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quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Existe "gentrificação positiva"?

Existe "gentrificação positiva"?



Discursos vazios a respeito dos benefícios da "gentrificação" tem ganhado páginas dos jornais e as redes, preenchendo uma lacuna deixada pelos movimentos sociais e pela academia. Apelando para o senso comum e para uma leitura parcial da realidade, processos de limpeza social são vendidos como única solução para recuperação de áreas degradadas, de problemas sociais, violência e mesmo de preservação.
Uma vez que a preservação do patrimônio edificado urbano é problemática complexa, soluções aparentemente simples sempre tem grande capacidade de difusão. Projetos ditos "de revitalização" estão no auge, propagandeados e executados pelos poderes públicos ou iniciativa privada, "resolvendo" a problemática da preservação em uma conciliação acrítica com o mercado imobiliário, numa forçada pauta "positiva" que parece cair tão bem para um tema tido por rançoso.

Tais iniciativas não apenas omitem como negam a aplicação de instrumentos urbanísticos recomendáveis, raramente aplicam bons critérios de preservação e, principalmente, promovem um processo desumano de expulsão das comunidades estabelecidas nestes espaços urbanos, privando-as do direito à cidade. As "revitalizações" de áreas históricas propostas tem se mostrado nada além de mera limpeza e higienização social, com fins de tornar áreas mais aptas para o mercado e para uma população de alto poder aquisitivo. Este processo é conhecido como "gentrificação" e, ao nosso ver, nada tem de positivo. 

Este artigo pretende dar um panorama a respeito dos processos de gentrificação em áreas históricas, de forma ampla mas simplificada, levantando questionamentos sobre suas implicações e buscando comprovar que, sobre o ponto de vista da preservação, nada há de "positivo".

O processo de Gentrificação

 A "gentrificação" é um processo de limpeza e higienização social que, quando falamos de sítios históricos, costuma ser potencializado ou provocado por processos de "revitalização" ou "renovação urbana" de uma área. Este tipo de iniciativa ocorre normalmente em acordo dos setores públicos e privado (notadamente os mercados da construção civil e imobiliário) e portanto, não é arbitrário, mas cuidadosamente operado. Mesmo a política de preservação do patrimônio costuma ser manipulada diretamente para promoção deste fim.

O processo de gentrificação tem como alvo, no geral, grandes áreas de um centro urbano que encontram-se em decadência. A decadência tem motivações locais (fim de uma atividade econômica, desconexão com a cidade devido à mudanças na dinâmica de crescimento ou implantação de entroncamentos viários, etc.). O processo de degradação, independentemente da origem, é então explorado e se possível intensificado violentamente, para justificar as iniciativas que ali se pretende implantar.

É comum que inicialmente o valor dos imóveis seja reduzido. Para tanto, a área passa a ser privada de infra-estrutura básica, apresentando problemas simples de coleta de lixo, violência desenfreada, transporte público, sendo servida de forma deficiente por escolas e postos de saúde. Estas ações tornam desinteressante que os pequenos proprietários mantenham sua propriedade. Nesta etapa, em que o poder público se omite em oferecer serviços que seriam obrigatórios, se intensifica a estagnação econômica já previamente existente, o que atinge de forma arrasadora o espaço, transformando a mera decadência em colapso.

Este quadro de "abandono" é pintado cuidadosamente, posto que operado, e difundido nos meios de comunicação, que reforçam os espaços em questão como inseguros, focos de violência e perniciosos. Mesmo a política de preservação é utilizada para esta manobra - a "obrigatoriedade" de manter as edificações frente ao completo desinteresse econômico da área é utilizada como argumento para a compra destes imóveis por valores bastante reduzidos. Com isto, os imóveis são adquiridos dos moradores, herdeiros ou proprietários de pequenos negócios no local, ficando concentrados nas mãos de poucos investidores, como reservas especulativas.

Quando tais proprietários já estão em poder de parcela considerável do espaço em questão, a sua "revitalização" torna-se subitamente uma pauta pública, difundida como solução positiva para reabilitar econômica e socialmente uma área. O apelo de revitalização é fácil, pois vem de resposta a perguntas recentemente plantadas na sociedade. O alto investimento público é justificado pelas melhorias funcionais, estéticas e mesmo investimentos ditos culturais, com a recuperação de imóveis históricos nestas áreas.

