Páginas

terça-feira, 20 de janeiro de 2015

O pesadelo chileno

O pesadelo chileno



Evo Morales pede a mediação do papa Francisco no conflito com o Chile em torno de uma saída ao mar para seu país


 20 ENE 2015

Na próxima quinta-feira Evo Morales vai assumir a presidência da Bolívia pela terceira vez. No colorido juramento indígena haverá uma presença fantasmagórica: a de Francisco, o Papa. A última reunião do pontífice com Morales provocou um arrepio regional. Ao sair do Vaticano, Morales disse que o chefe da Igreja lhe pediu os antecedentes da disputa de seu país com o Chile para reivindicar uma saída para o mar. Os alarmes chilenos estão acesos. Por trás da tensão percebem-se vários sinais dos tempos. O ativismo diplomático de Bergoglio, as contradições do Governo de Michelle Bachelet e o contraste entre dois modos de ser da América Latina.
A disputa entre Bolívia e Chile é um dos inúmeros conflitos limítrofes entre os países surgidos da derrocada do império espanhol. Essa querela, que desencadeou a Guerra do Pacífico de 1879, teria sido resolvida em 1904 com um tratado de paz pelo qual os bolivianos trocaram a clausura por uma ferrovia desde La Paz até o porto de Arica, direitos especiais para que seus produtos chegassem ao oceano e uma indenização de 300.000 libras esterlinas.
Mas as pretensões da Bolívia reapareceram. E os chilenos González Videla, Pinochet, Lagos e Bachelet, em sua primeira presidência, aceitaram negociá-las. Todos fracassaram.
Em abril do ano passado Evo Morales recorreu ao Tribunal de Haia, porque “dialogar com o Chile é continuar perdendo tempo”. O Governo chileno ignorou essa jurisdição. E existiu que não existe país sem saída para o mar que receba os benefícios da Bolívia: até o final de 2016 serão investidos 500 milhões de dólares (1,32 bilhão de reais) para melhorar o transporte dos produtos bolivianos até o mar.
A disputa, que captou a atenção da opinião pública de ambos os países, vai marcar a nova posse de Morales. Sobretudo porque Bachelet não vai comparecer. Ela se fará representar pelo presidente da Corte. Ricardo Lagos e ela própria estiveram presentes nas posses anteriores. Desta vez, pelo contrário, ela chamou seus embaixadores na América Latina a Santiago para analisarem a disputa com a Bolívia. O que vai opinar o comunista Eduardo Contreras, embaixador no Uruguai e favorável a um acordo com os bolivianos? Morales provoca arrepios na coalizão de Bachelet.
O chanceler Heraldo Muñoz, enfraquecido por um escândalo de financiamento eleitoral, se sobressaltou com as declarações de Morales em Roma. Para um chileno não deve haver pior pesadelo que o surgimento de um Papa argentino advogando pelos bolivianos.
A Santa Sé não comentou a deslealdade de Morales. Mas o contexto a torna verossímil. Bergoglio vem demonstrando uma inclinação irrefreável pela política internacional. Assim que foi eleito Papa, pensou em resolver o conflito do Uruguai com a Argentina em torno da instalação de uma fábrica de celulose à margem do rio que separa os dois países. O rei da Espanha já queimou os dedos nessa controvérsia. Não se soube mais nada da tentativa papal.
Francisco interveio também na crise de Nicolás Maduro com sua oposição, por meio de Aldo Giordano, seu núncio na Venezuela. Até agora, não teve resultados. O último pedido de Giordano é que o chavismo se mire no espelho dos Castro e seu reencontro com os Estados Unidos.
Esse experimento foi o maior êxito de Bergoglio. Os chilenos temem que seja o modelo seguido em uma intervenção em seu enfrentamento com a Bolívia. Os dois casos oferecem um formato ao estilo de Davi versus Golias, pelo qual o Papa sempre fica fascinado. Não faltam exemplos desse fascínio. Desde a solidariedade com os migrantes de Lampedusa até a recente criação de cardeais de países periféricos e dioceses menores.
Entre os diplomatas de Bachelet há um pressentimento mais difícil de expressar: que no interior do pontífice continue a palpitar aquele jesuíta politizado, com afinidades com o nacionalismo peronista, que nos anos 1970 citava o fato de a Bolívia não ter saída para o mar como exemplo da opressão que ofende o mundo. Entre 1958 e 1960 Francisco viveu em Santiago. Estudou arte e literatura na célebre missão do padre Hurtado. Mas essa experiência talvez não seja o bastante para exorcizar o perigo que Bachelet teme. Morales sabe pressionar. Ele revelou que lhe pediram os antecedentes do conflito e, de imediato, ele anunciou que o papa vai visitar seu país em julho.
Talvez Bachelet encontre alívio no Vaticano, onde é possível que vá no próximo mês com Cristina Kirchner. O motivo pode ser inoportuno: agradecer a mediação entre Chile e Argentina do cardeal Antonio Samoré, falecido em 3 de fevereiro de 1983.
A intenção papal de ajudar a Bolívia provoca reações contraditórias entre os católicos chilenos. Sobretudo no cardeal Francisco Errázuriz, nomeado por Bergoglio para a comissão que reforma a Cúria romana.
Em contrapartida, o Pontífice vai reforçar a simpatia que nutre por ele a esquerda populista latino-americana, que enxerga o conflito entre Bolívia e Chile como o último muro a derrubar. Em 2003 Hugo Chávez ofendeu Ricardo Lagos, dizendo que sonhava em tomar banho de mar numa praia boliviana. Mas a tensão entre os dois países revela outro ponto de discórdia. Morales disse que só admitirá que Bachelet é socialista se ela abandonar a Aliança do Pacífico. E seu vice, Álvaro García Linera, descreve essa associação entre Chile, Peru, Colômbia e México como “a represália dos Estados Unidos pela nova autonomia regiional”.
Bachelet, em um movimento involuntário, parece representar o papel que lhe designam na Bolívia. Antes de se reunir com seus embaixadores, ela vai avaliar na Filadélfia o tratado de livre comércio com os Estados Unidos. Uma viagem dedicada às fobias de Evo Morales.
Fonte: http://brasil.elpais.com/brasil/2015/01/19/opinion/1421708351_904056.html

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Sete cidades rumo a um futuro livre da dependência dos carros

