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segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Contas abertas - O 50º aniversário do golpe de 64 pode ser divisor de águas na apuração dos crimes

Contas abertas


O 50º aniversário do golpe de 64 pode ser divisor de águas na apuração dos crimes



29 de dezembro de 2013 - Kenneth Serbin* - O Estado de S.Paulo


Enquanto em 2012 teve início no Brasil uma campanha de escrachos - denúncias populares contra ex-agentes da ditadura visando a pressionar a presidente Dilma Rousseff a instalar a Comissão Nacional da Verdade (CNV) -, em 2013 o País finalmente intensificou os esforços para uma prestação de contas mais completa do aparato repressivo, autor dos abusos contra os direitos humanos no período 1964-1985.
A implantação oficial da CNV, em maio de 2012, ocorreu 28 longos anos após a volta do governo civil. A demora do Brasil contrasta significativamente com a rapidez com a qual a Argentina não só se livrou dos líderes militares como os processou ao vivo na TV e mandou os principais para a cadeia. O líder do golpe argentino de 1976, general Jorge Videla, foi condenado à prisão perpétua. Morreu na cadeia em maio, com 87 anos.
Outros países latino-americanos que viveram sob governos ditatoriais ou experimentaram devastadoras guerras civis trataram rapidamente de estabelecer comissões da verdade e da reconciliação. O Chile teve duas comissões da verdade e também condenou à prisão diversos perpetradores de abusos, como Manuel Contreras, ex-chefe da polícia secreta do ditador Augusto Pinochet. O próprio Pinochet foi acusado por um juiz espanhol de crimes contra a humanidade e passou 16 meses detido na Inglaterra.
O governo brasileiro e vários governos estaduais indenizaram numerosas vítimas da ditadura e suas famílias. O exemplo mais famoso é o do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Também é importante lembrar que ativistas dos direitos humanos, e particularmente as famílias dos militantes mortos ou desaparecidos, nunca pararam de exercer pressões para que fosse criada uma comissão da verdade e os perpetradores fossem levados aos tribunais.
Como o predecessor e companheiro na oposição ao regime, Fernando Henrique Cardoso, Lula deixou passar a chance de estabelecer uma comissão, embora seu ministro da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, tivesse divulgado o primeiro relatório federal oficial sobre mortes e desaparecimentos da era militar.
Entretanto, o sentimento de injustiça continua forte no Brasil. Em 2013, a CNV e dezenas de outras comissões da verdade criadas no âmbito estadual e em instituições como a Universidade de São Paulo procuraram estabelecer a justiça, ainda que incompleta e tardia.
Enquanto milhões de brasileiros protestavam este ano contra os líderes políticos, exigindo melhorias no atendimento de necessidades humanas mais imediatas, como transportes públicos e saúde, as comissões da verdade - e outras instituições governamentais e grupos populares empenhados na própria busca de justiça - procuravam esclarecer a sociedade a respeito do que houve durante a ditadura.
Numerosos casos ocorridos durante o período foram trazidos à tona para serem revistos. Dois deles envolveram ex-presidentes. Os restos de João Goulart, cuja morte em 1976 há muito é considerada suspeita, foram exumados e levados a Brasília para realização de exames. A morte de Juscelino Kubitschek, também em 1976, num acidente de carro considerado igualmente suspeito por muitos, voltou a ser investigada. Além disso, em 2013, foram focalizados grupos sociais não revolucionários, como indígenas assassinados na era militar.
Desse impulso por justiça que caracterizou este ano poderão resultar duas transformações importantes de cunho jurídico.
Primeiro, corre um processo criminal federal contra Carlos Alberto Brilhante Ustra, chefe do DOI-Codi de São Paulo no ápice da repressão no início dos anos 1970, e dois agentes da polícia política de São Paulo, em relação aos quais, segundo a promotoria, a Lei da Anistia não se aplica porque os restos mortais das vítimas sequestradas nunca foram encontrados. Portanto, o crime não prescreveu.
Isso poderá levar à condenação dos três réus pelo crime de sequestro, no primeiro processo e condenação de indivíduos acusados de abusos contra prisioneiros políticos. Sua condenação encorajaria outros processos penais. 
Até o momento, o único caso de punição ocorreu com as condenações, em 1973, de oficiais do Exército que torturaram até a morte quatro soldados em Barra Mansa, caso lembrado este ano por causa da morte, no dia 30 de novembro de dom Waldyr Calheiros, ex-bispo de Barra do Piraí-Volta Redonda responsável pela denúncia dos crimes.
Segundo, a CNV emitirá seu relatório final até o fim de 2014, prevendo-se que incluirá a recomendação de que a Lei da Anistia seja modificada a fim de que agentes do governo responsáveis por graves violações dos direitos humanos sejam punidos, embora não haja no momento consenso sobre o assunto na comissão. Essa conclusão da CNV ajudaria a restabelecer o equilíbrio da balança política, permitindo a revisão da lei. Ironia das ironias, esse desdobramento, que tem o caráter de divisor de águas, poderá ganhar força no ano em que o Brasil marcará o 50º aniversário do golpe.
Se o movimento pela verdade tiver sucesso, o País encerrará finalmente uma parte importante de um processo que permaneceu inconcluso em sua agenda democrática.
 TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA
*É DIRETOR DO DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA DA UNIVERSIDADE DE SAN DIEGO E AUTOR DE DIÁLOGOS NA SOMBRA: BISPOS E MILITARES, TORTURA E JUSTIÇA SOCIAL NA DITADURA (COMPANHIA DAS LETRAS). EM SETEMBRO, PRESTOU DEPOIMENTO NA COMISSÃO DA VERDADE DO ESTADO DE SP 'RUBENS PAIVA'

