvimento fundado pelos países que compõem o BRIC em julho (com sede em Xangai), a pressão para que Washington realize a reforma dos órgãos de Bretton Woods começa a ser irresistível. Quando a novidade não é integrada, ela costuma acabar engolindo o estabelecido.
Fonte: http://brasil.elpais.com/brasil/2015/03/29/opinion/1427653655_038770.html

sexta-feira, 27 de março de 2015

Mogherini se reúne com Castro para acelerar aproximação

Mogherini se reúne com Castro para acelerar aproximação


União Europeia tenta fechar acordo político com Cuba antes do fim do ano



Federica Mogherini e o presidente Raúl Castro, no dia 25. / EFE


O degelo entre os Estados Unidos e Cuba criou um novo sentido de urgência na Europa sobre as relações do continente com a ilha. A chefa de Política Externa Europeia, Federica Mogherini, visitou Havana nesta terça-feira e transmitiu uma mensagem clara aos seus interlocutores: o acordo político e de cooperação que ambas as partes negociam há um ano deveria ser fechado ainda em 2015. Mogherini se reuniu durante duas horas com o presidente cubano, Raúl Castro.Sabrina Bellosi, assessora da chefa da diplomacia europeia, publicou uma foto do encontro em sua conta no Twitter.

A Europa quer reafirmar os anos de relação com a ilha — é o primeiro investidor estrangeiro e o segundo parceiro comercial depois da Venezuela — para elevar seu perfil institucional em um momento de mudanças no país.
“Temos um claro senso de proximidade. A Europa pode acompanhar as reformas que o país está adotando com investimentos em setores como a agricultura, energias renováveis e turismo”, afirmou Mogherini ao EL PAÍS e a outro jornal europeu durante sua visita a Havana. A ilha depende do petróleo em 94% para seu abastecimento de energia e busca expandir as atividades no setor de energias renováveis, um segmento para o qual pode atrair capital e projetos europeus.
O anúncio inesperado do fim da inimizade entre Washington e Havana em dezembro passadosurpreendeu a União Europeia, em meio a um processo que estava paralisado. Depois dos esforços de ambas as partes para revitalizá-lo, a terceira rodada de negociação começou no início de março com alguns avanços concretos, embora também com a constatação de divergências.
A visita de Mogherini representa uma tentativa de acelerar o ritmo das conversas. “Sei que sua presença aqui vai dar um impulso”, disse o ministro de Relações Exteriores, Bruno Rodríguez, na sede do ministério. Para dar maior visibilidade a essa tentativa, o próprio Rodríguez irá a Bruxelas no fim de abril para dialogar com representantes europeus. O receio de alguns países — Polônia, República Checa e Alemanha — em relação ao diálogo com o regime no início do processo se transformou em apoio firme para acelerar o pacto, que inclui três pilares: cooperação, âmbito político e relação econômica.
No entanto, ninguém esconde que o diálogo sobre direito humanos, uma das peças-chave dessa negociação, apresenta dificuldades. Para evitar que esse tema emperre as discussões, foram tomadas duas decisões. A primeira, já em vigor, começar pela parte mais fácil, a da cooperação. Esse é o capítulo sobre o qual os contatos estão focados. A segunda, buscar uma espécie de negociação paralela por meio do enviado especial da UE para os direitos humanos, Stavros Lambrinidis, que possa retirar os assuntos mais espinhosos do diálogo principal, para que sejam abordados separadamente.
Ainda não se sabe se todas essas manobras sutis, tão próprias da UE, vão convencer os negociadores cubanos num momento em que têm um substancioso processo aberto com Washington. Por enquanto, Rodríguez enviou um sinal a Mogherini para agradecer o voto europeu na ONU contra o embargo norte-americano, e a chefa da diplomacia respondeu: “Você sabe qual tem sempre sido a posição europeia a respeito. Especialmente nesses momentos, não vemos motivo para manter o embargo”.
A conclusão do acordo entre a União Europeia e Cuba permitirá revogar a posição comum, um instrumento que impede estabelecer relações institucionais formais, a não ser que haja avanço em direitos humanos. Muitos países contornaram essa barreira —19 têm acordos bilaterais com a ilha — e a própria UE retomou o diálogo com o regime castrista em 2008. A posição comum foi promovida pelo então primeiro-ministro da Espanha, José María Aznar, embora agora um dos mais ferrenhos defensores do degelo com Cuba seja o ministro de Relações Exteriores espanhol, José Manuel García-Margallo.
Além de se reunir com o Governo, Mogherini se encontrou com representantes do mundo artístico cubano e com o arcebispo de Havana, Jaime Ortega, uma das poucas vozes com permissão de fazer críticas ao Executivo. Ortega destacou o papel da Igreja Católica nos sinais de abertura do regime.

