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terça-feira, 29 de abril de 2014

Assim o Ocidente ressuscita a Guerra Fria

Assim o Ocidente ressuscita a Guerra Fria



Além de não representar ameaça militar ou econômica, Rússia suportou provocações em série. Mas militares, petroleiras e mídia querem fabricar um demônio. Por Roberto Sávio | Tradução: Antonio Martins

por Roberto Sávio — publicado 28/04/2014

Faz várias semanas, agora, que toda a mídia mainstream está engajada em denunciar primeiro a suposta ação de Putin na Crimeia – e em seguida, na Ucrânia. A última capa de The Economist mosta um urso engolindo a Ucrânia, sob o título “Insaciável”. A unanimidade na mídia é sempre constrangedora, porque significa algum ato de dobrar joelhos. Será possível que os quarenta anos de Guerra Fria estejam sendo ressuscitados?
A inércia desta guerra, na verdade, nunca foi rompida. Diga “o presidente comunista de Cuba, Raúl Castro”, e ninguém ficará chocado. Use a mesma lógica, e chame o presidente Obama de “capitalista” e repare nas reações. Na Itália, Sílvio Berlusconi foi capaz, durante vinte anos, de ganhar as eleições contra a “ameaça” do comunismo – representada, segundo ele, pelo partido à esquerda, agora no poder, sob Matteo Renzi, um católico devoto.
No caso da Ucrânia, há pelo menos quatro pontos fulcrais de análise que estão sendo ocultados pelo coro de mídia. O primeiro é que nunca se mencionam as responsabilidades do Ocidente no caso. Deveríamos lembrar que Mikhail Gorbachev, presidente russo ao final dos anos 1990, negociou com os chefes de Estado dos EUA (Ronald Reagan), Grã-Bretanha (Margareth Thatcher), Alemanha (Helmut Kohl) e França (François Mitterrand) que aceitaria a reunificação da Alemanha; mas que que o Ocidente, em contrapartida, não deveria tentar invadir a área de influência da Rússia. Sobre isso, há grande quantidade de documentos.
Mas assim que Gorbachev foi eliminado, o jogo foi reaberto. A total docilidade de Boris Yeltsin, seu sucessor, diante dos Estados Unidos, é bastante conhecida. Muito menos debatido é o fato de o Fundo Monetário Internacional ter oferecido um empréstimo de 3,5 bilhões de dólares, para sustantar o rublo. O empréstimo, porém, foi dirigido ao Bank of America, que o distribuiu entre várias contas russas. Nenhum centavo chegou ao Banco Central russo. O dinheiro desembarcou nas contas de oligarcas, que puderam comprar praticamente todas as empresas públicas russas. Em seu livro Farewell Russia,Gioulietto Chiesa explica o processo em detalhes. E o FMI jamais sequer balbuciou um protesto. Quando um desconhecido Vladimir Putin foi levado ao poder por Yeltsin, ele foi obrigado a aceitar um acordo de proteção aos oligarcas.
Depois de Yeltsin, Putin apoiou a invasão iminente do Afeganistão por Washington, de uma forma que teria sido inimaginável durante a Guerra Fria. Aceitou que aviões norte-americanos sobrevoassem o espaço aéreo da Rússia, que os EUA usassem as bases militares nas repúblicas da ex-União Soviética na Ásia Central, e ordenou aos militares que compatilhassem sua experiênia no Afeganistão. Então, em novembro de 2001, Putin visitou George Bush em seu rancho no Texas, em meio a declarações amistosas (“Putin é um novo líder que ajuda a paz mundial… trabalhando em proximidade com os Estados Unidos”). Poucas semanas depois, Bush anunciou que os EUA estavam abandonando o Tratado de Mísseis Anti-balísticos, para poder construir um sistema de guerra no espaço destinado, em palavras a proteger a OTAN do… Irã. Era uma ação claramente voltada, na prática, contra a Rússia, para espanto de Putin.