Al Qaeda controla suas contas como uma multinacional

Al Qaeda controla suas contas como uma multinacional

 

RUKMINI CALLIMACHI
DA ASSOCIATED PRESS, EM TIMBUKTU (MALI)  

O comboio de carros com a bandeira negra da Al Qaeda veio em alta velocidade, e o gerente da modesta mercearia pensou que estava prestes a ser assaltado.

Mohamed Djitteye correu para fechar suas portas e se escondeu atrás do balcão. Ficou desconcertado quando um comandante da Al Qaeda gentilmente abriu a porta de vidro do estabelecimento e pediu um pote de mostarda. Depois, pediu o recibo.

Confuso e assustado, Djitteye não entendeu. Então, o jihadista repetiu o pedido. Por favor, poderia dar um recibo dos R$ 4 gastos?

Esta transação, no norte do Mali, mostra o que parece uma preocupação incomum para um grupo terrorista: a Al Qaeda é obcecada por documentar as mínimas despesas.

Em mais de 100 recibos deixados num prédio ocupado pela Al Qaeda no começo deste ano em Timbuktu, no Magreb islâmico, os extremistas registraram assiduamente seu fluxo de caixa, controlando despesas tão simples quanto a compra de uma lâmpada. As quantias, muitas vezes pequenas, eram cuidadosamente anotadas a lápis e canetas coloridas em pedaços de papel e post-its: cerca de R$ 4 por um sabão, R$ 19 por um pacote de macarrão, R$ 33 por supercola. Todos os documentos foram autenticados por especialistas e podem ser vistos neste endereço .

O sistema de contabilidade demonstrado nos documentos encontrados pela Associated Press é um espelho do que pesquisadores descobriram em outras partes do mundo onde a rede terrorista opera, incluindo o Afeganistão, a Somália e o Iraque. Os documentos do grupo terrorista ao redor do mundo também incluem programas de cursos corporativos, planilhas de salário, orçamentos de filantropia, currículos de emprego, conselhos de relações públicas e cartas do equivalente a um departamento de recursos humanos.

As evidências reunidas sugerem que, longe de ser uma organização fragmentada e improvisada, a Al Qaeda tenta se comportar como uma corporação multinacional, com o que se compara a uma política financeira consistente de uma empresa em suas diferentes filiais.

"Eles precisam organizar sua contabilidade devido à natureza do seu negócio", disse William McCants, bolsista da Brookings Institution e ex-conselheiro do departamento de contraterrorismo dos Estados Unidos. "Eles têm muito poucas formas de controlar seus agentes, de discipliná-los e de fazer com que cumpram o que devem fazer. Precisam gerir tudo como um negócio."

A imagem que surge do que é um dos maiores repositórios de documentos da Al Qaeda já tornados públicos é a de uma burocracia rígida, dotada de um presidente, um conselho de diretores e departamentos como os de recursos humanos e relações-públicas. Os especialistas dizem que cada filial do grupo terrorista repete a mesma estrutura corporativa, e que esse projeto estrito ajudou a Al Qaeda não apenas a durar como também a se expandir.

Entre os documentos mais reveladores estão os recibos, que oferecem uma visão granular de como os combatentes da Al Qaeda vivem no dia-a-dia, bem como de suas prioridades.

Um número imenso dos recibos é de alimentos, sugerindo uma dieta à base de macarrão com carne e molho de tomate, bem como grandes quantidades de leite em pó. Há 27 recibos de carne, 13 de tomates, 11 de leite, 11 de massa, sete de cebolas e muitos outros de chá, açúcar e mel.

Estão registrados o bolo de R$ 1,50 comido por um dos seus combatentes e o sabão de R$ 4 que outro usou para lavar as mãos. Essas quantias relativamente pequenas são anotadas com o mesmo cuidado que o adiantamento de R$ 12.700 pago a um comandante ou os R$ 800 usados para comprar 3.300 cargas de munição.

O cuidado com as despesas faz parte do DNA da Al Qaeda, segundo especialistas que incluem agentes do FBI designados para investigar o grupo logo após sua fundação. O hábito vem de há quase quatro décadas, quando um jovem Osama Bin Laden entrou na universidade Rei Abdul Aziz, na Arábia Saudita, para estudar economia em 1976, e de lá saiu para dirigir parte da milionária empreiteira de seu pai.

Depois de ser exilado no Sudão, em 1992, Bin Laden fundou o que se tornaria o maior conglomerado do mundo. Suas empresas e numerosas subsidiárias investiram em tudo, da importação de caminhões à exportação de papoula, milho branco e melancias. Desde o início, Bin Laden era obcecado em aplicar técnicas de administração corporativa aos seus mais de 500 empregados, segundo o especialista em Al Qaeda Lawrence Wright.