Definir quando este processo começa é difícil. Tanto o poder público como apenas a iniciativa privada podem iniciá-lo. O fato é que, independentemente do modelo adotado, com a evolução do processo eleva-se subitamente o custo de vida e o valor dos imóveis (incluso aluguéis) de toda uma área. 

É importante ressaltar que nem sempre o processo de gentrificação, em especial no seu início, tem a "cara feia" e repulsiva que se esperaria. O início deste processo pode ser espontâneo - ou pretensamente espontâneo - e provocado por iniciativas aparentemente descentralizadas, como a ocupação de edificações abandonadas por artistas, por negócios alternativos de empreendedores de classe média e média alta. Este tipo de nova ocupação costuma trazer diversidade e vida para um bairro decadente, mudando rapidamente a sua dinâmica para melhor. 
Apesar de aparentemente "positiva", este tipo de ação claramente já depende da expulsão da comunidade pré-existente estar em curso ou concluída. No fim das contas, já consiste em suplantar completamente a comunidade pré-existente, sem qualquer intercâmbio ou inserção orgânica nas estruturas sociais pré-estabelecidas. Ainda, todos os efeitos positivos que são reais, podem ser relativizados devido a efemeridade desta ocupação, pois mesmo os empreendedores de classe média e média alta e artistas são rápida e fatalmente expulsos do local na medida em que o processo avança, dando lugar a investidores melhor abastados. A dita "gentrificação hipster" já começa com os dias contados para terminar.


Placas espalhadas pelo Coletivo Consciência Coletiva em Hamburgo Velho.

Com a evolução do processo de gentrificação, mesmo os últimos moradores de baixa renda do local são obrigatoriamente removidos, seja por falta de condições de sustentabilidade devido ao alto custo de vida, seja pela expulsão no caso de áreas ocupadas de forma irregular (cuja propriedade é retomada, a despeito de previamente terem servido apenas para especulação e sem cumprimento da função social).

Executada a 'renovação urbana' sob o viés da gentrificação, o espaço passa a ser ocupado e frequentado pelas classes médias-altas ou altas, e diz-se então dele, que deixou a decadência e foi finalmente "reintegrado" a cidade. 

Não há linearidade ou roteiro

O desenrolar do processo de gentrificação não se repete de forma linear e acrítica em todos os lugares. Devido às complexidades de cada centro urbano, as etapas se misturam e sobrepõem. É possível verificar que ainda assim, os fins são sempre os mesmos: a alteração na dinâmica social do local, concentração de imóveis nas mãos de investidores de alto poder aquisitivo, e a expulsão gradual ou súbita da comunidade pré-existente.

Como exemplo, verifica-se em muitos casos os imóveis já valorizados mesmo enquanto a área encontra-se aparentemente sem perspectivas e já existe campanha de difamação do local e difusão das restrições advindas de tombamentos. Note-se, que é nítido que os imóveis são inflacionados somente quando já estão sob posse dos agentes beneficiados pelo processo de gentrificação. Antigos moradores da área, que convivam com este processo, jamais conseguirão exercer propriedade da mesma forma ou comercializar os imóveis sob as mesmas premissas que estes novos proprietários, ainda que insistam. Da mesma forma, o resultado "final" do processo de gentrificação muitas vezes começa a aparecer antes mesmo da execução de qualquer obra pública ou alteração na política urbana.


Ressalte-se, também, que embora curiosamente alguns estejam tentando reabilitar a palavra "gentrificação", emprestando-lhe um sentido positivo, dificilmente estes processos serão vendidos com este nome. "Revitalização", "Renovação urbana", "Requalificação" e "Restauração" sãos os termos mais empregados para esconder um processo deste tipo.

Gentrificação é "positiva" para a preservação?