Na sequência, em 2002, Bush convidou sete nações da ex-União Soviética – entre elas, Estônia, Lituânia e Letônia – a somar-se à OTAN, o que se concretizou em 2004. Em 2003, a invasão do Iraque, sem consentimento da França, Alemanha e Rússia, transformou Putin num cítico aberto dos Estados Unidos e de sua proposta de promover a democracia passando por cima do direito internacional. No mesmo ano, na Geórgia, a Revolução Rosa levou Saakashvili, um pró-ocidental, ao poder. Quatro meses depois, na Ucrânia, a Revolução Laranja empoderou outro presidente pró-ocidental, Yushcenko. Em 2006, a Casa Banca pediu permissão para reabastecer o avião de Bush em Moscou, mas deixou claro que Bush não teria tempo para saudar Putin. E em 2008, houve a declaração unilateral de independência de Kososo da Sérvia, com o apoio dos Estados Unidos e contra as posições da Rússia. Então, Bush pediu à OTAN para incorporar a Ucrânia e a Geórgia – um tapa na cara de Moscou. Em face disso, não deveria ter causado surpresa o gesto de Putin, que interveio militarmente na Geórgia em 2008, quando este país tentou incorporar as regiões da Ossétia do sul e Abkhazia, de maioria russa. Ainda assim, é fácil lembrar que a mídia tratou o movimento como ação sem motivos.
Obama tentou reparar os danos provocados por Bush nas relações internacionais dos EUA. Ele propôs uma retomada (“reset”) nas relações com a Rússia, que foi, de início, bem sucedida. Moscou aceitou oferecer seu espaço aéreo para transporte de suprimentos militares norte-americanos destinados ao Afeganistão. Em 2010, a Rússia e os Estados Unidos assinaram um novo tratado Start, reduzindo seu arsenal nuclear. E a Rússia apoiou as sanções aprovadas pela ONU contra o Irã, desistindo de vender seis mísseis terra-ar S/300 ao Teerã.
Mas logo a seguir, em 2011, tornou-se claro que os Estados Unidos tentaram intervir nas eleições parlamentares russas. Toda a mídia ocidental colocou-se contra Putin, que acusou os EUA de financiarem, com centenas de milhões de dólares, grupos oposicionistas. O embaixador norte-americano, McFaul, afirmou tratar-se de um grande exagero, e acrescentou que apenas algumas dezenas de milhões de dólares haviam sido doados a grupos da sociedade civil. Putin foi eleito novamente para a presidência em 2012 [após quatro anos como primeiro-ministro], já então obcecado com as ameaças ocidentais a seu poder. Em 2013, ele deu asilo ao ex-agente norte-americano Edward Snowden. Em represália, Obama cancelou um encontro bilateral – a primeira vez em que uma reunião de cúpula entre Washington e Moscou foi desmarcada, em cinquanta anos.
Em meio a tudo isso, houve a Primavera Árabe. A Rússia autorizou ação militar na Líbia, mas apenas para garantir ajuda humanitária. Ela foi utilizada para provocar mudança de regime, e Moscou sentiu-se enganada. Protestou, inutilmente. Então, surgiu a crise na Síria e o Ocidente tentou obter novamente o apoio da Rússia para uma mudança de regime – irritando-se com a recusa de Putin. Finalmente, agora, houve a bem conhecida intervenção na Ucrânia, para colocar o país na União Europeia e distante do bloco econômico eurasiano que a Rússia tenta criar.
O segundo ponto é que nenhuma ação política, exceto uma guerra, pode reduzir a Rússia à condição de um poder apenas local. É o maior país do mundo, em território. Estende-se das fronteiras da União Europeia até o Extremo Oriente. É, ao mesmo tempo, Europa e Ásia. Mantém rivalidade com a China na Ásia, tem conflitos territoriais com o Japão e está diante dos EUA no Estreito de Behring. É um produtor destacado de petróleo, membro permanente do Conselho de Segurança da ONU e tem um arsenal nuclear. Qualquer esforço para cercá-la ou enfraquecê-la, agora que o confronto ideológico ficou para trás, só pode ser visto como parte da velha política imperial.