Os funcionários precisavam apresentar requisições em três vias até para as menores compras - a mesma exigência, diz Wright, que Bin Laden impôs mais tarde aos primeiros recrutas da Al Qaeda.

No Ageganistão, registros contábeis detalhados encontrados num acampamento da Al Qaeda em 2001 incluíam listas de salários, documentos de cada combatente, formulários de recrutamento de emprego que perguntavam pelo grau de instrução e habilidades linguísticas, bem como vários cadernos de despesas. No Iraque, as forças dos EUA encontraram diversas planilhas de Excel que detalhavam os salários dos combatentes.

"As pessoas acham que isso é anotado em qualquer pedaço de papel. Não é", diz Dan Coleman, ex-agente especial do FBI que cuidou do caso Bin Laden entre 1996 e 2004.

Um dos primeiros ataques a uma casamata da Al Qaeda foi liderado por Coleman em 1997. Entre as dezenas de recibos que encontrou no local, no Quênia, estavam pilhas de recibos de combustível, acumuladas durante oito anos.

RELATÓRIOS DE DESPESAS COM TERRORISMO

Este sistema detalhado de contabilidade também permite controlar os movimentos dos próprios terroristas da rede, que muitas vezes operam de maneira remota.

A maioria dos recibos encontrados num chão de cimento num prédio no Timbuktu é escrita à mão, em notas de post-it, em papel pautado ou em envelopes, como se os agentes de campo usassem quaisquer superfícies de escrita que pudessem encontrar. Outros são digitados, às vezes repetindo os mesmos ítens, no que pode servir como relatórios formais para os escalões superiores. Numa carta encontrada entre os documentos, gerentes cobram um terrorista por não ter prestado contas suas no prazo.

Em mercados informais a céu aberto, como os do Timbuktu, os vendedores não têm notas fiscais para entregar. Então, dizem os comerciantes, os membros da Al Qaeda vêm em duplas. Um para negociar a compra, o outro para anotar os preços numa caderneta. A prática se reflete no fato de que quase todos os recibos estão escritos em árabe, uma língua escrita por poucos moradores da região.

Os combatentes perguntavam o preço e depois escreviam em seus Bloc Notes, uma marca de caderneta vendida no local, segundo o farmacêutico Ibrahim Djitteye.

"No começo eu fiquei surpreso", ele disse. "Mas cheguei à conclusão de que eles têm uma missão muito específica... e, nesses casos, é preciso fazer relatórios."

A natureza corporativa da organização também aparece nos tipos de atividades pelos quais eles pagam.

Por exemplo, dois recibos, um no valor de R$ 8 mil e outro no valor de R$ 14 mil, aparecem como pagamento por "workshops", outro conceito tomado do mundo dos negócios. Um folheto encontrado em outro prédio ocupado por seus combatentes confirma que a Al Qaeda promove o equivalente a encontros de treinamento corporativo. Toda manhã, exercícios das 5h às 6h30; aula sobre como usar um GPS das 10h às 10h30; treinamento de tiro das 10h30 ao meio-dia; à tarde, lições sobre como pregar a outros muçulmanos, sobre nacionalismo e sobre democracia.

São relativamente poucos os recibos de pagamentos por combatentes e armas. Uma unidade apresentou um pedido muito educado de recursos, com o título "A lista dos nomes dos mujahedins que pedem roupas e botas para se proteger do frio".

Muitos mais lidam com os aspectos do dia-a-dia da administração estatal, como a tarefa de manter a luz ligada. A Al Qaeda do Magreb Islâmico invadiu o Timbuktu em abril de 2012, e tomou conta de seus serviços públicos estatais, pagando para receber combustíveis vindos da Argélia. Um recibo mostra que eles pagaram quase R$ 9 mil por 20 barris de diesel para a estação de energia da cidade.

Também há um adiantamento para a prisão e um orçamento detalhado do Tribunal Islâmico, onde os juízes recebiam R$ 5 por dia para ouvir casos.

Além do dia-a-dia do governo, fica claro que os combatentes tentavam ativamente conquistar a população. Eles separam dinheiro para a caridade: R$ 9 para comprar remédios "para um xiita com o filho doente", R$ 240 para contribuir com a cerimônia de casamento de um homem. E eles reembolsavam prejuízos dos moradores, como R$ 120 para consertar uma casa, com uma nota informando que o imóvel "foi atingido por carros de mujahedins".

E fica claro que os combatentes passavam boa parte do tempo fazendo proselitismo, com relatórios de despesas com viagens a aldeias distantes para pregar sua visão extrema do Islã. Um recibo fala abertamente em gastos de R$ 480 com uma "viagem para espalhar propaganda".

Embora não seja abertamente explicado, os razoáveis recibos de conserto de carros sugerem missões regulares no deserto. Os muitos recibos de troca de óleo, compra de baterias, filtros e autopeças indicam o terreno difícil onde circulam os Land Cruisers do grupo.

Finalmente, os nomes nos recibos revelam que a maioria dos combatentes na folha de pagamento do grupo eram estrangeiros. Há um adiantamento de R$ 2.400 para um homem identificado como "Talhat Líbio". Outro é endereçado a "Tarek Argelino".

Os nomes também confirmam que os mais altos líderes da Al Qaeda no Magreb Islâmico estavam baseados no Timbuktu. Entre eles está Abou Zeid, provavelmente o mais temido comandante local da Al Qaeda, que orquestrou os sequestros de dezenas de ocidentais até sua morte no primeiro semestre.