Fonte: http://brasil.elpais.com/brasil/2015/03/25/internacional/1427292264_088061.html

domingo, 22 de março de 2015

Petróleo barato desata uma revolução energética


A queda do preço obriga um reposicionamento dos equilíbrios geoestratégicos mundiais

 21 MAR 2015 
Usina solar de Abengoa, em Sanlúcar la Mayor (Sevilha). / BERNARDO PÉREZ

A Espanha se deu bem na loteria do petróleo: 15 bilhões de euros, o equivalente a 1,5% do PIB, é o valor que o país economizará por ano se o preço da commodity se mantiver nos parâmetros atuais. No país da ruína estrutural energética, esse é um raro golpe de sorte para ser comemorado duas vezes; a queda do barril do tipo brent — referência na Europa — arrasta junto o preço do gás. “Implicará em um grande alívio para a nossa desequilibrada balança comercial, que deve boa parte de seu déficit externo aos mais de 40 bilhões de euros anuais, 4% do PIB, que gastamos com a importação de combustível”, diz contente Juan Luis López Cardenete, professor da IESE Business School e ex-diretor-geral do grupo empresarial espanhol Unión Fenosa. Um petróleo barato dará um alívio nas contas das famílias e nos balanços das empresas. Também contribuirá para o aumento de arrecadação de impostos. Quando tempo vai durar a festa?
Agora que o Governo considera a reindustrialização objetivo prioritário, a Espanha não deveria aproveitar para se somar à revolução tecnológica e industrial gerada em torno da energia e se envolver na chamada transição energética: a substituição progressiva dos combustíveis fósseis por energias renováveis? Porque se há um país dependente das importações de combustíveis fósseis, esse é a Espanha. O grau de dependência externa de petróleo, gás e carvão é de 70,5%, ante 53,2% de média na UE e de 25% nos EUA. “Assistimos a uma catarse energética e a movimentos geoestratégicos em torno do petróleo que não procedem do mercado, mas de interesses ocultos. Nada será igual ao que era”, afirma José Luis Martínez Marín, fundador do Clube Espanhol da Energia.
A fatura energética vai retomar obrigatoriamente sua escalada — um ano é o prazo apontado por alguns especialistas —, e a aplicação das discutidas técnicas de fraturamento hidráulico do subsolo, ofracking — que não são competitivas, temporariamente, após a queda dos preços —, possibilitará a extração em grande escala de hidrocarbonetos e deixará distante no tempo o catastrófico cenário teórico do crash energético global. Graças à “revolução energética silenciosa” empreendida anos atrás, Estados Unidos e Canadá obtiveram uma notável vantagem competitiva sobre os países europeus. O primeiro objetivo continua sendo assegurar o fornecimento energético para as próximas décadas, apesar do risco de contaminar aquíferos e de desencadear a sismicidade induzida. Mas isso não significa que as maiores potências renunciem a desenvolver as energias renováveis. A China, o monstro contaminante que pode arrastar a humanidade ao desastre ambiental, não abriu mão, nem os EUA, o outro grande contaminador que beira a autossuficiência de hidrocarbonetos.
O mercado mundial de cru
O que acontece na Espanha, a outrora campeã mundial dos renováveis, que há seis anos atraía investimentos de meio mundo no calor das políticas estabelecidas pelo Executivo anterior? A transição energética encontra o país com o passo trocado, os cofres públicos vazios e o Governo ocupado em consertar a situação herdada. Os processos dos investidores que se sentem prejudicados pelos cortes aplicados em retribuição pelas energias renováveis já formam uma avalanche, enquanto a indústria de alto consumo energético denuncia que a elevada tarifa elétrica espanhola as torna pouco competitivas. A ameaça, feita depois, da multinacional de alumínio Alcoa de fechar suas plantas de Avilés e A Coruña pela “impossibilidade de ter acesso a uma energia a preços competitivos” é sintomática. “A Espanha tem uma das tarifas elétricas mais caras da Europa, e isso sem levar em conta o déficit tarifário”, afirma Natalia Fabra, professora de Economia da Universidade Carlos III.
O Governo considera cumprido o objetivo de congelar a escalada de preços da eletricidade, que entre 2002 e 2012 teve um aumento anual de 5,9%. Segundo o ministro da Indústria e Energia, José Manuel Soria, a nova regulamentação do setor elétrico conseguiu que o déficit tarifário correspondente a 2013 tenha caído para 3,5 bilhões de euros — frente a 10,5 bilhões previstos. E também deixar em zero o de 2014. É um alívio que o monstro dos 25 bilhões de déficit acumulado tenha deixado de crescer. Vista com perspectiva, a gestão política dos prêmios para energias renováveis se revela como um desastre maiúsculo, que obrigaria perguntar-se pelas causas e responsabilidades. “Ao contrário da solar, na eólica se acertou bastante, se aproveitou o conhecimento da dinamarquesa Vestas para desenvolver uma tecnologia e indústrias próprias exemplares. Os prêmios foram generosos, mas a coisa funcionou. Hoje a produção eólica é superior à fotovoltaica e, no entanto, se pagam mais prêmios pelas fotovoltaicas do que pelas eólicas”, diz José Ignacio Pérez Arriaga, professor de Regulamentação Energética no MIT (Massachusetts Institute of Technology).
