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quinta-feira, 30 de maio de 2013

As fronteiras da política de imigração

30 maio 2013
DIE ZEIT HAMBURGO



"Refugiados, bem-vindos à UE".
"Refugiados, bem-vindos à UE".
Rainer Hachfeld
A Itália é acusada de ter dado dinheiro a migrantes africanos para estes partirem para a Alemanha. Um escândalo? Não, considera o jornal “Die Zeit”: é a consequência de uma política que consiste em fechar os olhos ao drama dos refugiados e em transferir a responsabilidade para outros países.
Portanto, hoje, os maus da fita são os italianos. Contudo, estes limitaram-se a meter €500 na mão de alguns refugiados líbios, antes de os mandarem para a Alemanha. Agora, há um bando de sem abrigo que vivem espalhados pelas ruas de Hamburgo, incomodando seriamente as autoridades municipais. Mas onde deveriam eles viver? Em tendas? Em abrigos? Quem vai pagar a conta? E, acima de tudo: como vamos livrar-nos deles, o mais rapidamente possível? Porque, claro, “o regresso ao país é a única opção”, como se apressou a declarar o responsável pelos assuntos sociais [do município de Hamburgo], Detlef Scheele.
Deveríamos estar gratos aos mauzões dos italianos por terem despachado estes pobres líbios para Hamburgo. Obrigaram-nos a encarar a realidade de frente e nós merecemos que assim fosse. Porque a política de asilo alemã, ou, mais precisamente, a ausência quase total de uma política de asilo digna desse nome na Alemanha, é uma vergonha.
Porque Hamburgo, como toda a Alemanha, tem tido a vida muito facilitada. É tão confortável estar longe das tragédias humanitárias deste mundo, tão tranquilizador saber que há tantas fronteiras a separar-nos delas, que as contemplamos de longe, a tremer, quando não as ignoramos por completo. Tristes destinos os dos norte-africanos que desembarcam nas praias italianas, quase afogados, dos afegãos esfomeados que se apinham na fronteira entre a Grécia e a Turquia, das centenas de milhares, ou talvez milhões, de sírios que fogem para a Turquia, para o Líbano ou para a Jordânia, para escapar à guerra civil! Mas o essencial é que não cheguem até nós.

Azar dos países que dão para o mar

Há anos que a Alemanha e os países do centro geográfico da Europa se entrincheiram por trás do regulamento dito “dos países terceiros”: um texto inatacável do ponto de vista jurídico, mas pérfido e moralmente condenável. Qualquer pessoa que chegue, com o estatuto de refugiado, a um desses países terceiros – ou seja, todos os Estados-membros da UE e muitos dos países vizinhos – fica proibida de ir mais longe. A Alemanha tem a obrigação de não aceitar nenhum pedido de asilo apresentado por esses indivíduos, visto que estes já estão em segurança. Resultado: os países que têm a infelicidade de se situarem nas proximidades de regiões em crise ou à beira de um mar que, levados pelo desespero, os refugiados tentam atravessar, têm de resolver o problema sozinhos.
Acontece que os líbios e outros não vão parar a Itália por se sentirem especialmente bem ali. Vão lá parar simplesmente porque a Itália é o país da Europa de acesso mais fácil. O objetivo destes indivíduos é a Europa. E é por isso que toda a Europa se deve preocupar, coletivamente, com a sua sorte.
A finalidade é alcançar uma justa repartição de encargos, – pode ler-se nos documentos da UE. Na realidade, a maior parte dos países preferiria livrar-se de encargos. A política europeia de asilo trai os ideais da UE. Nem vestígios de responsabilidade comum ou de um projeto humanista nesta matéria. As autoridades de Bruxelas, e muito especialmente a agência de proteção das fronteiras, Frontex, esforçam-se sobretudo por repelir para mais longe os refugiados e por fazer recuar cada vez mais as fronteiras da fortaleza Europa. Essas autoridades financiam barreiras de segurança e centros de detenção na Turquia, para o problema ser resolvido longe, sem sequer atingir os Estados-membros.

Triagem de refugiados nos campos

E o que faz a Europa, o que faz a Alemanha, perante a situação catastrófica dos refugiados da Síria? Nada, pouco ou menos que pouco. Durante um ano e meio, o ministro do Interior [alemão], Hans-Peter Friedrich, recusou-se mesmo a acolher sírios em território nacional. Foram precisos os protestos incansáveis do representante dos direitos humanos junto do Governo federal para, na primavera, convencer Hans-Peter Friedrich a deixar entrar cinco mil refugiados em território alemão – mas não antes do mês de junho e apenas órfãos ou pessoas que tivessem família na Alemanha, e cristãos de preferência. Os felizes eleitos estão a ser sujeitos a triagem nos campos de refugiados sírios. Centenas de milhares continuarão nesses campos.

Um erro funesto e vergonhoso

Evidentemente que mandar vir todos os refugiados do mundo para Hamburgo, de um dia para o outro, não é solução. Mas há um meio-termo entre o acolhimento sem discernimento e o barramento atual.
Diga-se de passagem que o regulamento “dos países terceiros” se inspira no compromisso alemão sobre o direito de asilo, que data de 1992 e que ainda hoje é denunciado pelos defensores dos direitos humanos. Durante as negociações, alguns centros de acolhimento de requerentes de asilo foram incendiados, na Alemanha. Foram mortos estrangeiros, vítimas da xenofobia alemã, enquanto a política protegia o país dos refugiados: é, ainda hoje, um erro funesto e vergonhoso. Chegou a hora de o corrigir.

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