"Em nome de Alá misericordioso", diz um pedido de recursos com data de 29 de dezembro de 2012 e dirigido a Abou Zeid, "escrevemos para lhe informar de que precisamos de foguetes para nosso acampamento - são necessários um total de 4. Que Deus o proteja."

A extensão da documentação encontrada aqui e nos outros teatros onde opera a Al Qaeda não significa, porém, que o grupo terrorista dirija uma máquina bem azeitada, alerta Jason Burke, autor do livro Al Qaeda."

"A burocracia, como sabemos, dá aos altos gerentes a ilusão de que podem controlar seus subordinados mais distantes," disse Burke. "Mas essa influência é muito, muito menor do que eles gostariam."

As práticas contábeis da Al Qaeda deixaram uma forte impressão em ao menos uma pessoa no Timbuktu: Djitteye, o gerente da loja de conveniência.

O comandante que veio comprar mostarda era Nabil Alqama, o líder da Al Qaeda no "Comando Sul" do Magreb Islâmico. Ele virou freguês da loja. Um dia, ele pediu que o vendeiro mandasse imprimir um talão de notas para poder ter recibos com uma aparência mais oficial.

Djitteye cumpriu o pedido.

O talonário verde e bem diagramado está sob sua caixa registradora. Atualmente, sempre que os clientes entram, ele pergunta se querem um recibo.

Ninguém quer. 