Sete cidades rumo a um futuro livre da dependência dos carros


Repensar a mobilidade, mais do que uma tendência, aos poucos tem se tornado uma diretriz em grandes cidades do mundo. Hamburgo, HelsinqueMadriParis – todas caminham em direção a um futuro de ruas com menos carros. O objetivo não é excluir os automóveis como opção de transporte, mas repensar e ultrapassar o caráter vicioso de um sistema de transportes estruturado quase totalmente em torno dos automóveis. Abaixo, conheça os exemplos de sete cidades que começam a enfrentar os desafios postos pela luta contra a dependência dos carros.
Madri
(Foto: Alexandre Tarrask/Flickr)
A capital espanhola já havia restringido a circulação de carros em algumas ruas, mas este mês a zona livre de carros da cidade deve crescer ainda mais. Os moradores estão livres para dirigir no local, mas quaisquer outras pessoas, se estiverem de carro, são multadas. É um dos passos de um plano muito mais amplo: pedestrianizar por completo a área central de Madri nos próximos cinco anos. Além disso, outra medida de estímulo ao transporte sustentável: nas ruas madrilenas, os modelos mais poluentes pagam mais caro para estacionar.
Paris
(Foto: Luke Ma/Flickr)
Semelhante ao que acontece em Madri, no centro de Paris não moradores não podem entrar de carro nos finais de semana, e a tendência é que a medida passe a valer para toda a semana. Até 2020, a prefeita Anne Hidalgo tem a meta de dobrar o número de ciclovias, acabar com os carros a diesel e reservar algumas vias com alto volume de tráfego apenas para a circulação de carros elétricos ou modelos de baixa emissão. E o resultados já começam a aparecer: em 2001, 40% dos parisienses não possuía um veículo individual; atualmente, esse índice já é de 60%.
Chengdu
(Imagem: Adrian Smith + Gordon Gill Architecture)
Uma nova cidade satélite planejada na China é modelo para o futuro da mobilidade: em lugar de uma organização urbana que torne o uso do carro necessário, as ruas foram desenhadas para que a maioria dos destinos possa ser alcançada com 15 minutos de caminhada. Apenas metade da área destinada às ruas e vias permitirá a circulação de veículos motorizados, e a cidade deve estar conectada a Chengdu, metrópole mais próxima, via transporte coletivo.
Hamburgo
(Foto: Flierfy/Flickr)
Hamburgo é um exemplo de cidade que vem tornando considerável e progressivamente mais fácil a opção por não dirigir. Uma nova “rede verde”, que deve estar pronta nos próximos 20 anos, vai cobrir 40% da área da cidade e conectar os parques, possibilitando que as pessoas caminhem ou pedalem a praticamente qualquer lugar.
Helsinque
Cidade quer acabar com a dependência do carro até 2025 (Foto: Claudio Alejandro Mufarrege/Flickr)
Quanto mais pessoas na cidade, menos carros serão permitidos nas ruas. Essa é a lógica da capital finlandesa que, em um novo plano, pretende transformar os bairros mais dependentes dos carros em áreas mais densas, caminháveis e conectadas ao centro da cidade por transporte coletivo. Helsinque também está criando novos serviços de mobilidade para facilitar a vida sem carro: um novo aplicativoem fase de testes, por exemplo, permite que as pessoas “encomendem” na hora um táxi ou uma bicicleta do programa de compartilhamento local ou encontrem a linha de ônibus ou trem mais próxima. A ideia é tornar a posse de um carro totalmente desnecessária dentro da próxima década.
Milão
(Foto: Brian Negin/Flickr)
Em decorrência dos níveis de poluição, Milão está testando uma nova medida para restringir o uso dos carros na área central da cidade: deixando o automóvel em casa, as pessoas ganham vouchers para usar de graça o transporte coletivo. Para evitar trapaças, um sistema acoplado ao painel mantém o rastreamento da localização do carro. A cada dia que o carro permanece na garagem, a cidade envia um voucher valendo por uma passagem de trem ou de ônibus.
Copenhague
(Foto: Justin Swan/Flickr)
Mais de metade da população de Copenhague vai de bicicleta para o trabalho todos os dias – um número nove meses maior que o registrado em Portland, a cidade com o maior índice de ciclistas nos Estados Unidos. Ao contrário da maioria das cidades, porém, a capital dinamarquesa começou a traçar esse caminho há muito mais tempo, com as primeiras zonas exclusivas para pedestres implementadas ainda na década de 1960. Atualmente, Copenhague tem 322 km de ciclovias e trabalha na construção de rodovias exclusivas para bicicletas.

(Fonte: Fast Co.Exist)

Fonte: http://thecityfixbrasil.com/2015/01/19/sete-cidades-rumo-a-um-futuro-livre-da-dependencia-dos-carros/

quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

A riqueza da Nigéria e os ataques fundamentalistas

A riqueza da Nigéria e os ataques fundamentalistas


Ali está uma das maiores reservas de minério fóssil do mundo, cerca de um milhão de quilômetros quadrados de puro petróleo (...)Apesar de ser um país laico é justamente a religião que vem sendo usada para dar vazão aos desejos de apropriação da riqueza
14/01/2014
Por Elaine Tavares*
A riqueza que se esconde sob o solo da Nigéria é sua desdita. Ali está uma das maiores reservas de minério fóssil do mundo, cerca de um milhão de quilômetros quadrados de puro petróleo. Há jazidas de outros minérios, mas o principal é o óleo negro, que representa 20% do Produto Interno Bruto do país, 95% das exportações e 80% da receita nacional. Não é sem razão que a guerra esteja corroendo seu território e matando sua gente. A lógica da terra arrasada para melhor dominação ainda segue em vigência naquelas paragens e nesse caldo de guerra à morte pelas riquezas, é a religião que vem sendo usada para “justificar” a barbárie. Em nome de “deus” grupos de várias cores se digladiam para tomar conta do petróleo.

Nos últimos meses o chamado “grupo radical islâmico” Boko Haram tem protagonizado uma série de ataques, de requintado terror com o objetivo de, segundo pregam, estabelecer a Sharia (lei islâmica) nos 36 estados que conformam o país. A Nigéria tem hoje 174 milhões de habitantes, sendo o país mais populoso do continente e o sétimo país mais populoso do mundo. Convivem no seu território mais de 500 grupos étnicos, mas os mais expressivos são os hauçás, os igbos e os iorubás. Do ponto de vista religioso o país é praticamente dividido entre os que professam a fé cristã (mais centrados no sul) e os muçulmanos (ao norte), mas também há os que praticam as religiões tradicionais como as igbo e iorubá.
Apesar de ser um país laico é justamente a religião que vem sendo usada para dar vazão aos desejos de apropriação da riqueza. Nascido no norte, onde predominam os muçulmanos o grupo Boko Haram foi fundado em 2002, na cidade de Maiduguri, no Estado de Borno, por Ustaz Mohammed Yusuf, que o liderou até 2009. Hoje o comando está nas mãos de Abubakar Shekau e a sede foi levada para a cidade de Kanamma, onde fica o que chamam de central operativa "Afghanistan". Desde ali, o grupo vem realizando sequestros e atentados contra as forças policiais nigerianas e contra a população civil.
Desde o final de 2001 que o norte do país vive em estado de alerta e o governo chegou a declarar estado de emergência em função da sequência de atentados e ações violentas, inclusive contra centros educacionais, já que eles acreditam ser a educação laica um grande mal. Até o ano passado, essa luta era considerada uma questão interna e não havia muita informação sobre o grupo. Mas, no início de 2014, o ataque a uma escola cristã, no qual os integrantes do Boko Haram queimaram vivas 60 crianças, colocou o problema em evidência nos jornais europeus. Pouco depois o grupo invadiria a cidade de Bama, num ataque violento deixando milhares de vítimas e famílias desalojadas.
O mês de abril trouxe mais uma notícia envolvendo o Boko Haram. Militantes invadiram outra escola, desta vem em Jibik, seguindo com a campanha contra a educação ocidental e sequestraram mais de 200 meninas, as quais o líder prometeu colocar à venda depois de convertê-las ao islã. Relatos de meninas que conseguiram escapar – divulgados nos jornais europeus - dão conta de violações sexuais e outras torturas, além da degola quando se recusavam a conversão.