Toda a carga desumana dos processos de gentrificação costuma ser desprezada frente a solução aparentemente única que oferece para preservação do patrimônio edificado. No nosso ponto de vista, porém, costuma ser igualmente danoso à manutenção do patrimônio cultural:

 - O patrimônio cultural é apenas um interesse secundário nestes processos. Interessa na medida em que facilita a redução do valor dos imóveis, até que sejam adquiridos por empreendedores que irão exercer o valor de mercado já elevado. Por esse motivo, a recuperação física costuma ser bastante arbitrária, com a perda do conteúdo histórico das edificações a partir de obras realizadas sem o devido cuidado técnico e respeito às diretrizes de preservação. Projetos de "revitalização" sob o viés da gentrificação tendem a espetacularização do patrimônio; 

- Mesmo a seleção do patrimônio cultural a ser tutelado nessas áreas costuma ser bastante arbitrária e parcial, desprezando edificações e espaços importantes para facilitar as intervenções pretendidas;

- O patrimônio cultural nestes espaços se torna apenas marketing. Esvaziado do seu conteúdo social, cultural e simbólico, desvinculado de sua origem histórica e significados, o imóvel permanece apenas como elemento estético descontextualizado e fisicamente descaracterizado. A mesma pasteurização se dá nos espaços públicos, que a longo prazo perdem justamente a vitalidade que pretendia-se resgatar;

- Ainda que se considere o mais alto zelo com o processo de restauração, é importante lembrar que o significado do patrimônio cultural vai além da manutenção das estruturas físicas. O processo de gentrificação destrói violentamente o panorama sócio-cultural pré-existente, os laços afetivos dos cidadãos com o espaço e sua vitalidade. Interrompe o ciclo histórico, idealizando e mergulhando todo espaço numa superficial atemporalidade;

- Os centros históricos são pasteurizados e tornam-se todos muito parecidos, abrigando os mesmos tipos de lojinhas, escritórios ou franquias. A experiência de conhecer um centro histórico gentrificado é enfadonha, e muito semelhante a visitação de um shopping. Os centros históricos passam de portadores da identidade local a espaços genéricos que poderiam figurar em qualquer lugar do mundo.

- O espaço urbano perde sua diversidade, dinâmica e vitalidade, uma vez que é ocupado inteiramente por comércio e proprietários de mesmas características e faixas de renda. Quando o espaço não se consolida como centro de compras para turistas, ocorre rapidamente a perda da vitalidade e retorno do processo de decadência anterior.

- O investimento público na "revitalização" multiplica-se com o investimento em habitação social, e principalmente, em infra-estrutura urbana e de transportes, uma ver que implica no deslocamento de um contingente de moradores para áreas afastadas do centro urbano. 

Repensando as intervenções urbanas

Devido aos elementos abordados, julgamos infeliz e forçada a difusão do termo "gentrificação positiva". Como vimos, mesmo os pequenos aspectos positivos trazidos por um processo de gentrificação costumam ser efêmeros, com efeitos colaterais danosos e fatalmente construídos sobre a desumanização do espaço urbano.

Não é impossível pensar na reabilitação de um espaço urbano degradado sem o uso destas premissas. Basta deixar o círculo vicioso e enxergar outras possibilidades concretas. Em especial, tendo em mente que qualquer alteração na dinâmica de um espaço urbano deveria ser, evidentemente, pensada em conjunto com a comunidade local e população da cidade como um todo. Promover o direito e o acesso à cidade, elaborando planos diretores participativos, são premissas mínimas do Planejamento Urbano. Não se pode definir o futuro de uma área e de um conjunto de cidadãos por "notório saber", apenas em gabinete e escritório.

Muitos instrumentos de planejamento urbano são previstos no Estatuto das Cidades e devem ser aplicados e efetivamente regulamentados: a transferência de potencial construtivo pode resolver a inviabilidade econômica dos processos de recuperação, sem necessidade de expulsão ou nivelamento da ocupação de todo bairro por faixa social. Já o IPTU progressivo inviabiliza a manutenção de imóveis desocupados em processo de degradação, onerando a manutenção de imóveis apenas como reserva especulativa. Da mesma forma outros instrumentos existem ou podem ser criados em resposta às problemáticas locais.

(fonte:http://www.justrenttoown.com/blog/gentrification-cultural-shift/)

Uma longa etapa de diagnóstico que permita o reconhecimento do patrimônio cultural material e imaterial, da comunidade pré-existente e suas aspirações e das potencialidades já latentes pode trazer todos os elementos para um processo de reabilitação. Cada espaço pede sua própria reabilitação urbana, que poderá ter sucesso na medida em que for pensada e organizada de forma orgânica e pertinente ao local abordado.