TRADUÇÃO: MARCELO SOARES

Barragem para hidrovia Tietê-Paraná destruirá ‘minipantanal’ de Piracicaba/SP

Barragem para hidrovia Tietê-Paraná destruirá ‘minipantanal’ de Piracicaba/SP

A construção de uma barragem na Hidrovia Tietê-Paraná, em Santa Maria da Serra (SP), vai colocar de baixo d’água uma região rural de Piracicaba (SP) chamada Tanquan e considerada um “minipantanal” do interior paulista devido à existência de animais e vegetação semelhantes àquele do Mato Grosso. Com a inundação da área, famílias ribeirinhas que sobrevivem da pesca terão de deixar o local já em 2014, conforme prevê o governo do estado. A obra, propriamente dita, deve começar em 2015 e durar três anos.
A obra deve aumentar o nível do Rio Piracicaba em até 5,5 metros para torná-lo navegável em 45 quilômetros e transformá-lo em um “braço” da Tietê-Paraná, ligando Piracicaba à hidrovia pela represa de Barra Bonita. A polêmica sobre a barragem existe há anos, mas as audiências públicas sobre o assunto iniciadas em dezembro e que seguem até janeiro de 2014, reacenderam o debate, que envolve questões ambientais, sociais e legais de desenvolvimento econômico. O caso é acompanhado em inquérito civil pelo Ministério Público Estadual.
Para se ter uma ideia das consequências da obra, entre tuiuiús, jacarés-de-papo-amarelo, dourados e onças-pardas, a fauna que sofrerá os impactos inclui 218 espécies de aves, 54 de peixes (nove adaptáveis à mudança e cinco que podem desaparecer do território paulista), além de espécies de mamíferos, segundo Estudo de Impacto Ambiental (EIA) da barragem. A construção deve suprimir também metade da mata original da área, conforme análise divulgada pelo Comitê das Bacias Hidrográficas dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (PCJ).
“Só vão ficar animais generalistas, que conseguem se adaptar a diferentes condições e tipos de alimentação. Várias espécies, no entanto, vão deixar de existir na área e outro bioma assim só se formaria em 60 ou 70 anos”, afirmou o geógrafo Anderson Guarda. Ele disse que o aumento do nível do rio vai “uniformizar” o ambiente e dar fim às variadas formas de vida na região.
Projeto oficial – O governo estadual admite que, se a obra for realizada, ocorrerá o sumiço das espécies e o fim do “pantanal de Tanquan”. Como medida compensatória, o projeto prevê a preservação de um trecho do Rio Piracicaba conhecido como “Curva da Samambaia”. A intenção do estado é a de construir um canal para que cerca de dez quilômetros do curso d’água se tornem propícios para acolher os animais do minipantanal ao longo do tempo.
José Roberto Santos, representante do consórcio contratado para fazer o projeto da obra, falou sobre os impactos ambientais em audiência pública em Piracicaba e tratou como “aposta” a Curva da Samambaia. “A área é vista como uma possibilidade para recuperar ao menos parte da vida animal que existe no Tanquan. Não se pode dizer com certeza se isso vai acontecer, mas é uma aposta”, disse.
O diretor do Departamento Hidroviário (DH) da Secretaria de Logística e Transportes do Estado de São Paulo, Casemiro Tércio Carvalho, defende a ampliação da hidrovia em nome do desenvolvimento nacional. “Piracicaba não pode se fechar em copas e se recusar a cumprir o dever de contribuir para o desenvolvimento do país. Com a barragem teremos condições de reduzir o número de caminhões nas estradas e transportar cargas do Centro-Oeste até Piracicaba pela água e depois de trem até o Porto de Santos”, afirmou Carvalho. Ele disse que as compensações ambientais serão equivalentes aos danos causados pela obra.
Desenvolvimento x natureza – Luiz Antonio Fayet, especialista e consultor de logística, diz que além de custos operacionais que podem ser mais vantajosos, as hidrovias representam redução do tráfego terrestre para transporte de cargas e menos poluição ambiental gerada com o uso de caminhões nas rodovias. Sobre a Tietê-Paraná, Fayet afirma que a maior parte das cargas transportadas é de materiais de construção civil, mas deve ganhar importância também o transporte de combustíveis.
“A relevância das hidrovias é nítida. Agora, se existe um questionamento sobre o impacto de uma obra, a pergunta que tem de ser respondida é a seguinte: é melhor arcar com o custo social de indenizar todas as partes atingidas e fazer a compensação ambiental adequada ou manter as estradas entulhadas de caminhões para levar as mesmas cargas?”, questionou Fayet.
“É necessário, porém, que o debate seja sério de todos os lados. As indenizações e compensações têm de ser corretas, mas não dá para ficar com brincadeiras contrárias às melhorias de infraestrutura porque, dessa forma, não se desenvolve mais nada no Brasil”, disse o consultor, que completou: “Cito como exemplo mais crítico disso a duplicação da BR-116, no trecho que liga o Sudeste ao Sul do país. Milhares de pessoas morreram nessa estrada graças a uma oposição criminosa fundada em questões ambientais equacionáveis”.
Referência em direito ambiental no Brasil e autor de livros e idealizador de artigos sobre o assunto para a Constituição Federal, o professor Paulo Affonso Leme Machado alerta que não se pode realizar obras de grande impacto ambiental sem a certeza de que haverá compensações equivalentes aos danos.
Após acompanhar uma das audiências públicas sobre a barragem, Machado afirmou que não há clareza ainda sobre as medidas para compensar “os estragos”. “Fala-se muito em aposta e dúvida, mas a legislação ambiental diz que diante da incerteza quanto às compensações para o impacto ambiental, a obra não deve ser feita. Foi levantada a suposta ocorrência de enchentes em Piracicaba depois da obra e isso não foi devidamente estudado. Com risco desse tipo de inundação, entendo que a barragem não deveria ser construída”, disse.
Investigações do Gaema – Todo processo e as ações do governo para os preparativos da obra são alvos de um inquérito civil instaurado pelo Grupo de Atuação Especial em Defesa do Meio Ambiente (Gaema), do Ministério Público Estadual. O promotor Ivan Carneiro Castanheiro aponta como preocupações justamente as dúvidas em relação às medidas compensatórias ao desaparecimento de Tanquan, além do que chamou de “fatiamento” do estudo e do relatório de impactos ambientais.
Segundo a Promotoria, os documentos não abrangem ainda as consequências da construção de um porto no bairro de Artemis, também em Piracicaba, e da ferrovia que deverá escoar a maior parte das cargas que chegarem ao município.
“Nós não somos contrários ou favoráveis à obra. A função do Gaema é investigar se é realmente viável uma ampliação de 45 quilômetros de hidrovia diante de tantos impactos ou se o ideal seria a construção da ferrovia. As ações compensatórias e mitigatórias também precisam ser avaliadas a fundo”, considerou o promotor.
Pescadores lamentam – O estado ainda deve realizar reuniões para debater temas específicos como as desapropriações de terras privadas próximas à futura represa e até mesmo a forma como se dará a remoção de um grupo de 13 famílias que vive da pesca na região que ficará submersa. O projeto prevê que a população ribeirinha terá de ser realocada para uma área próxima ao minipantanal.
O governo afirma que o “novo Tanquan” receberá melhorias estruturais como água e esgoto encanados, casas de alvenaria e regulamentação fundiária, o que não existe atualmente. O período sem a pesca, segundo o estado, será de seis meses e as reuniões com os ribeirinhos servirão para esclarecer questões referentes, por exemplo, aos valores que eles receberão durante o semestre em que a atividade estiver proibida.
Já o pescador Ronaldo Evangelista, de 35 anos, afirmou que a inundação vai destruir o lugar que ele chamou de lar durante a vida toda, além de acabar com o único meio de vida que conheceu. A pesca é o sustento da família Evangelista há quatro gerações, desde o avô de Roberto até os seus sobrinhos. “Eu não me vejo fazendo outra coisa. Cresci no Tanquan. Meu filho tem seis anos e, assim que entra em férias escolares, enlouquece para andar comigo de barco.”

Plataforma facilita informações sobre grupos de pedal e passeios pelo Brasil



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Grupos de pedal feminino se espalham pelo Brasil
Uma plataforma online promete melhorar a vida de quem pedala em grupo pelas cidades brasileiras: o site Loop Bikes, que nasceu do desejo de ver mais pessoas utilizando a bicicleta como meio de transporte e já possui mais de 10 cidades inscritas com seus passeios.
“Quando vim morar em SP, descobri os passeios de bike graças ao blog do Wadilson, que sempre foi referência com uma lista atualizada dos grupos de São Paulo. Comecei a pedalar com a galera dos StarBikers e passei a curtir esse lance de descobrir qual a pegada dos grupos de passeio”, conta Alexandre Thomé, idealizador do site.
“O legal dos grupos é que eles visitam locais que você não vai normalmente. Eu, por exemplo, vi muito de São Paulo, fui nas zonas industriais, conheci as cidades do ABC, o centro histórico e outros lugares incríveis. Explorar a cidade é apaixonante pra mim”.
Imagem: Divulgação