Conheça o país

A Nigéria congrega atualmente quase um quarto da população do Oeste Africano. Embora menos de 25% estejam vivendo na zona urbana, existem cerca de 24 cidades com população de mais de 100.000 habitantes. O país tem uma grande taxa de fecundidade e um exponencial crescimento populacional. O Departamento de Recenseamento dos Estados Unidos, que está de olho no país, estima que a população da Nigéria atingirá 356 milhões em 2050 e 602 milhões em 2100, ultrapassando os próprios Estados Unidos como o terceiro país mais populoso do mundo.
A Nigéria está de frente para o oceano atlântico, na parte oeste do continente africano, bem na voltinha que se encaixaria no nordeste brasileiro na mítica Gaia. Faz divisa com Camarões, Benim, Níger e Chade. No seu território está parte do maciço de Adamawa, ou as Montanhas Gotel, com 2419 metros, em Chappal Waddi, o ponto mais elevado do país. Seu tamanho é um pouco maior do que o estado brasileiro do Mato Grosso e língua oficial  é o inglês.
Antes da dominação portuguesa e britânica o território era espaço do império Kanem-Bornu, que dominou a parte norte da Nigéria por mais de 600 anos. Era uma próspera rota de comércio entre os norte-africanos e o povo da floresta. Ao longo de sua história o povo daquele lugar constituiu sistemas de organização política muito bem elaborados, tanto que em 1471 quando os portugueses desceram pelo litoral africano encontraram uma corte próspera com a qual estabeleceram, em princípio, laços comerciais até o fim do século XVI, quando começou com mais intensidade o trafico de escravos.
Durante os séculos que se seguiram os portugueses e os britânicos dominaram a região estabelecendo entrepostos para a realização do melhor negócio daqueles tempos, que era o tráfico humano. No ano de 1886 foi criada a Companhia Real do Níger, sob o comando da Inglaterra e em 1900 esse país europeu já fincava suas garras no lugar, criando os protetorados. Em 1914 formaram a colônia da Nigéria, cujo nome surgiu da fusão entre as palavras Niger (do rio Níger) e area (palavra inglesa para "área"), e foi dado pela mulher do Barão Lugard, que administrava o território naqueles dias.
A independência veio no ano de 1960, no rastro de todo o processo de libertação que tomou conta do continente. Mas, de qualquer forma, a ascendência inglesa continuou, pois havia riqueza demais para ser deixada para trás. Internamente o país seguiu em convulsão e em 1966 grupos militares se enfrentam na disputa pelo poder. A etnia mais expressiva, a dos igbos, chegou a declarar independência em 1967, criando, a partir de uma sangrenta guerra civil, a República de Biafra. Mas, ao final foram derrotados. Desde aí o país vem passando por sucessivos golpes e alguns momentos de governo civil. Atualmente, o presidente é Goodluck Jonathan que, sendo vice, assumiu o cargo em função da morte de Umaru Yar´Adua, escolhido em eleições livres na chamada Quarta República iniciada em 1999, quando retomou-se democracia, o que no caso da Nigéria foi a retomada das eleições e o fim do segundo regime militar.
Nas análises recolhidas dos periódicos europeus – que dão maior cobertura à política dos países africanos – há uma generalizada crença de que o presidente Goodluck tem sido bastante fraco na ação contra o chamado “grupo radical”. E há que se levar em conta também a sistemática intervenção das potências ocidentais na região. Os britânicos seguem por lá. Os Estados Unidos tem uma base militar justamente na fronteira norte do país, a qual rastreia com seus drones. Há quem defenda que o Boko Haram tenha sido – tal qual o Al Kaeda – criado pela inteligência estadunidense para desestabilizar o país tornando-o alvo seguro para uma ocupação. Não nos esqueçamos que ali estão grandes reservas petrolíferas. Além disso, a Nigéria vem se destacando como uma grande potência regional. O seu PIB, em 2013, foi o maior do continente, 500 bilhões de dólares. O pequeno país é uma mina de ouro, enquanto a sua população vive entre a pobreza extrema e a ameaça de extermínio. O país tem os piores índices de qualidade de vida. Uma contradição só explicada pela voracidade da classe dirigente, sempre aliada aos interesses estrangeiros. Hoje, o rentismo petroleiro é prioritário. A economia tradicional, baseada no cultivo do cacau, café, banana e azeite de dendê está entregue às moscas e o país importa alimentos.
Recrudesce a ação do Boko Haram
Nas últimas semanas as ações do grupo islâmico fundamentalista voltaram a tomar conta das manchetes. Além de seguir com o rapto de crianças, o grupo as utiliza como bombas vivas nos ataques que realiza pelo norte e noroeste do país. Poucos jornais arriscam dizer o número seguro de vítimas provocadas pelo grupo, mas já passam de milhares. As técnicas são justamente o assassínio em massa, as ações suicidas, violações e o uso dos prisioneiros  - maioria meninas  - como escravos.
Os jornais europeus dão conta de que no último dia de 2014 mais 40 crianças foram raptadas no estado de Borno. E, na semana em que ocorria o atentado na França, o Boko Haram atacou a cidade de Baga, deixando mais de dois mil mortos. Conforme relato de testemunhas ouvidas pelo jornal português “O Público”, eles chegaram atirando a esmo, matando quem encontravam pela frente, e quem se escondeu dentro de casa foi queimado vivo. O Ministério da Defesa nigeriano nega que tenham sido duas mil pessoas mortas, diz que foram “apenas” 150. As Nações Unidas não confirmam o número de mortos, mas diz que existem mais de 150 mil pessoas desalojadas e em êxodo na região norte.
O fato é que os ataques do Boko Haram podem esconder interesses bem mais profanos do que a vontade de implantar o islã. Com o fim do bloco socialista e a impossibilidade de criar o inimigo “comunista”, agora as nações ricas já consolidaram um outro inimigo comum: o “terrorista”, que, inclusive, tem cara e nome árabe. É inegável que os grupos extremistas existem e atuam de maneira ultra violenta. Mas, também é preciso considerar que muitos deles são incentivados e financiados pelos países centrais para criar o caos. Isso já aconteceu no Afeganistão, no Iraque, na Síria. Depois, eles servem de argumento para missões de ocupação estrangeiras e toda a riqueza dos países invadidos escoa para fora.
A Nigéria está em processo eleitoral, o novo presidente será escolhido agora, em 14 de fevereiro. Assim, as ações, cada dia mais violentas, do Boko Haram estão mergulhadas nesse contexto. Na segunda-feira (12/01), o grupo atacou uma base militar no vizinho país, Camarões, o que o torna ainda mais perigoso. Segundo informações de jornais europeus, a batalha durou cinco horas e 150 pessoas morreram. Também se sabe que a França tem sido um país bastante atuante na Nigéria chegando inclusive a organizar uma conferência com os presidentes da Nigéria, Camarões e Benin para constituir um plano de defesa. Como convidados especiais da reunião compareceram também a Inglaterra e os Estados Unidos. Os argumentos para a presença dessas potências e o interesse da França são de que o Boko Haram teria ligações com a Al Kaeda e poderia ser um perigo para a Europa.

Então. Tudo está ligado. Há mais coisas aí do que pode sonhar nossa capacidade de conspiração. Enquanto isso, milhares de pessoas estão em fuga.