A Rússia não é uma ameça, ao contrário da União Soviética. Seu PIB é 15% da Europa – que tem 500 milhões de habitantes e 16% das exportações mundiais. A China tem 1,3 bilhão de habitantes, e 9% do comércio mundial. A Rússia, apenas 145 milhões e 2,5% das exportações mundiais. Tem poucas indústrias, também porque Putin não está interessado na modernização do país, que inevitávelmente produziria um crescimento da classe de profissionais instruídos, que já se opõe a ele.
O terceiro ponto é que, portanto, a crise ucraniana deveria ser examinada melhor. É um Estado muito frágil, em que a corrupção controla a política e que vive problemas econômicos estruturais. Seu Oeste é mais rural; o Leste, mais industrializado. Os trabalhadores desta região sabem que um ingresso na Europa representaria o fim de muitas fábricas. No Oeste, muitos colocaram-se ao lado dos nazistas na II Guerra Mundial e há um movimento nacionalista forte, próximo ao fascismo. A Ucrânia é um problema muito caro e complicado.
É evidente que intervir apenas para desafiar Putin, e oferecer dinheiro (basicamente, o que fez a União Europeia) parece um pensamento muito tacanho. Estaria a UE preparada para mudar os critérios de pertencimento ao bloco, para aceitar um país que claramente não se adequa a eles; e a assumir um enorme peso, para aparecer como vencedora, na disputa contra um “homem forte”?
Isso finalmente nos leva ao quarto ponto. Putin é um ex dirigente da KGB, para quem a Rússia foi tratada injustamente, na dissolução da União Soviética. Todos os esforços para chegar a um entendimento com o Ocidente foram traídos, com sucessivas ampliações da OTAN, uma rede de bases militares cercando o país, um claro apoio do Ocidente a todas as oposições, um tratamento comercial medíocre. Ele sabe que estas opiniões sobre o declínio russo são compartilhadas por uma ampla maioria de cidadãos. Mas ele também é um autocrata arrogante, para dizer o menos, que nada tem feito para promover modernização econômica – porque, ao manter a produção e o comércio em suas mãos, conserva seu controle.
Para ele, a Ucrânia foi politicamente inaceitável. Ele está apresentando-se como defensor dos cidadãos russos, algo que lhe permite atuar em todos os lugares onde há minorias russas. A questão é: se Putin se for, haverá uma Rússia democrática, participatória, limpa, incorrompida? Aqueles que conhecem bem o país não acreditam nesta hipótese. Há inúmeros exemplos de que a remoção de autocratas não conduz à democracia por si mesma.
Portanto, haveria lógica em continua a cercar Putin, em nome da democracia? Isso não fortaleceria o próprio jogo do presidente, que associa sua imagem à de defensor dos russos? Eles também sofrem com a inércia da Guerra Fria e não veem o Ocidente exatamente como um aliado. Putin é hoje a única força de coesão na Rússia. Se ele se fosse, haveria, muito provavelmente, um longo período de caos. Isso certamente não interessa aos cidadãos russos… e é sempre perigoso praticar jogos de poder sem levar em conta a estabilidade da Europa… Claro, este não é o cálculo dos estrategistas ocidentais, que adorariam eliminar qualquer outro poder…
Como escreve Naomi Klein, o único vencedor, nesta disputa, são as empresas de energia. Elas estão fazendo campanha para que o mundo torne-se independente do petróleo russo. Portanto, vamos acelerar a produção petroleira nos EUA, a despeito dos notórios prejuízos ao ambiente. E vamos torcer para que a Europa deixe de usar gás russo – “nós exportaremos para eles”. Na verdade, não há estruturas para fazê-lo e seriam necessários muitos anos para criá-las… Mas exatamente no momento em que o mundo debate como controlar a mudança climática, e reduzir o uso de combustíveis fósseis, uma contra-estratégia importante é colocar o tema em segundo plano… Tarzi Vittach, um autor do Sri Lanka, disse, certa vez: “no fundo de tudo, há outra coisa”. Não há muitos exemplos de petróleo e democracia caminhando lado a lado…