Imagem: Divulgação

Mapa

O site permite que você acrescente um mapa em seu site, que aparecerá sempre atualizado e pode ser filtrado por cidade. Também dá para disponibilizar um mapa só com as pedaladas da semana, filtrando não apenas por cidade como também por nível, estilo e tipo de terreno.
Para dar um exemplo, incorporamos no topo dessa matéria um mapa com todos os passeios do país. Para saber como fazer isso no seu site, clique aqui.
O serviço do site é gratuito e qualquer pessoa pode cadastrar seu grupo de pedal
Ciclistas pelados - Imagem: Loop/Divulgação

Imagem: Divulgação

Grupos são ótima forma de começar a pedalar

Blog foi pioneiro
O blog de Wadilson Oliveira, também integrante dos Starbikers, foi pioneiro na divulgação de passeios em São Paulo. No ar há muitos anos, sempre foi referência quando se precisava buscar informações sobre os grupos que pedalam na cidade.
Alimentada de forma colaborativa, a página que já foi assunto aqui no Vá de Bike reúne informações sobre dezenas de passeios, oferece um mapa com os locais de saída e continua sendo bastante útil. Clique aqui e conheça.
box por Willian Cruz
(que também já pedalou
muito com os Starbikers)
Depois de adquirir confiança em pedalar na rua, vivenciando a experiência de compartilhar com carros e ônibus, muitas pessoas naturalmente passam a inserir gradativamente a bicicleta em seus deslocamentos. “Tenho certeza que o pedal em grupo é um start pra muita gente. A pessoa começa a ficar mais confortável em cima da bike, descobrir caminhos, até o momento em que passa a ser viável ir ao trabalho pedalando”, afirma Thomé.
Quem frequenta o ambiente dos grupos de pedal noturno sabe que há muitas boas histórias de gente com vontade de usar cada vez mais a bicicleta em seu dia a dia. E apesar das várias motivações que levam alguém a pedalar, o que muitas delas querem, no fundo, é ter segurança, equilíbrio e confiança de poder encarar as ruas com tranquilidade. Nesse sentido, pedalar na companhia de mais pessoas é uma ótima porta de entrada para o mundo apaixonante da bicicleta, por tornar a experiência mais segura, eficiente, com mais visibilidade e respeito no trânsito.
Pensando nisso, o Loop tem o desafio de organizar os pedais pelo Brasil, concentrar informações sobre as particularidades de cada um, ajudar quem quer encontrar grupos, listar os passeios semanalmente e também melhorar a questão da segurança. Um dos destaques da plataforma é justamente disponibilizar ao “líder do grupo” informações exclusivas em caso de emergência, como telefones de contato, tipo sanguíneo e manuais de primeiros socorros.  ”Pensei nesses mecanismos para melhorar a segurança do ciclista durante o pedal e facilitar a vida do guia”, disse Thomé.
O canal também classifica os pedais por nível de dificuldade, relevo, quilometragem e áreas de atuação, além de ter uma tecnologia totalmente integrada ao Facebook. Em abril de 2013, época do lançamento, já estavam cadastrados no Loop passeios das cidades de São Paulo, Barueri, Belo Horizonte, Campo Grande, Curitiba, Porto Alegre, Porto Velho, Rio de Janeiro e outras.

Ciclorrotas e GPS

O próximo passo do Loop é mapear roteiros interessantes, cicloamigáveis e disponibilizá-los na rede para todo mundo ter acesso. “Depois de identificar essas rotas, a ideia é lançar o ‘GPS do ciclista’, um aplicativo com informações úteis de melhores rotas, caminhos interessantes, seguros e, na medida do possível, planos”, concluiu Thomé.
Tá esperando o quê? Cadastre já a sua cidade, encontre um grupo e vá pedalar! 

Polarizado por conflito sectário, Líbano vive risco de vácuo de poder

Polarizado por conflito sectário, Líbano vive risco de vácuo de poder


Atualizado em  29 de dezembro, 2013
Caixão com o corpo de Mohammed Shattah | Crédito: AP
Muhammad Shattah morreu após ser vítima de um ataque com carro bomba na semana passada
A cada assassinato no Líbano, a lista dos prováveis culpados normalmente é limitada a duas possibilidades: Síria ou Israel.

É assim que pensa a maioria dos cidadãos libaneses, que já perdeu a conta de quantas vezes presenciou ou viu na TV compatriotas ou figurões da política nacional mortos ou feridos por ataques inesperados nas ruas das principais cidades do país.
Na semana passada, o ex-ministro das Finanças, Muhammad Shattah, engrossou as estatísticas. Vítima de um ataque com carro bomba, ele foi enterrado neste domingo.
Mas a busca pelas reais motivações desses assassinatos é bem mais complicada e envolve normalmente a seguinte a pergunta: qual é o real propósito desses atentados?
Às vezes, a intenção é apenas aterrorizar. Em outras ocasiões, é privar partidos políticos de suas lideranças mais proeminentes.
Com o assassinato de Shattah, parece que os dois objetivos convergiram em um único: aniquilar um líder em potencial durante um período em que o país está profundamente dividido quanto à guerra civil na vizinha Síria.
Sunita, Shattah era um dos principais conselheiros do ex-primeiro-ministro Saad Hariri. Ambos se opunham ao presidente da Síria, Bashar al-Assad, e ao Hezbollah, o grupo radical xiita que, nos últimos meses, vem enviando reforços para o outro lado da fronteira para apoiar o governo sírio.
O atentado revela uma situação peculiar do país. Não há uma resposta conclusiva sobre "quem e o por que" da longa lista de assassinatos não resolvidos no Líbano.
Porém, não há dúvida de que Shattah era um cérebro da oposição sunita, que se preparava para alcançar um papel maior no país, enquanto tentava convencer a comunidade internacional a apoiar a neutralidade do país no conflito armado na Síria.