*Com informações dos jornais O Público, El País, Euronews
Fonte: http://www.brasildefato.com.br/node/30997

domingo, 11 de janeiro de 2015

Cresce o número de jovens que não estudam nem trabalham no Brasil

Cresce o número de jovens que não estudam nem trabalham no Brasil



A chamada geração nem-nem no país aumentou assim como a renda das famílias mais pobres. A desaceleração da economia deve mudar panorama, analisa especialista



Homem olha painel de oferta de empregos em São Bernardo (SP) / BOSCO MARTÍN

Há mais de um ano, Rogério de Lucena, de 21 anos, está sem trabalhar. O rapaz, que vive com a mãe e o irmão no Conjunto AE Carvalho, na Zona Leste de São Paulo, também parou de frequentar as salas de aula aos 18, quando só então completou a oitava série, e nunca mais voltou a estudar. "Se soubesse que ficaria tanto tempo parado, poderia ter voltado à escola, mas agora o meu foco é conseguir um emprego", lamenta. A última oferta que recebeu foi no início do ano passado na área de siderurgia, mas como o salário "não era muito tentador", preferiu recusar e continuar recebendo as parcelas do seguro-desemprego. Após meses esperando uma nova oportunidade, ele se diz desestimulado. "Nem entrego mais meu currículo nas empresas. Elas nunca chamam para entrevistas. Por enquanto, vou vivendo com a ajuda da minha mãe".
Num Brasil com baixas taxas de desemprego, histórias como a de Lucena são comuns entre pessoas de 15 a 29 anos. De acordo com o IBGE, em 2013, um a cada cinco jovens brasileiros (20,3%) não trabalhava nem estudava. O perfil do chamado "nem-nem" mostra que ele tem geralmente escolaridade menor em relação aos outros jovens e 44,8% deles vivem em famílias com renda de um quarto do salário mínimo por pessoa, na condição de filho. Quanto à localização, a maior parte dos representantes dessa "geração" está concentrada no Nordeste do País.
Apesar de uma parcela desse grupo não estar fora do mercado de trabalho por escolha própria, a maioria deles não procura emprego e agregam um "nem" a mais ao apelido pouco honroso. São os chamados "nem-nem-nem", que em números absolutos representam 7,334 milhões de jovens brasileiros que nem estudam, nem trabalham e nem procuram emprego.
"Nos últimos dez anos, o número de nem-nens que procuravam emprego diminuiu. Em 2004 eles totalizavam 32% e, em 2013, caiu para 26%", explica a pesquisadora do IBGE Cíntia Agostinho, uma das autoras do informe Síntese de Indicadores Sociais 2014. O estudo conseguiu traçar o perfil desse grupo de jovens, mas não analisou os motivos pelos quais essas pessoas desistem do mercado de trabalho.
Uma das razões para entender esse fenômeno pode ser atribuída ao aumento de renda das famílias chefiadas por trabalhadores menos qualificados. De acordo com o coordenador do Centro de Políticas Públicas do Insper, Naercio Menezes Filho, entre 2003 e 2013, o salário mensal desses trabalhadores aumentou 50% em termos reais, enquanto o dos profissionais com ensino superior subiu apenas 10%. "O jovem, filho de profissionais menos qualificados, que antes trabalhava ou procurava emprego por necessidade de complementar a renda da família, já não precisa mais fazê-lo agora que o pai ganha mais", afirma.
O especialista explica ainda que, "livres" da obrigação de ajudarem em casa, esses jovens deveriam estar estudando. "O problema é que eles não têm muito interesse de ir ao ensino médio. Acham que a escola é enfadonha e que não servirá para o mercado de trabalho, não encontram sentido. A base da maioria desses jovens é muito fraca, eles possuem muita dificuldade de concentração. Oferta de escolas públicas e cursos gratuitos no Pronatec não faltam, bastava querer ", afirma.
Marcelo Henrique dos Santos, de 18 anos, por exemplo, desistiu dos estudos há 3 anos, quando chegou ao ensino médio. Decidiu, segundo ele, começar a trabalhar, ao invés de apenas "fazer bagunça na sala de aula". A escola já não lhe despertava mais interesse. Passou por dois empregos informais e há 5 meses está desempregado. Santos vive com a mãe, que trabalha como empregada doméstica, e às vezes consegue alguns "bicos" consertando computadores. "Quero fazer um curso de manutenção de micro, mas antes preciso de um emprego, em qualquer setor mesmo, para poder pagar", explica.

Projeções

O grupo dos nem-nem-nens não faz parte da população economicamente ativa do País (PEA), mas é capaz de interferir nas taxas de desemprego. Se deixam de procurar trabalho, não pressionam a taxa de desemprego. Para Naercio, a desaceleração da economia pode reverter esse panorama.
De acordo com o especialista, nos últimos anos, o número absoluto de jovens caiu pela primeira vez na história - principalmente pela queda da fecundidade-, mas projeções do IBGE indicam que o número começará aumentar novamente a partir de 2015, criando um problema para uma economia de crescimento pífio.
"Se a geração de empregos estagnar, esse contingente de jovens que chegarem no mercado ficarão desempregados, o que causará pressões para redução dos salários. É um ciclo. Se esse processo atingir o salários e o emprego dos adultos menos qualificados, os filhos que hoje estão fora do mercado, terão que voltar a procurar trabalho, o que pode aumentar ainda mais a taxa de desemprego", explica. "Para que isso não ocorra, o país precisaria aumentar rapidamente a sua produtividade, mas não há muito indícios que isso aconteça no curto prazo", conclui.

Respiro e novos caminhos

Mateus Martins em viagem pela Tailândia. / ARQUIVO PESSOAL
Os quase 10 milhões de nem-nens no Brasil possuem diferentes perfis. Dentre eles, há quem tenha decidido parar os estudos e o trabalho, para dar um respiro, viver um período sabático e repensar a vida profissional.
O publicitário Mateus Martins, de 29 anos, resolveu parar tudo em novembro do ano passado, após 3 meses "de trabalho exaustivo" na campanha eleitoral de um dos candidatos ao Governo de Minas Gerais. "Pretendo voltar a trabalhar só em março. Já fiz uma viagem de 20 dias para o Sul do Brasil, estou agora 40 dias no Sudeste Asiático e, quando voltar, ainda quero mais duas semanas em Jericoacoara", conta o publicitário, que está financiando esse momento de descanso com algumas economias e o salário do último emprego.
Mais do que umas férias prolongadas, Martins quer aproveitar o período para repensar a carreira, adquirir "mais repertório" e tentar novos rumos em 2015. "Uma nova agência, uma nova cidade, outra função dentro do mercado de comunicação. Tudo isso junto ou nada disso. Ainda estou pensando", explica o publicitário que, enquanto se decide, resolveu deixar todos seus pertences na casa do pai.
Fonte: http://brasil.elpais.com/brasil/2015/01/08/politica/1420731746_849915.html

sábado, 10 de janeiro de 2015

A rota para uma mudança climática imprevisível

A rota para uma mudança climática imprevisível


No lugar das monoculturas industriais, precisamos de uma mudança para práticas agroecológicas que conservem a biodiversidade e garantam a biossegurança.


Vandana Shiva - Esquerda.net

Bioversity International/S. Landersz - Flickr

Os nossos atuais modos de produção e consumo, que começaram com a Revolução Industrial e se agravaram com o advento da agricultura industrial têm contribuído para ambas.
 
Se não forem tomadas medidas para reduzir as emissões de Gases de Efeito de Estufa (GEE), podemos experimentar um catastrófico aumento de 4°C na temperatura até ao final do século. Mas a mudança climática não causa apenas o aquecimento global. Ela está a intensificar as secas, inundações, ciclones e outros eventos climáticos extremos, como testemunhamos em diversas partes do mundo.
 
Nunca tínhamos ultrapassado as 280 ppm (partes por milhão) até à Revolução Industrial e os atuais níveis de CO2 (dióxido de carbono) ultrapassaram as 400 ppm. O óxido nitroso (N2O) e o metano são GEE, como o CO2, só que mais potentes. De acordo com o Relatório da Convenção sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC), o N2O tem cerca de 300 vezes mais potencial para causar o aquecimento global do que o CO2, enquanto que o metano é em torno de 20 vezes mais forte.
 