Vestibulandos, atentem para o fato dos 20 anos do fim deste regime, vale a pena reforçar conhecimentos sobre o tema, postem comentários - África do Sul: 20 anos pós-apartheid

África do Sul: 20 anos pós-apartheid




A África do Sul vai às urnas dia 7 de maio. O contraste não poderia ser maior entre o período do fim do apartheid e o descontentamento com a situação atual.



por Emir Sader em 25/04/2014

Ao mesmo tempo em que comemora os 20 anos da eleição de Nelson Mandela como presidente e o fim do apartheid (24/4/1994), a África do Sul se prepara para sua quinta eleição presidencial, dia 7 de maio. O contraste não poderia ser maior entre a gestão final do regime de apartheid – simbolizado pela figura do Mandela, mais engrandecida ainda com as cerimônias da sua morte – e o descontentamento e o desânimo com as novas eleições presidenciais. 


O contraste é claro entre o consenso obtido pelo fim do apartheid e a sociedade que é a Africa do Sul hoje. A falta de interesse pela quinta eleição presidencial é um reflexo do que é hoje a sociedade sul-africana, convivendo com a miséria, a injustiça e a desigualdade. 


Os governos da ANC (Congresso Nacional Africano) aumentaram substancialmernte os investimentos sociais, o Estado pós apartheid criou mecanismos de participação popular.


No entanto, a promessa de que o fim do apartheid significaria “uma vida melhor para todos”, está longe de acontecer. Há uma diferença enorme entre a transformação política do fim do regime de apartheid e a manutenção das condições sociais herdadas do antigo regime.
    
É possivel compreender esse paradoxo a partir do próprio pacto político de transição para a África do Sul pos apartheid. As negociações de paz foram possíveis pela luta do povo sul-africano e pela solidariedade internacional, mas não foram suficientes para simplesmente derrubar o regime de apartheid, que contava com superioridade militar e com o apoio dos Estados Unidos. Os acordos representaram o fim do regime de apartheid, mas não trouxeram ao país a transformação democrática de suas estrututras econômicas.



Não significa que tudo seguiu igual. Os governos da ANC incrementaram os gastos em políticas sociais, se ampliou uma classe média negra e, sobretudo, aluns setores negros foram anexados à elite do pais. Mas a grande massa da população continua vivendo em condições miseráveis, com um desemprego que chegou já a superar os 20%, com índices que dobram essa cifra para a população negra.


Desde o começo do fim do apartheid, os governos sulafricanos fizeram acordos com o FMI, com todas as consequências que conhecemos. O momento do fim do apartheid coincidiu também com o fim da União Soviética e o clima do Consenso de Washington. O certo é que esses acordos entregaram aos negros - através de seu partido, o Congresso Nacional Africano - o controle da política, mas deixaram o controle da economia nas mãos dos brancos.


Os controles sobre a circulação de capitais foram afrouxados, empresas estatais foram privatizadas, não houve prioridade nas políticas sociais. A economia cresceu até a crise internacional iniciada em 2008, frente à qual a África do Sul não apresentou mecanismos de defesa, desarticulados por políticas econômicas neoliberais.



Como resultado do clima de desânimo e de desinteresse, Zuma deve se reeleger em maio para um segundo mandato, mas com muitos setores populares votando por pequenos partidos, alguns pelo DA – o principal partido opositor, liberal, com predomínio dos brancos – e com setores descontentes da própria ANC fazendo campanha por “Não votar”.


Depois do fim do apartheid a África do Sul teve um governo de Nelson Mandela, dois de Thabo Mbeki e um de Jacobo Zuma. Este pode pode ser o último da ANC, caso setores da oposição – liberais por um lado, agrupações  menores da esquerda por outro – consigam capitalizar o enorme descontentamento no país, a 20 anos  do regime pós-apartheid.