Polarizado

À BBC, duas fontes confirmaram que Shattah era um dos nomes mais cotados para ocupar o cargo de primeiro-ministro do país, vago há nove meses.
A formação de um gabinete requereria o apoio do presidente do país, Michel Suleiman, que é cristão. Suleiman teria dado aval à escolha de um novo premiê, mas ainda não há certeza sobre isso.
Shattah, um político moderado e um ex-ministro da Economia que nunca teve grande destaque na política, parecia, no entanto, um nome pouco provável para o posto.
Por tradição, o primeiro-ministro do Líbano é sempre um sunita.
Mas em um país profundamente polarizado por um conflito sectário, especialmente devido à sua longa história e a seus laços com a Síria, poucos políticos sunitas conquistam o feito de ter tanto o apoio das ruas quanto do Hezbollah e dos correligionários de Assad.
Embora os xiitas rejeitariam o nome de Shattah para premiê, seus apoiadores e os de Suleiman poderiam unir forças em torno de seu nome. Mas até o assassinato dele, não havia qualquer indicativo que isso aconteceria.
De qualquer forma, o atentado contra o ex-ministro das Finanças retira do campo político um estrategista-chave e possivelmente o único político sunita que poderia acabar com a incerteza existente no país.
O assassinato também envia uma mensagem a Hariri e aos opositores de Assad atualmente abrigados no Líbano.

Voz moderada

Especialistas apontam que o Líbano poderia enfrentar um vácuo de poder nos próximos meses. As eleições para o Parlamento têm de ser convocadas até o próximo verão e o mandato do atual presidente se encerra em maio.
Suleiman advoga abertamente pela neutralidade do Líbano no conflito da Síria e vem surpreendendo ao criticar abertamente o Hezbollah. Em uma recente entrevista à BBC, ele pediu ao grupo que retire seus militantes da Síria.
Considerado uma voz moderada, Shattah foi embaixador nos Estados Unidos e ainda tinha boas conexões em Washington. Ele também foi um dos principais braços direitos do pai de Saad Hariri, Rafik Hariri, que morreu em 2005 vítima de um atentado com carro bomba, a poucos metros do local onde o ex-ministro das Finanças foi morto.
Após a confirmação da morte de Shattah, Saad Hariri acusou a Síria e o Hezbollah de estarem por trás do ataque.
"Aqueles que assassinaram Muhammad Shattah são os mesmos que assassinaram meu pai; também são os mesmos que querem assassinar o Líbano", disse ele.
O governo da Síria negou envolvimento no atentado enquanto a liderança do Hezbollah condenou o ataque, classificando-o como um "crime hediondo", mas sem fazer quaisquer acusações. Atipicamente, dessa vez, Israel não foi implicado no episódio.
A tensão política no Líbano vem sendo agravada recentemente pela guerra civil na Síria. Mas todas as crises por quais passa o pequeno país estão ligadas, direta ou indiretamente, ao seu vizinho mais poderoso.
Aliados da Síria no Líbano, como o Hezbollah, reivindicam grande parte das cadeiras no Parlamento, enquanto a Arábia Saudita, que apoia Hariri e se opõe a Assad, critica qualquer proposta de formação de um gabinete que incluiria o Hezbollah, que, por sua vez, apoia o presidente sírio, Bashar al-Assad.
Cerca de meia hora antes de sua morte, Shattah havia tuitado que o "Hezbollah vem pressionando para obter poderes semelhantes tanto em segurança quanto em questões de política externa que a Síria vem exercendo no Líbano nos últimos 15 anos".
Amigo e aliado de Shattah, o parlamentar libanês Bassem el-Shabb acrescentou que o ex-ministro de Finanças vinha trabalhando duro para convencer a comunidade internacional a apoiar a neutralidade do Líbano no conflito sírio.