As emissões de óxido nitroso e de metano aumentaram dramaticamente devido à agricultura industrial. O óxido nitroso é emitido através do uso de fertilizantes nitrogenados sintéticos e o metano é emitido a partir das atividades pecuárias que produzem leite, carne e ovos.
 
A Conferência da Organização das Nações Unidas de Leipzig sobre os Recursos Fitogenéticos, em 1995, avaliou que 75 por cento da biodiversidade do mundo havia desaparecido na agricultura devido à chamada Revolução Verde (programa da Fundação Rockefeller liderado pelo agrónomo norte-americano Norman Ernest Borlaug) e ao advento da agricultura industrial. O desaparecimento de polinizadores e organismos benéficos ao solo é outra dimensão da erosão da biodiversidade devido à agricultura industrial.
 
Mudanças climáticas, agricultura e biodiversidade estão intimamente ligadas. O avanço das monoculturas e o aumento no uso de fertilizantes químicos, combinados com a destruição de habitats, têm contribuído para a perda da biodiversidade, que faria o sequestro de gases de Efeito de Estufa.
 
Monoculturas químicas, mais vulneráveis ao fracasso no contexto de um clima instável, não são sistemas nos quais podemos confiar para garantir alimentos em tempos de incerteza. O processo de adaptação às alterações climáticas imprevisíveis requer diversidade em todos os níveis e, sistemas biodiversos não são apenas mais resistentes às mudanças climáticas, como também mais produtivos em termos de nutrição por hectare.
 
A humanidade estava informada e não adotou medidas destinadas a evitar às crises do clima e da biodiversidade. Na RIO-92, a comunidade internacional assinou dois acordos juridicamente vinculativos: as Convenções sobre o Clima e Biodiversidade; ambas baseadas no conhecimento das ciências ambientais e nos crescentes movimentos ecológicos. Um deles foi a resposta científica ao impacto da poluição dos combustíveis fósseis, o outro foi a resposta científica à erosão da biodiversidade devido à propagação de monoculturas industriais e químicas, bem como à poluição genética causada por organismos geneticamente modificados (OGM).
 
O Artigo 19.3 da Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica prevê que as partes considerem a necessidade de um Protocolo que estabeleça procedimentos para a transferência, manipulação e uso de organismos vivos modificados (OVMs) resultantes da biotecnologia que possam ter um efeito adverso sobre a biodiversidade e seus componentes. Isto levou à implementação do Protocolo de Biossegurança.
 
A biossegurança cientificamente avalia o impacto dos organismos geneticamente modificados sobre o ambiente, a saúde pública e as condições socioeconómicas, garantindo a sustentabilidade social e ecológica de sistemas agrícolas e alimentares. Os sistemas baseados na agroecologia conservam a biodiversidade, aumentam a saúde e a nutrição por área de cultivo, garantem a segurança alimentar e aumentam a resiliência ao clima.
 
Mas, desde 1992, os grandes poluidores – a indústria de combustíveis fósseis e a indústria agroquímica (que é agora também a indústria da biotecnologia) – fizeram todo o possível para subverter os tratados ambientais internacionais sobre mudanças climáticas e biodiversidade, que são obrigatórios e baseados cientificamente. Porém, os seus ataques às ciências ambientais mantêm-se sem a necessária base científica e são absolutamente irresponsáveis, porque eles lançam-nos diretamente nos desastres e catástrofes climáticas enquanto impedem a realização de uma mudança, apesar de evidências científicas mostrarem que temos alternativas melhores e que funcionam.
 
Temos que nos afastar de uma agricultura industrial quimicamente-intensiva e do sistema alimentar global centralizado, baseado na produção de commodities, que contribui para as emissões. No lugar de uma biodiversidade destruída pelas monoculturas industriais, incluindo aquelas baseadas em sementes transgénicas, precisamos de uma mudança para práticas agroecológicas que conservem a biodiversidade e garantam a biossegurança. A transição para uma agricultura biodiversamente-intensiva e ecologicamente-intensiva aborda simultaneamente tanto a crise climática quanto a da biodiversidade, e, ao mesmo tempo, enfrenta a crise alimentar.
 
Embora a agricultura industrial seja um dos principais contribuidores para as mudanças climáticas e mais vulnerável a elas, há uma tentativa por parte da indústria da biotecnologia de usar a crise climática como uma oportunidade para expandir ainda mais o uso de OGMs e aprofundar o seu monopólio das sementes baseadas na biopirataria através de patentes, em detrimento das sementes resilientes ao clima que foram aprimoradas pelos agricultores ao longo de gerações.
 
Mas, como disse Einstein: “Nós não podemos resolver um problema com a mesma mentalidade que o criou”. Sistemas intensivos, centralizados, baseados na monocultura e em combustíveis fósseis, incluindo agricultura OGM, não são flexíveis. Eles não conseguem adaptar-se e evoluir. Precisamos de flexibilidade, resiliência e adaptação a uma nova realidade. Esta resiliência vem da diversidade. Esta diversidade de conhecimento, economia e política é o que eu chamo de Democracia da Terra.
 
A nossa vizinha, Caxemira, enfrentou uma tragédia este ano, assim como Uttarakhand, na Índia, viveu no ano passado. Quando a chuva de um dia possui cinco a seis vezes mais volume do que o normal, é um evento extremo. Isto é o que significa a mudança climática. Ela custou vidas, dizimou vilas, fazendas, estradas, pontes. As atividades humanas criaram desastres como o dilúvio na Caxemira. A ação humana é necessária para prevenir essas catástrofes climáticas. Não podemos ficar como espectadores mudos enquanto o paraíso da Índia na terra torna-se o “Paraíso Perdido”.
 
Artigo de Vandana Shiva* publicado em envolverde.com.br e originalmente na edição 217 da Eco21.
 
* Vandana Shiva é diretora executiva do Fundo Navdanya, física, ecofeminista e ativista ambiental.

Fonte: http://cartamaior.com.br/?%2FEditoria%2FMeio-Ambiente%2FA-rota-para-uma-mudanca-climatica-imprevisivel%2F3%2F32588

sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

Dança da chuva

Dança da chuva



A escassez de água que alarma o país tem relação íntima com as florestas
MARIA GUIMARÃES | Edição 226 - Dezembro de 2014