“Mais do que os prêmios, de fato muito generosos, o problema com as renováveis é que não houve disciplina e se permitiu a produção de muito mais potência do que estava previsto e era necessário para cobrir a curva de aprendizado”, explica o diretor do Centro de Pesquisas Energéticas, Ambientais e Tecnológicas (CIEMAT), Cayetano López Martínez. “O que deveria ser um incentivo para pesquisa e desenvolvimento de novas energias passou a se tornar”, destaca, “em um produto de mais investimento e uma operação ruim para o erário público”.
Diante dos processos que apresentaram agora contra a Espanha os próprios consórcios energéticos internacionais que também investiram em energia renovável no país, não se pode dizer que tenham agradecido ao esforço de financiar a “curva de aprendizagem” às custas de consumidores passados e futuros. “A questão não está em chegar primeiro à aula, mas sim em tirar a melhor nota. Nos precipitamos: o que deveria ter sido feito em 15 anos se fez em dois”, afirma Mariano Marzo, professor de Recursos Energéticos da Universidade de Barcelona. Assim como outros especialistas, ele também acredita que este é o momento propicio para promover as energias renováveis — produzir um watt fotovoltaico custa sete vezes menos do que antes —, mas especifica: “Sem subsídio nem ajudas, e somente as que já são competitivas e maduras: a eólica, a solar fotovoltaica…”.
Mas o Governo parece voltar todos os seus esforços em tratar de tirar os pés da lama judicial e evitar aqueles compromissos de prêmios assinados para 20-25 anos que pesam sobre o erário público. A pergunta é se conseguirá, e o problema é a insegurança jurídica e a queda da reputação provocada pelas bruscas mudanças de critérios da Administração espanhola. “Nessa matéria há poucos países com tão alto grau de insegurança jurídica; por isso os investimentos em eólica e solar estão paralisados. Se não houvesse essa incerteza, tenho certeza que essas duas renováveis teriam decolado, porque cada vez mais serão fundamentais. E como não temos um plano estratégico como país, uma visão a longo prazo, não podemos aplicar uma política de transição energética. Menos mal que estamos na UE, e pelo menos Bruxelas vai abrindo um caminho”, afirma José Ignacio Pérez Arriaga.
Ninguém, entre os especialistas, critica o empenho em impedir que a espiral do déficit tarifário continue crescendo, mas sim a paralisação e abandono total das energias renováveis. Na visão desses especialistas, a única energia que a Espanha não precisa importar se tornou um tabu. Há um coro de vozes com experiência e conhecimento que afirma que, fiéis à pior tradição espanhola, o país não foi de um extremo ao outro, sem considerar que há indústrias de sucesso e com futuro. Nas discussões do Plano de Energia Estratégica para a Europa (Sep Plan), nas quais se fixam as prioridades de desenvolvimento tecnológico industrial, alguns representantes espanhóis mostraram desinteresse nos projetos associados às renováveis. E isso apesar de, como aponta Cayetano López, ter começado a se criar um potente setor industrial. “A maioria das empresas de fabricação de painéis fotovoltaicos pararam nas mãos de chineses, mas na solar de concentração somos os melhores do mundo, e no campo eólico, Gamesa, Acciona e Iberdrola são empresas muito potentes”, afirma.
Um trabalhador opera um caminhão durante as operações de carregamento em um poço petrolífero de Montada (EUA). / DANIEL ACKER (BLOOMBERG)