Está no ar - Os dias enfumaçados numa das cidades mais poluídas do planeta

Está no ar

Os dias enfumaçados numa das cidades mais poluídas do planeta

por IAN JOHNSON

Na arquitetura tradicional chinesa, os princípios do feng shui recomendam que as casas sejam guarnecidas de um pequeno muro a poucos metros da entrada, como proteção contra energias maléficas. Mas na cidade de Handan essas muretas passaram a servir de anteparo para as nuvens da fumaça acre e malcheirosa que exala das fábricas. Numa noite de verão em Sihoupo, bairro de 300 habitantes na Zona Oeste de Handan, as labaredas amarelas de uma fábrica de coque – derivado de carvão empregado na produção do aço – irrompiam no céu, saturando o ar com o cheiro de ovo podre. Para se obter o coque, concentra-se carvão betuminoso em tijolos, que então são usados como combustível dos fornos em que o ferro é fundido em aço. O processo também lança partículas cancerígenas na atmosfera. “Não podemos abrir as janelas à noite”, disse Hu Xuhui, um homem de 60 e tantos anos que mora em frente à fábrica. “Se os dias já são ruins, as noites são piores ainda.”
Handan, situada a 400 quilômetros a sudoeste de Pequim, tem um núcleo urbano de 1,4 milhão de habitantes e um vasto cinturão rural que conta com mais 8 milhões de pessoas. Fica ao lado das montanhas de Taihang, um maciço escarpado com picos pontiagudos que se espraia dos arredores de Pequim, no norte, até as bacias hidrográficas da fértil região sul do país. Durante milênios essas montanhas foram cenário de lendas e da história. Na mitologia chinesa, elas são a morada da deusa Nüwa, a criadora dos seres humanos; na história, com seus desfiladeiros estreitos, sempre estiveram nos cálculos de estrategistas militares. Hoje, graças às ricas jazidas de carvão e minério de ferro, as montanhas constituem importante centro da siderurgia no cenário global. Uma das províncias que fazem fronteira com o maciço de Taihang é Hebei, onde se estende Handan; só essa região responde por 10% da produção de aço em todo o planeta.
Embora a poluição em Pequim tenha atraído a atenção do mundo todo nos últimos anos, o dano ambiental é muito pior nas cidades industriais de menor porte. Segundo dados do governo, das dez cidades mais poluídas da China, sete ficam na província de Hebei, e Handan é uma delas. Nos dias ruins, não se consegue enxergar o outro lado de uma estrada de quatro pistas.
Ativistas e economistas vêm alertando, há décadas, que o boom econômico da China está arruinando o meio ambiente e criando sérios riscos à saúde. Um estudo recente relatou que em 2010 a poluição do ar contribuiu para 1,2 milhão de mortes prematuras no país – quase o dobro do número de baixas por malária em todo o mundo. Outro relatório observou que a poluição causada pelo processamento de carvão reduz em cinco anos e meio a expectativa média de vida no norte do país.
Não obstante as restrições impostas pelo governo à organização independente dos cidadãos, com o propósito de dificultar a formação de grupos de pressão, os moradores de Handan e das aldeias vizinhas estão falando mais livremente dos problemas que enfrentam. Mães contam que os filhos sofrem de doenças respiratórias crônicas. Idosos se queixam de problemas digestivos, que atribuem aos alimentos cultivados na região. E muita gente menciona vizinhos que estão morrendo de câncer. Até mesmo o governo reconheceu a existência de “aldeias do câncer”, que militantes identificaram em centenas de lugares, inclusive em Handan.
Sentada em sua sala, Song Lingdi, moradora de Sihoupo, segura uma foto plastificada do marido, um homem corpulento de 44 anos, o cabelo cortado à escovinha, que há três anos morreu de câncer de pulmão. Contou que já pediu indenização ao governo, mas teve sua petição negada. Moradores mais abastados erguem telhados de zinco no quintal, e é debaixo desse abrigo que as crianças devem ficar. Todos os dias as mulheres varrem a fuligem cinza, suficiente para encher vários baldes.

D
esde o século III, quando pela primeira vez se extraiu enxofre da região, Handan se destaca por ser um polo industrial. Posicionada no cruzamento de duas importantes rotas comerciais, a cidade também se sobressaiu como centro cultural, berço de centenas de expressões idiomáticas enraizadas no folclore e na história do país. Uma das mais conhecidas é Handan xue bu (Aprendendo a andar em Handan), referência à anedota de um rapaz do interior que ouve dizer que os moradores de Handan são tão sofisticados que andam de um modo especial. Ele vai à cidade para aprender o trejeito, em vão. Abatido, anos depois ele volta para casa e descobre que não se lembra mais de como ele mesmo caminhava. Só lhe resta engatinhar. Moral da história: se imitar os outros, você pode perder a si mesmo.