A Amazônia não é apenas a maior floresta tropical que restou no mundo. Esse sem-fim de verde entrecortado por rios serpenteantes de tamanhos e cores variados também não se limita a ser a morada de uma incrível diversidade de animais e plantas. A floresta amazônica é também um motor capaz de alterar o sentido dos ventos e uma bomba que suga água do ar sobre o oceano Atlântico e do solo e a faz circular pela América do Sul, causando em regiões distantes as chuvas pelas quais os paulistas hoje anseiam. Mas o funcionamento dessa bomba depende da manutenção da floresta, cuja porção brasileira, até 2013, perdeu 763 mil quilômetros quadrados (km2) de sua área original, o equivalente a três estados de São Paulo. Antonio Donato Nobre, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), não aponta o dedo para culpados. O que importa para ele é reverter esse processo e não apenas zerar o desmatamento, mas recuperar a floresta. No relatório O futuro climático da Amazônia, divulgado no fim de outubro, ele deixa claro que o único motivo para não se tomarem providências imediatas para reduzir o desmatamento é desconhecer o que a ciência sabe. Para ele, o caminho é conscientizar a população. “Agora é um bom momento porque as torneiras estão secando”, afirma.
No relatório, elaborado a partir da análise de cerca de 200 trabalhos científicos, ele mostra que a cada dia a floresta da bacia amazônica transpira 20 bilhões de toneladas de água (20 trilhões de litros). É mais do que os 17 bilhões de toneladas que o rio Amazonas despeja no Atlântico por dia. Esse rio vertical é que alimenta as nuvens e ajuda a alterar a rota dos ventos. Nobre explica que os mapas de ventos sobre o Atlântico mostram que, no hemisfério Sul e a baixas altitudes, o ar se move para noroeste na direção do equador. “Na Amazônia a floresta desvia essa ordem”, diz. “Em parte do ano, os ventos alísios carregados de umidade vêm do hemisfério Norte e convergem para oeste/sudoeste, adentrando a América do Sul.”
Essa circulação viola um paradigma meteorológico que diz que os ventos deveriam soprar das regiões com superfícies mais frias para aquelas com superfícies mais quentes. “Na Amazônia, o ano todo eles vão do quente, o Atlântico equatorial, para o frio, a floresta”, explica. Uma parceria com os russos Anastasia Makarieva e Victor Gorshkov, do Instituto de Física Nuclear de Petersburgo, tem ajudado a explicar do ponto de vista físico os fenômenos meteorológicos da Amazônia. Em artigo publicado em fevereiro de 2014 no Journal of Hydrometeorology, eles afirmam, com base em análises teóricas confirmadas por observações empíricas, que o desmatamento altera os padrões de pressão e pode causar o declínio dos ventos carregados de umidade que vêm do oceano para o continente. O grupo analisou os dados de 28 estações meteorológicas em duas áreas do Brasil e viu que os ventos que vêm da floresta amazônica carregam mais água e estão associados a maiores índices de chuvas do que ventos que partem de áreas sem floresta e chegam à mesma estação.
Isso acontece, segundo os pesquisadores, por causa da bomba biótica de umidade, uma teoria proposta pela dupla russa em 2007 para explicar a dinâmica de ventos impulsionada por florestas. Essa ideia completa a descrição feita pelo  climatologista José Antonio Marengo, à época pesquisador do Inpe, de como a Amazônia exporta chuvas para regiões mais meridionais da América do Sul. A teoria da bomba biótica aplica uma física não usual à meteorologia e postula que a condensação da água, favorecida pela transpiração da floresta, reduz a pressão atmosférica que suga do mar para a terra as correntes de ar carregadas de água.
018-025_CAPA-Aguas_226
Os fundamentos da influência da condensação sobre os ventos foram apresentados em artigo publicado em 2013 por Anastasia e Gorshkov, em parceria com Nobre e outros colaboradores, na Atmospheric Chemistry and Physics, uma das revistas mais importantes da área. Por meio de uma série de equações, eles mostram que o vapor de água lançado à atmosfera pela transpiração da floresta gera, ao condensar, um fluxo capaz de propelir os ventos a grandes distâncias. De acordo com Nobre, a nova física da condensação proposta por eles gerou, ainda durante a revisão do artigo, uma controvérsia com meteorologistas, que debateram o assunto furiosamente em blogs científicos com a intenção de derrubar a principal equação do trabalho. Não conseguiram e o trabalho foi publicado. O pesquisador do Inpe explica a polêmica. “É uma física que atribui à condensação, um fenômeno básico e central do funcionamento atmosférico, um efeito oposto ao que se acreditava”, diz. “Será necessário reescrever os livros didáticos da área.”