Fonte: http://dzeit.blogspot.com.br/2015/10/existe-gentrificacao-positiva.html

terça-feira, 20 de outubro de 2015

NO PAÍS DO CUNHA E DOS HOMICIDAS DO TRANSITO

NO PAÍS DO CUNHA E DOS HOMICIDAS DO TRANSITO


A nossa herança maldita que carregamos dá sempre sinais de sua permanente existência, para os representantes de classes favorecidas sempre existe uma saída atrelada a impunidade; o presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Bandido Cunha, não cai apesar de todas as evidencias de enriquecimento ilícito e corrupção (deve ser proteção divina... mas não será ele um D. João VI moderno com sua Carlota Joaquina...) e os homicidas do transito, onde a homicida do momento é uma moça denominada Juliana Cristina Alcoólatra da Silva, está em liberdade como se nunca tivesse matado alguém. Não podemos continuar permitindo que Cunha e seus seguidores fiquem discutindo redução da maioridade penal ou impeachment com interesse partidário e outros mais obscuros ainda, enquanto assassinos do transito (que agem diariamente) permaneçam em liberdade e recebam penas ridículas, isso quanto não são absolvidos. O avanço de políticas publicas referente a expansão da mobilidade urbana, deve também passar por uma ampla revisão da legislação referente ao transito de nossas cidades. Assassinos não podem mais continuar circulando livremente pelas ruas, colocando continuamente em risco vidas inocentes.



                                                                                                     Prof. Marcos Geo

quarta-feira, 14 de outubro de 2015

1% da população mundial concentra metade de toda a riqueza do planeta

1% da população mundial concentra metade de toda a riqueza do planeta


Desigualdade aumentou desde da crise de 2008 e chega ao ápice em 2015



Vista aérea de villa Certosa, la mansión de Silvio Berlusconi en Cerdeña.
Vista aérea da Villa Certosa, a mansão de Silvio Berlusconi na Sardenha. / GTRES


2015 será lembrado como o primeiro ano da série histórica no qual a riqueza de 1% da população mundial alcançou a metade do valor total de ativos. Em outras palavras: 1% da população mundial, aqueles que têm um patrimônio avaliado em 760.000 dólares (2,96 milhões de reais), possuem tanto dinheiro líquido e investido quanto o 99% restante da população mundial. Essa enorme disparidade entre privilegiados e o resto da Humanidade, longe de diminuir, continua aumentando desde o início da Grande Recessão, em 2008. A estatística do Credit Suisse, uma das mais confiáveis, deixa somente uma leitura possível: os ricos sairão da crise sendo mais ricos, tanto em termos absolutos como relativos, e os pobres, relativamente mais pobres.
No Brasil, a renda média doméstica triplicou entre 2000 e 2014, aumentando de 8.000 dólares por adulto para 23.400, segundo o relatório. A desigualdade, no entanto, ainda persiste no país, que possui um padrão educativo desproporcional, e ainda a presença de um setor formal e outro informal da economia, aponta o relatório.