As origens modernas do poderio industrial de Handan remontam ao século XIX, quando Li Hongzhang, um dos administradores mais competentes da China, abriu uma mina de carvão nas cercanias. Ao assumir o poder, em 1949, o Partido Comunista viu na indústria pesada, e especialmente no aço, o caminho para a modernização do país. Em 1958, o governo fundou em Handan a siderúrgica Hansteel. No ano seguinte, durante o Grande Salto para a Frente, o camarada Mao foi até lá e vaticinou que a cidade, com seu “infindável tesouro em jazidas de ferro”, seria um pujante polo do aço. Soldados e civis trabalharam em turnos ininterruptos, transportando tijolos para os canteiros de obras, em bicicletas ou em carrinhos de mão.
No início a usina produzia apenas ferro de baixa qualidade. Em 1965, conseguiu gerar as temperaturas necessárias para o fabrico de aço, mas mesmo assim a escala da produção era pequena: em 1978, a Hansteel tirava menos de 200 mil toneladas de aço anuais. Naquele ano, porém, Deng Xiaoping assumiu o poder e promoveu reformas econômicas. A iniciativa privada, praticamente banida sob o governo de Mao, foi liberada. Em 1979, a China produziu 34,5 milhões de toneladas de aço; em 1996, a cifra ultrapassava os 100 milhões de toneladas.
À medida que a siderúrgica se expandia, ia engolindo as aldeias vizinhas ou deixava-as praticamente inabitáveis, tamanha a poluição. Muitos ainda se lembram das manifestações nos anos 80 e 90, quando as pessoas se deitavam nos trilhos das ferrovias para impedir a chegada de vagões carregados de carvão. A Hansteel começou a pagar à população do entorno uma “taxa anual de poluição” de algumas centenas de dólares, que os moradores dizem ainda receber.
A maior liberalização da economia nos anos 90 acelerou o crescimento, criando uma insaciável demanda por aço. Os fabricantes compravam do Ocidente, a um custo mínimo, siderúrgicas desativadas que eram remontadas na China. Em 2012, o país gerou 716 milhões de toneladas de aço, quase a metade do total mundial. A Hebei Steel, conglomerado do qual a Hansteel agora faz parte, é o maior fornecedor do país.
Mas a produção de aço segue o esquema comum a toda a economia chinesa: enquanto os empreendimentos bem-sucedidos atraem imitadores, raramente os ineficientes são eliminados. Protegidos pelos governos locais, os produtores em desvantagem perseguem obstinadamente uma participação de mercado, mesmo quando os lucros são pequenos. A implementação de técnicas de controle da poluição é outro problema. Ainda que o Ministério de Proteção Ambiental tenha mais poder hoje, as autoridades locais muitas vezes ignoram suas diretrizes. A prioridade delas é o crescimento econômico, há tempos o segundo fator determinante para a carreira de um funcionário público (evitar a agitação social é o primeiro). O avanço da indústria siderúrgica fez de Handan um lugar estratégico para políticos ambiciosos, que são rapidamente promovidos e logo assumem outros cargos.

Q
uando tentei agendar uma visita à Hansteel, as autoridades locais me avisaram que era proibido divulgar dados sobre a poluição na cidade. Se eu me demorava perto de uma fábrica, era logo enxotado por um funcionário do Partido, que alertava as pessoas para não falar comigo. Um conhecido, porém, concordou em me acompanhar numa visita. Fui de carro até lá com outro metalúrgico, um homem de 39 anos, magro e cheio de energia, chamado Han Zhigang.