É lugar comum entre os especialistas que na Espanha não houve, nem há, uma política energética que mereça esse nome. Há uma amostragem superficial de opiniões: “Somos um dos poucos países da OCDE que não tem uma previsão para 2014, nos limitamos a ir a reboque da estratégia europeia de 20/20/20/ (20% de redução dos gases do efeito estufa; aumento a 20% do peso das energias renováveis na energia total; melhorar em 20% a eficiência energética) estabelecida para o ano de 2020 e que dificilmente vamos cumprir (…). O assombroso é que a política energética não está projetada para a redução do custo da fatura de abastecimento, da dependência e das emissões (…). Ninguém sabe qual mix energético (combinação de energias) nosso país pretende (…). Política energética é pensar no transporte de bens e nas moradias, e nós construímos cinco milhões de moradias sem o adequado isolamento térmico (…). O transporte representa 31% de consumo energético e 70% do combustível é queimado na cidade. O que acontece com a pedestrianização, a bicicleta, o carro elétrico? Na Alemanha, o trem é usado três vezes mais que na Espanha (…). É preciso diminuir a dependência do petróleo, passar para a eletrização das ferrovias, trens e ônibus, e dizer o que fazer com as nucleares, porque, se vamos continuar contando com elas, é preciso investir em sua renovação. Não vai nos acontecer como com a Alemanha, que fechou suas nucleares e tem que voltar ao carvão, com toda sua carga contaminante”.
Propor um pacto de Estado sobre a energia continua a ser uma promessa vazia, apesar da catarse em curso deixar pouca margem de decisão a respeito de questões, como a prospecção marinha de jazidas de petróleo e gás e o uso do fracking, enfrentadas hoje pelos dois grandes partidos políticos. No livro branco sobre política energética elaborado a pedido do Governo, em 2005, José Ignacio Pérez Arriaga enfatizava a necessidade de consenso na política energética “Os investimentos em energia são caros e para muitos anos. Não pode acontecer de um Governo apostar em energia nuclear ou se comprometer a pagar por fontes renováveis, e o seguinte, não. Recomendei-lhes que a política energética ficasse nas mãos de especialistas, e não de simpatizantes ou militantes do partido da vez no poder, mas não me ouviram. Os Governos de diferentes traços não fizeram nada para evitar que o déficit tarifário crescesse cada vez mais. Preferiram jogar a culpa uns nos outros e só reagiram quando perceberam que estavam nas garras do lobo”, diz.
“Os centros tecnológicos e as indústrias energéticas têm que andar de mãos dadas”, diz um especialista
Por mais conjuntural que seja, a queda do barril brent [referência de petróleo] levará, previsivelmente, ao aumento do consumo de hidrocarbonetos, e cabe perguntar se o Governo não deveria aumentar os impostos sobre a gasolina para diminuir o aumento do consumo e investir o dinheiro arrecadado na transição energética.
Natalia Fabra acredita que sim. “Os preços do petróleo são voláteis e imprevisíveis. É preciso tirar da tarifa de eletricidade a remuneração excessiva a usinas nucleares e hidrelétricas, aumentar o peso das fontes renováveis no mix energético, buscar a eficiência e adotar uma estratégia como a da Alemanha, da França, do Reino Unido...”. A isso o professor universitário Mariano Marzo acrescenta um pouco de pedagogia básica. “As pessoas precisam entender que a energia não é uma questão apenas de dinheiro, nem uma mercadoria a mais; precisam compreender que é um bem escasso e de importância fundamental, que é poder e a própria base da sociedade de bem-estar”, afirma. Diz que voltaremos ao tempo do “menino, apague a luz” e que ter carro ou uma segunda casa será um luxo.
“Ou a Espanha cria sua própria política ou ela será imposta de fora”, declara Emiliano López Atxurra, titular da cadeira de energia do Instituto Vasco de Competitividad. “Política energética”, ressalta, “é integrar-se ao projeto do eixo franco-alemão, que busca o renascimento tecnológico e industrial europeu com base na inovação e na eficiência energética. É preciso considerar a energia como motor industrial e tecnológico. Se a Europa não quiser perder o passo, precisará se refundar sobre uma política energética e fazer com que suas empresas de bens elétricos caminhem para processos de integração e ganhem musculatura.” López Atxurra considera que haja um deslocamento do foco para o tecnológico industrial, o que seria demonstrado pela substituição da gestão financeira pela industrial na cúpula dos grandes consórcios de energia. “Os centros tecnológicos e as indústrias energéticas têm que dar as mãos”, defende.
A outra boa notícia é que a Europa vai apoiar as iniciativas espanholas para deixar de ser uma ilha em questões de energia e reforçar suas interconexões de eletricidade e gás com o continente. Isso lhe permitirá vender seus excedentes de geração de energia e aproveitar suas potentes instalações de ciclo combinado, acionadas a gás. Em fevereiro foi inaugurada uma nova conexão elétrica com a França, que ficará até junho em teste. Ela permitirá duplicar a capacidade de intercâmbio entre os dois países, de 1.400 para 2.800 Megawatts (MW), ou dos atuais 3% para 6% da demanda.
Com seus defeitos e virtudes, a Espanha não pode se desconectar do processo de transição energética que vai mudar nossas vidas.