Em O Preço da Desigualdade, um dos últimos livros de Joseph E. Stiglitz, o Nobel de Economia utilizou uma poderosa imagem da Oxfam para ilustrar a dimensão do problema da desigualdade no mundo: um ônibus que por ventura transporta 85 dos maiores multimilionários mundiais contém tanta riqueza quanto a metade mais pobre da população mundial.
Hoje, essa impactante imagem, plenamente em voga, ganha a companhia de outras que deixam latente a crescente desigualdadeentre os privilegiados e o resto do mundo: um de cada 100 habitantes do mundo tem tanto quanto os 99 restantes; 0,7% da população mundial monopoliza 45,2% da riqueza total e os 10% mais ricos têm 88% dos ativos totais, segundo a nova edição do estudo anual de riqueza publicado na segunda-feira pelo banco suíço Credit Suisse, feito com dados do patrimônio de 4,8 bilhões de adultos de mais de 200 países.
O que causou esse novo aumento da disparidade? A entidade financeira aponta a melhora dos mercados financeiros: a riqueza dos mais ricos é mais sensível às subidas de preço de ações de empresas e outros ativos financeiros que a do restante da população. No último ano, os índices de referência dos mercados das principais bolsas europeias e norte-americanas, o Eurotoxx 50 e o S&P 500, subiram mais de 10%.
Outro dado dá base à tese do aumento da desigualdade: ainda que o número dos muito ricos (aqueles que têm um patrimônio igual ou superior aos 50 milhões de dólares [195 milhões de reais]) tenha perdido aproximadamente 800 pessoas desde 2014 por conta da força da moeda norte-americana frente ao resto das grandes divisas, o número de ultrarricos (aqueles que têm 500 milhões de dólares [1,95 bilhão de reais]) ou mais aumentou “ligeiramente”, segundo o Credit Suisse, para quase 124.000 pessoas. Nem sequer o ajuste pela taxa de câmbio é capaz de neutralizar o aumento. Por país, quase a metade dos muitos ricos vive nos EUA (59.000 pessoas), 10.000 deles vivem na China e 5.400 vivem no Reino Unido.
Com esses dados, não é de se estranhar a satisfação mostrada na segunda-feira pelo responsável pela Gestão de Patrimônios do Credit Suisse para a Europa, o Oriente Médio e a África, Michael O’Sullivan: seu negócio não deixou de crescer desde o estouro da maior crise desde a Segunda Guerra Mundial. “Nossa indústria está em pleno crescimento, a riqueza seguirá com sua trajetória de subida”. Suas previsões não podem ser mais eloquentes. O número de pessoas com um patrimônio superior a um milhão de dólares (3,9 milhões de reais) crescerá 46% nos próximos cinco anos, até chegar aos 49 milhões de indivíduos.
Toda a riqueza mundial em seu conjunto, por outro lado, crescerá até 2020 um robusto, mas inferior, índice de 39%. Na Espanha, o número de pessoas com patrimônio superior a um milhão de dólares (3,90 milhões de reais) chegou em 2015 a 360.000 pessoas, 21% a menos do que no mesmo período em 2014. A Espanha é o nono país que mais perdeu milionários no último exercício. Da mesma forma que o restante da zona do euro, a evolução é distorcida pela fragilidade do euro frente à moeda norte-americana.

A classe média chinesa já é a mais numerosa do mundo

A China, o melhor expoente dos anos dourados dos emergentes que começam a chegar ao seu fim, já é o país do mundo com mais pessoas na classe média. Segundo o relatório anual de riqueza mundial do Credit Suisse, 109 milhões de moradores do gigante asiático têm ativos avaliados entre 50.000 e 500.000 dólares –195.000 a 1,95 milhão de reais–, a categoria estabelecida pelo banco suíço. Essa quantidade equivale à renda média de quase dois anos e oferece uma proteção “substancial” contra a perda de emprego, uma queda brusca na entrada de rendimentos ou um gasto de emergência.
Ainda que a distribuição de renda na China esteja muito distante de ser igualitária, a expansão da classe média seguiu um caminho paralelo à evolução de sua economia: com um crescimento maior – o gigante asiático cresceu dois dígitos em oito dos últimos 20 anos e se transformou na imagem do milagre emergente – mais pessoas entram na classe média. Em 2015, o Estado asiático superou os EUA (92 milhões) como o primeiro país em número de pessoas na classe média. O Japão (62 milhões de habitantes na classe média), a Itália (29 milhões), a Alemanha (28 milhões), o Reino Unido (28 milhões) e a França (24 milhões).

Diferenças regionais

Por região, 46% da classe média mundial vive na Ásia-Pacífico; 29% moram na Europa, berço do Estado de bem-estar social, e 16% na América. Em termos relativos, por outro lado, a América do Norte – com os Estados Unidos e o Canadá na liderança – aparece como o maior expoente da classe média, com 39% dos adultos dentro dessa faixa, seguida pela Europa, onde um em cada três maiores de idade são classe média. A proporção desaba na América Latina (11%) e na Ásia-Pacífico, a região mais povoada do globo e na qual somente um em cada 10 habitantes está dentro da categoria estabelecida pelo Credit Suisse.
Segundo os números da entidade financeira, 664 milhões de pessoas em todo o mundo podem ser consideradas de classe média, somente 14% da população adulta global. Dessa cifra, 96 milhões de pessoas (2% do total), têm uma riqueza avaliada em mais de meio milhão de dólares (1,95 milhão de reais).