Para dar a dimensão da dificuldade de diálogo entre físicos teóricos e meteorologistas, Nobre lembra que a física desenvolve um entendimento dos fenômenos atmosféricos a partir de leis fundamentais da natureza, enquanto a meteorologia o faz, em grande parte, com base na observação de padrões do clima do passado, cuja estatística é absorvida em modelos matemáticos. Tais modelos representam bem as flutuações climáticas observadas, mas apresentam falhas quando há alterações significativas no padrão.
É o caso agora, quando um novo contexto – ocasionado por desmatamento, mudanças globais no clima ou outros fatores – gera fenômenos climáticos inesperados para certas regiões, como chuvas mais torrenciais e secas mais extensas. A teoria física acerta onde extrapolações do passado erram, por isso é preciso, segundo ele, construir novos modelos climatológicos que recoloquem a física no centro dos esforços da meteorologia.
O momento agora é crucial porque o clima amazônico vem mudando. Secas importantes nessa região marcaram os anos de 2005 e 2010. “Antes a Amazônia tinha a estação úmida e a mais úmida, agora há uma estação seca”, diz Nobre. Os danos dessas secas na floresta não foram aniquiladores porque ela consegue se regenerar, mas o acúmulo dos danos aos poucos erode essa capacidade. Um efeito importante que já se observa, previsto há 20 anos por modelos climáticos, é um prolongamento da estação seca, que tem prejudicado a produção agrícola em porções do estado do Mato Grosso. A grande preocupação é que se chegue a um ponto de não retorno, em que a floresta já não consiga produzir chuva suficiente para suprir nem a si própria. Trabalhos de modelagem que levam em conta clima e vegetação indicam que esse ponto será atingido quando 40% da área original de floresta for perdida, um número que não é unânime. Segundo o relatório de Nobre, 20% da floresta já foi cortada e outros 20%, alterados a ponto de terem perdido parte de suas propriedades.
© GERARD MOSS / PROJETO RIOS VOADORES
Rios voadores: correntes de vapor-d’água que se formam sobre a floresta amazônica exportam chuvas para a região Sul do Brasil
Rios voadores: correntes de vapor-d’água que se formam sobre a floresta amazônica exportam chuvas para a região Sul do Brasil
Se a teoria da bomba biótica estiver correta, os efeitos desse ponto de não retorno devem ser mais graves do que a savanização proposta pelo climatologista Carlos Nobre, irmão mais velho de Antonio (ver Pesquisa FAPESPnº 167). “Se a floresta perder a capacidade de trazer a umidade do oceano, a chuva na região pode cessar por completo”, diz o Nobre caçula. Sem água para sustentar uma savana, o resultado poderia ser uma desertificação na Amazônia. Se isso ocorrer, o cenário que ele infere para o Sul e o Sudeste do país poderia ser semelhante ao de outras regiões na mesma latitude: tornar-se um deserto.
Antonio Nobre não se arrisca a falar muito sobre São Paulo. “Meu relatório é sobre a Amazônia.” Mas ele acredita que a seca por aqui não independe do que acontece no Norte. Em sua opinião, foi possível devastar boa parte da mata atlântica sem sentir uma redução nas chuvas porque a Amazônia era capaz de suprir a falta de água na atmosfera local. Mas isso já não parece acontecer mais. Ele aproveita o ensejo para sugerir que não apenas a floresta amazônica, mas também a que acompanhava a costa de quase todo o Brasil precisa ser recuperada imediatamente. Se não for por outro motivo, o esgotamento a que chegaram as represas que alimentam boa parte da população paulista deveria bastar como argumento.
A exportação de água desde a Amazônia para outras regiões do Brasil, sobretudo o Sudeste e o Sul, é uma realidade, por meio do fenômeno conhecido como rios voadores (ver Pesquisa FAPESP nº 158). Um indício dessa linha direta foram as intensas chuvas no sudoeste da Amazônia no início de 2014, praticamente o dobro do volume habitual, ao mesmo tempo que São Paulo passava pelo pior momento de uma seca histórica. “A chuva ficou presa em Rondônia, no Acre e na Bolívia por causa de um bloqueio atmosférico, algo como uma bolha de ar que impedia a passagem da umidade. Isso criou uma estabilidade atmosférica, inibiu a formação de chuvas e elevou as temperaturas”, conta Marengo, agora pesquisador do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden). Ele é coautor de um artigo liderado por Jhan Carlo Espinoza, do Instituto Geofísico do Peru, que está em processo de publicação pela Environmental Research Letters e é parte dos resultados do programa Green Ocean (GO) Amazon, que tem apoio da FAPESP.
Não é possível, porém, afirmar o quanto essa relação determina a estiagem paulista. “Ainda não se sabe calcular quanto das chuvas do Sudeste vem da Amazônia nem quanto chega aqui trazido por frentes frias vindas do Sul, pela umidade carregada por brisas marinhas ou pela evaporação local”, diz. Para ele, o desmatamento pode ter um impacto no longo prazo, mas ainda é impossível dizer se ele está relacionado com a seca atual. “O Sudeste pode não virar um deserto”, pondera, “mas os extremos climáticos podem se tornar mais intensos”. Estudos usando modelos climáticos criados pelo grupo de Marengo já previam uma redistribuição do total das chuvas, com um volume muito grande em poucos dias e estiagens mais prolongadas, algo que já tem sido observado no Sudeste e no Sul do país nos últimos 50 anos.
Além desse efeito a distância, em escala nacional, a relação entre vegetação e recursos hídricos também se dá numa escala mais local, de acordo com o engenheiro agrônomo Walter de Paula Lima, professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador científico do Programa Cooperativo de Monitoramento Ambiental em Microbacias (Promab) do Instituto de Pesquisas e Estudos Florestais. Em seus estudos sobre o efeito das florestas (ou sua remoção) em microbacias hidrográficas, ele mostrou que a mata ciliar, que acompanha os cursos de água, ajuda a manter a boa saúde de pequenos rios. “O sistema Cantareira, que abastece São Paulo, é formado por milhares de microbacias”, conta. “As que estão mais degradadas não contribuem para o manancial.” Essa avaliação, porém, carece de dados experimentais concretos. Segundo Lima, para se saber exatamente o efeito das matas ciliares nos mananciais seria necessário estudar uma microbacia experimental em que se possa medir propriedades dos cursos d’água com e sem a proteção de floresta, sem que haja outros fatores envolvidos. Um quadro praticamente inatingível.
Uma experiência prática que reforça a importância de se preservar as matas ciliares para a manutenção dos recursos hídricos é relatada pelo biólogo Ricardo Ribeiro Rodrigues, da Esalq, especialista em recuperação de florestas nativas. Ele conta que há 24 anos a água desapareceu da microbacia de Iracemápolis, município no interior paulista. A prefeitura buscou ajuda na Esalq, e o grupo de Rodrigues implementou um projeto de conservação de solo da microbacia e de recuperação da mata ciliar que deveria estar ali. “Fui lá recentemente e levei um susto”, conta o pesquisador. O nível da represa está um pouco mais baixo, mas tem água suficiente para continuar abastecendo Iracemápolis, que teve sua população triplicada nesse período. “Toda a região está com problemas de falta de água, mas Iracemápolis não.”
As florestas afetam a saúde dos recursos hídricos por meio de sua influência nas chuvas, mas também tem importância a sua relação com as águas subterrâneas. O engenheiro Edson Wendland, professor no Departamento de Hidráulica e Saneamento da USP de São Carlos, estuda justamente o que acontece com a recarga do aquífero Guarani quando o cerrado é substituído por culturas como pastagem, cana-de-açúcar, cítricos ou eucalipto. O trabalho tem sido feito na bacia do Ribeirão da Onça, no município de Brotas, interior paulista, estudada desde os anos 1980.
© LÉO RAMOS
No fim de novembro o sistema Cantareira tinha água no reservatório Paiva Castro...
No fim de novembro o sistema Cantareira tinha água no reservatório Paiva Castro…
Por meio de poços de monitoramento e estações climatológicas, a ideia é detalhar, antes que não sobre mais vegetação original de cerrado por ali, como se dá a recarga do aquífero Guarani sob diferentes regimes de uso do solo. “Não é possível gerenciar o que não se conhece”, diz Wendland sobre uma das fontes de água subterrânea mais importantes do Brasil. O aquífero é uma camada porosa de rochas na qual se infiltra a água das chuvas, depois liberada lentamente para os rios. Essa diferença de tempo entre o abastecimento e a descarga, consequência do trajeto lento da água pelo meio subterrâneo, é o que garante perenidade aos rios, que dependem dessa poupança hídrica.
O grupo de Wendland tem mostrado, por exemplo, que a disponibilidade de água diminui quando se substituem as pequenas árvores retorcidas do cerrado, adaptadas a viver sob estresse hídrico, por eucaliptos, que consomem bastante água e em poucos anos atingem o tamanho de corte. Medições feitas entre 2004 e 2007 mostram que as taxas de recarga têm relação íntima com a intensidade da precipitação e o porte das culturas agrícolas nessa região onde o cerrado está praticamente extinto, de acordo com artigo aceito para publicação nos Anais da Academia Brasileira de Ciências.
Isso não significa, porém, que os eucaliptos sejam vilões incondicionais. O impacto de árvores de grande porte depende, em parte, da profundidade do aquífero no ponto em que estão plantadas. Segundo Lima, os mais de 20 anos de monitoramento contínuo feito pelo Promab mostraram que a relação entre espécies florestais e água não é constante. “Onde a disponibilidade é crítica, um elemento novo pode secar as microbacias”, explica. “Mas onde o balanço hídrico e climático é bom, a diminuição de água nem é sentida.” Essas conclusões deixam claro que é necessário fazer um zoneamento de onde se pode plantar e onde a prática seria nociva, um planejamento que não existe no Brasil.
Para Wendland, a importância de entender a relação entre o cerrado e os aquíferos é crucial porque as nascentes da maioria das grandes bacias hidrográficas do país estão no domínio desse bioma. Além da importância como recurso hídrico, algumas dessas bacias – do Paraná, do Tocantins, do Parnaíba e do São Francisco – são as principais fornecedoras de água para geração de energia elétrica no Brasil.
Em pouco mais de meio século, metade da área do cerrado foi desmatada e deu lugar a atividades agrícolas. Para avaliar o efeito dessa alteração no uso do solo sobre a disponibilidade hídrica, o doutorando Paulo Tarso de Oliveira, do grupo de São Carlos, fez um estudo usando dados de sensoriamento remoto em toda a área desse bioma. Com os sensores, é possível avaliar não só a alteração da vegetação, mas também quantificar as precipitações, os índices de evapotranspiração pelas plantas e estimar a variação de armazenamento de água. Segundo artigo publicado em setembro de 2014 na Water Resources Research, os dados indicam uma redução do escoamento por causa de atividades agrícolas mais intensas.