Fonte: http://brasil.elpais.com/brasil/2015/03/20/economia/1426874140_308827.html

segunda-feira, 2 de março de 2015

Dos molinos de vento ao ‘fracking’

Dos molinos de vento ao ‘fracking’



Indústria do gás instalou-se em Burgos, onde existe resistência à fratura hidráulica


Exploração de petróleo em Sargentes de Lora, em Burgos. / GORKA LEJARCEGI

O boom da energia eólica parou às portas de Masa. Literalmente. Os geradores aéreos estendem-se pelo campo, mas chegam só até o começo dessa localidade de Burgos. As empresas de energia elétrica também gostariam de construir moinhos em um terreno público de propriedade da Junta Comunitária de Masa. “Tínhamos um pré-contrato assinado. Mas passaram os quatros anos do prazo e foram embora”. Florencio Herrero, prefeito da vila, abre o portão do terreno já resignado a não receber os 6.000 euros (19.286 reais) por ano que iriam pagar ao povoado.
As promessas estão agora debaixo de suas enlameadas botas marrons. A empresa canadense BNK quer adquirir dois hectares desse mesmo terreno público para furar a terra em busca do gás de xisto que diz existir a milhares de metros de profundidade. A companhia quer ser a primeira a usar a técnica da fratura hidráulicana Espanha. Depende das autorizações que solicitou ao Governo e a Junta de Castilla e León para realizar até 12 sondagens em cinco municípios ao norte de Burgos, no norte do país. Entre eles, Masa, onde a BNK pediu à Administração regional a declaração de utilidade pública do projeto e a ocupação temporária dos terrenos do tamanho de dois campos de futebol para perfurar dois poços.
Este punhado de terra – onde pastam algumas vacas e onde os oito moradores de Masa se abastecem de madeira – é o resumo energético do mandato: Uma viagem da aposta anterior (via subvenções) pelas energias renováveis até o crescimento dos combustíveis fósseis impulsionado pelo Executivo do Partido Popular (PP), que legislou para apoiar projetos de gás e petróleo.
Os planos da BNK são perfurar verticalmente em cada poço até uma profundidade de 3.000 a 4.500 metros. Depois, analisariam as amostras e, se as reservas forem confirmadas, continuaria perfurando horizontalmente durante mais dois quilômetros. Ao terminar, injetariam no poço água misturada com areia e produtos químicos sob alta pressão para fragmentar a rocha na qual o gás está alojado. As autorizações que a BNK pediu são para sondagens exploratórias. Se depois quiser explorar comercialmente o gás, precisará pedir mais permissões.
Florencio nunca havia ouvido falar do fracking até três anos atrás. Agora, depois de ter visitado – convidado pela BNK – os poços que a companhia tem na Polônia, sabe que “o subsolo é do Estado”. Ele obedecerá o que a Junta e o Governo decidirem sobre o projeto. Não diz nem sim nem não quando é perguntado se quer a utilização dofracking. “Eu não o utilizaria, mas se beneficiar a população...”. Ele sabe que vai demorar. “Isso vai longe... eu acho que não verei”, diz este agricultor de 72 anos e macacão de trabalho azul.