terça-feira, 13 de outubro de 2015

Modelo econômico dos governos Lula e Dilma gerou crise urbana e agravou déficit habitacional, diz Guilherme Boulos



Dezoito anos após seu nascimento em São Paulo, o MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) está se afirmando como um dos novos protagonistas da mobilização popular. Representando 45 mil famílias em dez capitais brasileiras, o movimento já ganhou certa capilaridade e se afirma como o primeiro movimento urbano do país. Para seu principal líder, Guilherme Boulos, o objetivo do grupo não é só “conquistar a moradia, mas reverter o modelo urbano para acabar com o caráter de segregação das cidades brasileiras”.
Apontando o crescimento das ocupações por sem-tetos – que triplicaram em 2014 – ele explica que isso não é resultado da crise econômica. Para ele, foi a própria política econômica dos governos Lula e Dilma que provocou a especulação imobiliária. Isso porque apostaram no crédito para a moradia sem nenhuma regulação em relação, por exemplo, aos preços dos aluguéis. “A crise urbana antecedeu a crise econômica no Brasil”, resume.
Flickr/CC/Mídia Ninja
Boulos durante a entrega de moradias em Taboão da Serra no ano passado
Formado em filosofia pela USP, o militante, com 33 anos, defende uma “Frente Social”, ou uma “Frente Popular”, para combater o avanço da direita sem apoiar o governo. No entanto, o MTST não compõe a Frente Brasil Popular, fundada no começo de setembro por iniciativa do PT, do PCdoB, da CUT, do MST e da UNE.
Revista Samuel: Os movimentos de sem tetos, e especialmente o MTST, ocupam um espaço cada vez maior nos protestos na rua. Por que a questão da moradia é tão crucial? Guilherme Boulos: O MTST nasceu em 1997, com a proposta de fortalecer a luta pela moradia digna no Brasil, que tem um dos maiores déficits habitacionais no mundo. Calcula-se que 5,8 milhões de famílias são consideradas sem tetos, ou seja, 20 milhões de pessoas. Além disso, o déficit qualitativo – que representa as pessoas que têm uma casinha, mas sem acesso a serviços públicos ou infraestrutura urbana – atinge mais de 15 milhões de famílias no país. Isso significa que o problema da moradia afeta direta ou indiretamente um terço da população. Em relação à população urbana, a proporção é ainda maior.
RS: Porque que esta luta ganhou mais visibilidade nos últimos dois anos, sobretudo a partir das manifestações de junho de 2013? 
GB: Junho de 2013 funcionou como um gatilho, um disparador. A panela de pressão explodiu, deixando escapar as tensões latentes na sociedade brasileira, entre elas a da crise urbana. Não é à toa que junho de 2013 estoura com um tema urbano, que é a mobilidade. A crise da mobilidade tem tudo a ver com a especulação imobiliária. Se você joga as pessoas para mais longe, você agrava o problema de transporte, já que a oferta de trabalho continua no centro.

As pessoas passam pelo menos 4 horas por dia em ônibus lotados para ir ao trabalho. Acrescente a isso os despejos e as remoções provocados pela Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos e você entende o crescimento dos sem-tetos. O número de ocupações não para de crescer. Em São Paulo, foram 250 entre 2011 e 2012, e passaram a 680 entre 2013 e 2014, três vezes mais.
RS: Por que a panela de pressão estourou dois anos atrás numa situação de geração de emprego ainda forte e de alta da massa salarial? 
GB: Acima de tudo porque o processo que nós vivemos no último período agravou as contradições do modelo urbano. O modelo de desenvolvimento adotado pelos governos do PT, embora seja comparativamente melhor do que as políticas neoliberais puro-sangue dos anos 1990, preservou muitos elementos desta política. A ampliação do mercado interno e do consumo popular através do crédito, que por um lado é positivo, por outro, teve um efeito perverso. Este crescimento foi uma das locomotivas da construção civil, o setor que mais cresceu nos últimos 10 anos – junto com o agronegócio e dos bancos.