O desmatamento e o uso agrícola do solo têm importância, mas Wendland afirma que o maior problema para a recarga do aquífero hoje é a redução nas chuvas. “O aquífero supre a falta de precipitação por dois ou três anos, depois já não consegue manter o escoamento de base nos rios”, diz. Nos últimos anos as precipitações da estação chuvosa foram abaixo da média, o que diz os resultados observados. Explica também, segundo ele, fenômenos alarmantes como o esgotamento da principal nascente do rio São Francisco, que permaneceu seca por cerca de três meses e só voltou a jorrar água no final de novembro.
O desafio do gerenciamento das águas subterrâneas, que representam 98% da água doce do planeta, tem outras particularidades em zonas urbanas, onde pode ser um recurso crucial. Segundo o geólogo Ricardo Hirata, do Instituto de Geociências (IGc) da USP, 75% dos municípios paulistas são abastecidos, em parte ou completamente, por essas águas. Isso inclui cidades importantes do estado, com destaque para Ribeirão Preto, onde elas servem a 100% dos mais de 600 mil habitantes. Na escala nacional, outras cidades completamente abastecidas por águas subterrâneas são Juazeiro do Norte, no Ceará, Santarém, no Pará, e Uberaba, em Minas Gerais, de acordo com o livro Águas subterrâneas urbanas no Brasil, em processo de publicação pelo IGc e pelo Centro de Pesquisa em Águas Subterrâneas (Cepas).
Surpreendente nas cidades é que a água perdida pelo abastecimento público vai parar no aquífero. “A impermeabilização do solo diminui a penetração da água da chuva, mas as perdas compensam e superam essa redução e o saldo é uma recarga maior onde há cidades, em comparação com outras áreas”, explica Hirata. “Se analisarmos a água de um poço qualquer em São Paulo, metade será do aquífero e metade da Sabesp.” Ele estima que a capital paulista tenha quase 13 mil poços, todos particulares, muitos ilegais. “Existe uma legislação para gerenciamento desse recurso, mas ela não é seguida”, conta.
© LÉO RAMOS
... enquanto a seca  era evidente no Jacareí/Jaguari
… enquanto a seca
era evidente no Jacareí/Jaguari
Um problema causado pelas cidades é a contaminação dos aquíferos por nitrato, devido a vazamentos no sistema de esgotos. Como a descontaminação é cara, os poços afetados acabam abandonados. Nas cidades em que são usados para abastecimento público, a solução é misturar água poluída à de poços limpos para que a qualidade total seja aceitável. “Em Natal não há mais água suficiente para mesclar”, alerta Hirata. O subterrâneo é fonte de 70% da água na capital potiguar.
Outro tipo de poluição importante vem da indústria, como a causada pelos solventes organoclorados. O geólogo Reginaldo Bertolo, também do IGc e diretor do Cepas, estuda como esse poluente se comporta no aquífero abaixo de Jurubatuba, na zona Sul paulistana, uma região industrial desde os anos 1950. “É um contaminante de difícil comportamento no aquífero”, conta. Nessa rocha dura, onde a água corre em fraturas, o composto mais denso do que a água se aprofunda e só para quando chega a um estrato impermeável. “São produtos tóxicos e carcinogênicos.” A poluição impede o uso da água subterrânea numa região onde a demanda é forte.
Em colaboração com pesquisadores da Universidade de Guelph, no Canadá, o grupo de Bertolo está mapeando esses poluentes para entender como ele se comporta e propor estratégias para eliminá-lo do aquífero. Para isso, o próximo passo é usar um sistema desenvolvido pelos canadenses para retirar amostras da rocha e instalar poços de monitoramento especiais. “O equipamento permite coletar água de mais de 20 fraturas diferentes numa mesma perfuração”, afirma. “Vamos fazer um modelo matemático para reproduzir o que acontece e fazer prognósticos.”
Bertolo alerta que é importante mapear melhor as águas subterrâneas e analisar sua qualidade, porque é um recurso que pode ser complementar nas cidades. “A água subterrânea é um recurso pouco conhecido.” A engenheira Monica Porto, da Escola Politécnica da USP, não acredita que seja possível expandir muito o uso dessas águas na Região Metropolitana de São Paulo. Em sua opinião, para ir além dos cerca de 10 metros cúbicos por segundo (m3/s) extraídos dos milhares de poços existentes, seriam necessários milhares de novas perfurações. “Mas esses 10 m3/s não podem faltar, precisamos cuidar deles.”
Monica, que já foi presidente e ainda integra o conselho consultivo da Associação Brasileira de Recursos Hídricos, pensa em maneiras de assegurar a segurança hídrica para a população. Faltar água está, de fato, entre as coisas mais graves que podem acontecer numa cidade. “Somos obrigados a trabalhar com uma probabilidade de falha muito baixa.” Segundo ela, em 2009 o governo paulista encomendou a uma empresa de consultoria um estudo sobre o que precisaria ser feito para garantir o suprimento de água. O estudo ficou pronto em outubro de 2013, já em meio à mais importante crise hídrica da história do estado. Monica explica que é impossível considerar a Grande São Paulo de forma isolada, porque não há mais de onde tirar água sem disputar com vizinhos. Por isso, o estudo abrange a megametrópole, que engloba mais de 130 municípios e uma população de 30 milhões de pessoas.
As obras necessárias à melhoria da segurança hídrica já começaram, com um sistema para recolher água do rio Juquiá, no Vale do Ribeira, que deve ficar pronto em 2018. Está em fase de licenciamento ambiental a construção das barragens de Pedreira e Duas Pontes, que devem abastecer a região de Campinas. “Manaus e Campinas são as únicas cidades do Brasil com mais de um milhão de pessoas que não têm reservatório de água”, conta Monica. Não faz falta a Manaus, às margens do rio Amazonas, mas faz a Campinas, que depende do sistema Cantareira. Ela, que em casa “faz das tripas coração” para economizar água, afirma que a crise atual é importante para conscientizar a população sobre a necessidade de se reduzir o consumo. Também ressalta a importância do conjunto de medidas que precisará ser revisto em caráter emergencial. “Temos que aprender pela dor”, diz Monica, que costuma brincar que é melhor que não chova muito para não afastar a instrutiva crise. “Mas, se não chover muito em breve, vou parar de brincar: precisa chover.”
Projetos1. Entendimento das causas dos vieses que determinam o início da estação chuvosa na Amazônia nos modelos climáticos usando observações do GoAmazon e chuva (13/50538-7); Pesquisador responsável José Antonio Marengo Orsini (Cemaden);Modalidade Auxílio Regular a Projeto de Pesquisa – GoAmazon; Investimento R$ 57.960,00 (FAPESP).
2. Estabelecimento do modelo conceitual hidrogeológico e de transporte e destino de compostos organoclorados no aquífero fraturado da região de Jurubatuba, São Paulo (13/10311-3); Pesquisador responsável Reginaldo Antonio Bertolo (IGc-USP);Modalidade Auxílio Regular a Projeto de Pesquisa; Investimento R$ 502.715,27 (FAPESP).
Artigos científicosMAKARIEVA, A. M. et alWhy does air passage over forest yield more rain? Examining the coupling between rainfall, pressure and atmospheric moisture contentJournal of Hydrometeorology. v. 15, n. 1, p. 411-26. fev. 2014.
MAKARIEVA, A. M. et alWhere do winds come from? A new theory on how water vapor condensation influences atmospheric pressure and dynamicsAtmospheric Chemistry and Physics. v. 13, p. 1039-56. 25 jan. 2013.
ESPINOZA, J. et alThe extreme 2014 flood in South-western Amazon basin: The role of tropical-subtropical South Atlantic SST gradientEnvironmental Research Letters. v. 9, n. 12. 8 dez. 2014.
WENDLAND, E. et alRecharge contribution to the Guarani Aquifer System estimated from the water balance method in a representative watershedAnais da Academia Brasileira de Ciências. no prelo.
OLIVEIRA, P. T. S. et alTrends in water balance components across the Brazilian CerradoWater Resources Research. v. 50, n. 9, p. 7100-14. set. 2014.
Fonte: http://revistapesquisa.fapesp.br/2014/12/29/danca-da-chuva/