“Vamos fazer tudo o que pudermos para que não seja utilizado”. Germán de Diego, o prefeito de Valle de Sedano, não é ambíguo. Diz que a Prefeitura argumentará que não irão vender os terrenos à empresa para perfurar poços e que no município não é possível encontrar duas pessoas que apoiem a fratura hidráulica. As cinco prefeituras nas quais a BNK quer perfurar, todas do PP, têm moções contra o fracking.
O político fala sentado na mureta da ponte sobre o Sedanillo. A neve de janeiro alimenta este rio e seus afluentes, que fluem em cada canto.
A água é o que mais preocupa Álvaro Fernández, Luisa Huidobro, María Ruiz e Vanesa Ramos. Quando são inquiridos, montam uma pequena assembleia antifracking em frente ao ambulatório de Sedano, povoado no qual vivem 500 pessoas. “A natureza é a única coisa que temos; é do que vivemos, do turismo, dos mananciais e fontes”, argumenta Luisa.
Em Sedano, como no resto do norte de Burgos, os moradores estão sob o fogo de dois grupos inimigos. De um lado, as plataformas contrárias a essa técnica. Em qualquer bar é possível encontrar folhetos nos quais adverte-se que o fracking “provoca sismos, contamina a água e o campo. É incompatível com outros usos do solo como a agricultura, a criação de gado e o turismo”. Do outro lado, a empresa, que diz que as técnicas utilizadas “são seguras e provadas por uma experiência de décadas”. “A informação está muito distorcida, não sabemos em quem acreditar”, resume sem descer da bicicleta Mario Fernández, outro dos moradores de Sedano.
Neste povoado de pedra, o escritor Miguel Delibes passou os verões durante quase meio século. Sua extensa família ainda conserva várias casas em Sedano. Miguel Delibes, filho, biólogo e atual presidente do Conselho de Participação de Doñana, mostra-se, como quase sempre, ponderado. “Meu desejo é que a fratura hidráulica não seja feita em Sedano”. Mas, na sequência, lembra que o Conselho Consultivo das Academias de Ciências da Europa emitiu em outubro um pronunciamento no qual não fechava as portas às sondagens exploratórias. “As questões são sérias, mas não descartaram definitivamente a realização de testes piloto na Europa”, acrescenta. Esse relatório foi analisado há um mês na Real Academia de Ciências da Espanha, da qual Delibes é membro.
A neve resiste mais em desaparecer a meia hora de carro de Sedano. Ali, os motores de cinco cavalinhos negros fazem barulho. São as bombas com as quais extrai-se petróleo em Sargentes de Lora desde os anos sessenta. Estes poços são uma das razões pelas quais a BNK está disposta a gasta até 20 milhões de euros (64,4 milhões de reais) por sondagem exploratória em Sedano, em Masa e em outros três povoados da região. A existência de gás no norte de Burgos é conhecida, entre outras coisas, pelos poços que vem sendo abertos há 50 anos por toda a comarca. A suspeita é que seja o gás de xisto, que só pode ser extraído com fracking.
Dos poços de Sargentes já não jorra petróleo de alta qualidade. E no bar Ouro Negro, em frente ao campo petrolífero, não há nem uma alma.

Fonte: http://brasil.elpais.com/brasil/2015/02/27/internacional/1425074776_013674.html