Paz na Síria

Shattah também vinha sendo um principais políticos libaneses a manifestar apoio à realização de um encontro paralelo à conferência de paz sobre a Síria, em janeiro do ano que vem, na Suíça.
Nessa reunião, ele propunha que a comunidade internacional discutisse o futuro do Líbano.
O objetivo do ex-ministro das Finanças seria pressionar o Hezbollah a aceitar um acordo para a retirada de suas tropas da Síria.
Shattah havia escrito uma carta aberta ao presidente do Irã, Hassan Rouhani na qual fazia tal apelo.
Mas o ex-ministro das Finanças morreu antes que pudesse colher assinaturas dos parlamentares do Líbano para levar adiante a proposta.
Fontes ouvidas pela BBC afirmam, entretanto, que Shattah permanecia pouco otimista de que a Arábia Saudita e o Irã, outro aliado do Hezbollah, se sentariam à mesa para discutir a questão.
O Hezbollah, por sua vez, também vem pagando o preço de seu envolvimento na Síria. Nas últimas semanas, o centro nervoso do grupo, nos subúrbios ao sul de Beirute, vêm sendo alvo de atentados suicidas.
Acredita-se que grupos rebeldes sírios, opositores do presidente Bashar al-Assad, estariam por trás desses ataques.
O Líbano ainda é assombrado por uma longa série de assassinatos não resolvidos desde a morte do ex-premiê Rafik Hariri, em 2005. Um tribunal internacional que investiga o ataque indiciou vários membros do Hezbollah e o governo sírio. Os julgamentos devem começar em meados de janeiro do ano que vem, em Haia, na Holanda.
A maioria desses assassinatos ocorreu antes do início do conflito na Síria, em março de 2011.
O assassinato de Shattah parece ser uma continuação dessa tendência e um lembrete violento de que o destino do Líbano está inextricavelmente ligado ao resultado da guerra na Síria.

Quem era Muhammad Shattah?

  • Ex-embaixador do Líbano nos Estados Unidos
  • Conselheiro do ex-primeiro ministro Rafik Hariri, assassinado em 2005
  • Ministro das Finanças durante o governo de Saad Hariri, filho de Rafik Hariri.

Refugiados africanos marcham por asilo político em Israel

Refugiados africanos marcham por asilo político em Israel



Nos último dias, autoridades israelenses iniciaram prisões em massa de refugiados que moram no sul de Tel Aviv

Milhares de refugiados africanos, acompanhados por ativistas israelenses, marcharam na noite deste sábado (28/12) em Tel Aviv, em protesto contra o encarceramento de eritreus e sudaneses que pedem asilo político em Israel.


Os manifestantes fizeram uma passeata que começou no sul da cidade e terminou na Praça Rabin, no centro, portando cartazes com os dizeres “Liberdade”, “Somos refugiados” e “Ouçam nosso apelo”, em inglês, hebraico, árabe e tigrínia.
Nos últimos dias as autoridades israelenses iniciaram prisões em massa de refugiados que moram no sul de Tel Aviv. A polícia da Imigração aparece de repente na região, prende todos os refugiados que encontra nas ruas e os envia para a prisão de Holot, que fica no deserto do Negev, no sul do país.


"Nos próximos dias vamos convidar os infiltrados a se deslocarem para o campo aberto de Holot", disse o ministro do Interior, Gidon Saar.



Guila Flint/Opera Mundi
Milhares de refugiados participaram de manifestação nas ruas de Tel Aviv



Para o governo israelense, que não verificou individualmente o status dos imigrantes, os 50 mil eritreus e sudaneses que se encontram em Israel são "infiltrados ilegais que vieram em busca de trabalho".



No entanto, segundo a lei internacional, eles são refugiados, pois fugiram de países onde corriam perigo de vida. Nessas circunstâncias, Israel, que é signatário da convenção internacional sobre os direitos de refugiados, não pode expulsar os africanos, que entraram a pé no país, depois de cruzarem o deserto egípcio do Sinai.

Caçada humana


A israelense Orly Feldheim, uma das organizadoras da passeata, disse a Opera Mundi que "é inconcebível que o Estado de Israel realize verdadeiras caçadas humanas e envie os refugiados para campos de concentração".

"O tratamento que Israel está dando aos refugiados africanos é uma vergonha, exigimos que eles sejam reconhecidos como refugiados e que possam viver aqui de maneira digna e livre, até que seja possível seu retorno a seus países", disse.


O que as autoridades israelenses qualificam como "campo aberto de Holot" é uma prisão com sistema semiaberto, que fica no meio do deserto.

Em Holot os prisioneiros devem se apresentar para chamadas três vezes por dia e são obrigados a dormir no local. Entre as chamadas eles teoricamente podem sair do local, mas de fato não têm como desfrutar da suposta liberdade, pois a prisão fica longe dos centros urbanos do Negev e eles estão expressamente proibidos de trabalhar.


Os prisioneiros que se ausentam de Holot por mais de 48 horas são enviados para a prisão de Saharonim, também no deserto do Negev, onde o sistema é totalmente fechado.



Guila Flint/Opera Mundi
O ativista israelense Uri Gotlib, em meio às manifestações de refugiados africanos



O refugiado sudanês Mutasim Ali, de 27 anos, chegou em Israel em 2009, depois de atravessar a pé o deserto do Sinai.



"Estamos protestando pois a situação está ficando cada vez pior, as autoridades israelenses estão prendendo milhares de pessoas que não cometeram crime algum, estamos pedindo abrigo, somos refugiados", disse Ali a Opera Mundi.



Ali fugiu da região de Darfur, onde centenas de milhares de pessoas foram assassinadas. Ele contou que sua família ficou no Sudão, mas como Israel não tem relações diplomáticas com seu país, a comunicação com os familiares fica muito difícil.



"Tenho medo de telefonar para meus parentes no Sudão, pois como não há relações diplomáticas, um telefonema daqui pode lhes causar danos", disse.