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São Paulo tem déficit de 230 mil moradias
O crédito para aquisição ou construção de casa aumentou brutalmente. Em 2005, o estoque de crédito imobiliário era de 4,8 bilhões de reais. Em 2014, atingiu 102 bilhões. Foi jorrado muito dinheiro público no setor da construção. Isso incentivou a criação de empregos e permitiu a alguns segmentos da chamada classe C ascender à casa própria. Mas também estimulou uma especulação imobiliária brutal. Algumas regiões de bairros periféricos que não eram capitalizados pelo mercado imobiliário passaram a ser e esta valorização implicou a exclusão.
Nos últimos sete anos, o valor da terra em São Paulo aumentou de 220%, e no Rio de Janeiro, de 265%, a maior alta do país. Boa parte das capitais brasileiras ficou neste patamar de 150-200%. Isso influi diretamente no valor dos aluguéis. Aquilo que o aumento do salário mínimo, Bolsa Família e o crédito deram para a família trabalhadora com uma mão, o aluguel tirou com a outra. Isso começou a provocar uma expulsão de pessoas, gerando uma onde de periferização, jogando as pessoas para regiões ainda mais distantes.
RS: Quer dizer que o processo de expulsões dos mais pobres para a periferia é anterior à crise econômica? 
GB: A crise urbana antecedeu a crise econômica no Brasil. Aliás, este modelo econômico gerou a crise urbana. Ao encher o setor da construção de crédito, empoderá-lo sem nenhuma regulação pública, o sistema aumentou o valor dos aluguéis e agravou o déficit habitacional. Para milhares de famílias não restou alternativa que não a ocupação de imóveis ociosos.

RS: O MTST privilegia ocupações nas periferias das cidades e não nos centros. Pode explicar esta escolha? 
GB: Primeiro, quero dizer que o movimento acha importante que ocorram ocupações nas regiões centrais, porque o que aconteceu com o modelo urbano foi expulsar os pobres do centro. Tem muitos edifícios ociosos que precisam ser reapropriados pelos trabalhadores pobres, e há vários movimentos que fazem isso no país. Estas ocupações são importantíssimas. A opção do MTST de focar mais nas periferias tem a ver com um projeto de acúmulo de força social para fazer mudanças no país.

Marcelo Camargo/Agência Brasil
Ocupação Douglas Rodrigues do alto: terreno de 50 mil metros quadrados tem 2.620 barracos
Uma ocupação no centro, mesmo com toda sua importância, fica ilhada num ambiente hostil. Na periferia, é diferente porque o processo de ocupação das grandes periferias brasileiras foi historicamente de loteamento clandestino. Então uma ocupação nestas regiões se irradia e se relaciona com seu entorno, conseguindo se articular com outro projeto de reforma urbana para lutar por serviços públicos, saúde, educação, esporte, contra os despejos de comunidades historicamente estabelecidas. Esta luta dá mais horizonte e amplia o processo de organização popular. Para nós, não basta conquistar a moradia, queremos reverter o modelo urbano para acabar com o caráter de segregação das cidades brasileiras.
RS: Qual é sua avaliação da política de moradia do governo? GB: Primeiro, tem que lembrar que antes não tinha nenhuma política. Há seis anos temos o MCMV (Minha Casa Minha Vida) o que já é um avanço. Além disso, o programa incorporou uma reivindicação histórica dos movimentos que é o subsídio. Em países como o Brasil é impossível resolver a questão da moradia apostando só no crédito.
Boa parte das pessoas que não têm casa não tem condição de contratar um crédito, por ser de baixa renda ou por ter o nome sujo. A única forma de resolver é com subsídio, tratando a moradia como um direito, não como uma mercadoria. O MCMV chega a 95% de subsídios na faixa de renda mais pobre. Dito isso, o programa tem um problema central: ele não foi criado para resolver a questão da moradia no país, mas para injetar recursos no setor da construção civil, que estava ameaçado pela crise a partir de 2008. Neste sentido, a lógica do programa é comprometida por interesses econômicos muito mais do que com perspectivas sociais.
RS: Qual é o impacto do fato que, segundo vocês, o programa atende muito mais ao setor da construção do que a demanda de moradia?
GB: Os principais agentes do programa são as construtoras. Elas têm a prerrogativa de escolher o terreno, gerir a obra, e fazer o projeto. Ou seja, o planejamento urbano passa a ser privatizado. O mecanismo é o seguinte: a construtora tem um terreno, ela faz um projeto atendendo às especificações mínimas que ela submete à Caixa Econômica Federal. Tendo o projeto aprovado, ela recebe os créditos para construir as moradias. A prefeitura municipal indica as pessoas que vão morar lá. O governo paga o mesmo valor por unidade habitacional, independente do tamanho e da localização. Em São Paulo, por exemplo, o valor é R$ 76 mil por apartamento. Suponhamos: a construtora tem um terreno onde ela vai construir mil apartamentos. Ela vai receber R$ 76 milhões do governo para fazer a obra. Se ela fizer a obra aqui no centro ou no fundão de Itapecerica da Serra, ela vai receber os mesmos R$ 76 milhões. Se ela fizer apartamentos de 39m2, que é o mínimo, ou se ela resolver fazer 60m2, ela vai receber o mesmo dinheiro. Isso significa a produção de apartamentos de baixa qualidade, pequenas, e nas piores regiões.
Assim o MCMV acaba reproduzindo uma lógica de expulsar para a periferia os pobres, uma lógica segregadora. As construtoras utilizam seus piores terrenos para o programa e reservam os melhores para empreendimentos de alta renda.
RS: Apesar disso, vocês consideram que o programa ajudou a melhorar a questão da moradia? 
GB: Como já disse, o programa tem o mérito de existir e nós militamos, junto com outros movimentos de moradia, para conseguir o financiamento de sua terceira fase. Mas, na medida em que o MCMV produz casas e não cidade, na medida em que não vem acompanhado de políticas publicas de combate à especulação imobiliária, o programa acaba enxugando o gelo.

Flickr/CC/Romerito Pontes
Manifestação realizada pelo MTST em 2014 no centro de São Paulo
Em 2008, um ano antes de ele ser lançado, o déficit habitacional era 5,3 milhões. O último dado que temos, depois de mais de um milhão de casas construídas pelo programa, é de 5,8 milhões; Ou seja, o próprio déficit aumentou, porque o ritmo de construção de MCMV é menor que o ritmo de produção de novos sem-tetos por este modelo de cidade. Por conta de todos estes vícios, o programa acabou sendo utilizado como uma política de periferização e de remoção, isso é inaceitável. Ele representa o aprofundamento de um modelo de cidade excludente.
RS: Que medidas preconiza o movimento para acabar com exclusão urbanas? 
GB: São várias. Vou apontar as três principais. Primeiro uma nova lei do inquilinato. Não é razoável que uma questão tão social como o aluguel seja determinada apenas pela lei de oferta e procura. Tem que ter uma regulação que coloque, por exemplo, que o ajuste tenha como teto o índice de inflação. O aluguel aumentou três vezes mais que a inflação nos últimos anos. Isso já existiu na historia do país e existe em outros.

Segundo, temos que retomar uma política de terras públicas no Brasil. A constituição brasileira assegura o direito à propriedade, mas ela exige que esta propriedade cumpra uma função social. Isso não é respeitado. Tem milhares de terras privadas utilizadas apenas para a especulação imobiliária. Imóveis na região central esperando uma operação urbana, uma parceria público-privada para ser vendido melhor. “Esperando” não é a palavra correta: os interesses se articulam com os poderes públicos para conseguir esta valorização. Precisamos ter um combate brutal da especulação imobiliária, as chamadas traves de taxação da valorização imobiliária, que não existe hoje.
Finalmente, necessitamos uma política agressiva de levar o centro para a periferia e trazer a periferia para o centro. Isso significa levar os serviços públicos, a oferta do trabalho para a periferia. É irracional que as pessoas tenham jornadas de oito horas mais quatro no ônibus. Ao mesmo tempo, fazer das regiões centrais lugares de moradia para os trabalhadores mais pobres. O déficit habitacional é 5,8 milhões, como já vimos. O numero de imóveis ociosos é de 5,5 milhões. Ou seja, você praticamente resolveria o déficit se desapropriasse estes imóveis, muitos deles nas regiões centrais, para fazer moradia popular.
RS: Com a crise econômica os problemas de moradia vão se estender? 
GB: Por um lado, a crise econômica diminui o ritmo da especulação porque os imóveis param de se valorizar. Mas, por outro lado, a renda das famílias cai brutalmente. Com desemprego, redução salarial, a ocupação de terras por famílias vai crescer nos próximos anos. Estamos só no começo da crise, o ano que vem será um desastre.