Han era um operário de segunda geração; seus pais, originalmente agricultores de uma aldeia próxima, haviam se mudado para Handan durante a expansão da Hansteel, na era maoista. Eles tinham o que então era chamado de “tigela de arroz de ferro” – um emprego vitalício, com todas as vantagens proporcionadas por uma grande empresa estatal num sistema comunista: creche, escola e assistência médica gratuitas, além de subsídios para moradia e alimentação.
Vimos um teatro novo, parques públicos amplos e ruas agradáveis no centro da cidade, margeadas pelas frondosas árvores de Ginkgo biloba. No entanto, conforme nos aproximávamos de Hansteel, a estrada ia ficando esburacada, em decorrência do pesado tráfego de caminhões que transportam carvão para as usinas de lavagem. Uma dessas fábricas, à nossa esquerda, estava temporariamente fechada, graças a uma iniciativa antipoluição do governo central. Passamos sob uma ferrovia por onde transitam composições de cinquenta vagões abarrotados de carvão, destinados à Hansteel.
Vinte anos atrás, quando cursava a escola técnica, Han conseguiu uma colocação como vendedor de mapas numa firma no sul da China. Naquela época, havia muita oferta de novos empregos no setor privado, com salários muito mais altos que os oferecidos pelas empresas estatais. Os pais de Han, porém, não concebiam nada mais seguro do que um emprego na Hansteel, e pediram que ele voltasse. Han, por seu lado, temia que sua geração tivesse sido muito poupada. “Eu achava que não seria capaz de dar duro”, disse ele. “Por isso pleiteei um emprego bem na frente do alto-forno. Queria experimentar a vida numa siderúrgica.” Depois de quatro anos despejando ferro fundido, ele obteve uma vaga no departamento de logística da fábrica.

O
complexo da Hansteel abrange cerca de 600 hectares, um terço da área de Handan. Percorremos de carro sua divisa meridional, uma rua que exibia apenas restaurantes fechados com tabiques e outros prédios dilapidados. A estrada era inteiramente negra, com o pó de carvão entranhado no solo. Estacionamos diante dos portões da fábrica. Saí do carro de Han e passei para o carro do meu contato, a quem chamarei de Teng. Superamos os últimos dois postos de controle e entramos na Hansteel.

As ruas no interior do complexo eram ladeadas de choupos recém-plantados e arbustos com flores vermelhas, roxas e amarelas. Viam-se gramados bem cuidados, cercas vivas perfeitamente aparadas, irrigadores automáticos. Mulheres com chapéus de palha tratavam do jardim. Uma grande faixa dizia: “Espalhe o espírito da Hansteel. Juntos forjaremos o sonho da China.”
Teng explicou que a fábrica havia instalado um novo equipamento para recolher o pó de carvão nos altos-fornos, e vedara o depósito de minério de ferro, antes a céu aberto, de modo a impedir que o vento espalhasse a fuligem. Caminhões patrulhavam as ruas, aspirando sujeira e cinzas, lavando o chão. Antigamente, diziam que uma pessoa perdia trinta anos de vida no momento em que cruzasse os portões da siderúrgica; hoje, a siderúrgica era o local mais limpo da cidade. A Hansteel seria o sonho de consumo de qualquer inspetor de Pequim.
Embora a fábrica de coque do complexo fosse bem maior do que a de Sihoupo, era mais limpa, porém mais intensamente se sentia o fedor de enxofre. Alguns homens empurravam carrinhos cheios de equipamentos e de lixo. Outros, sentados no meio-fio, com a aparência exausta, fumavam. Teng me disse que essa seção, aberta em 2008, era moderna e muito lucrativa, e contava com apenas 4 mil empregados. Numa unidade vizinha, mais antiga, com equipamentos antiquados e menor controle de poluição – e operando no vermelho –, trabalhavam 20 mil pessoas. Se a Hansteel, de longe o maior empregador da região, fechasse aquela unidade, seria uma empresa mais ecológica e ainda mais lucrativa, mas precisaria demitir milhares de trabalhadores. “Acho que não se pode fazer isso em nenhum país do mundo, não é mesmo?”, perguntou Teng, retórico. A produção em grande escala e também o emprego em grande escala fazem parte da responsabilidade social da empresa, acrescentou.
Saí da fábrica e caminhei pelas redondezas. Num bairro chamado Mengwu, conversei com Yang Xiu-ying, uma mulher de seus 50 anos que trabalha algumas horas por dia varrendo o pó de carvão de uma das avenidas da Hansteel. Como muitos moradores, ela ainda externava amargura ao falar das terras apropriadas pela siderúrgica em suas várias expansões. E descreveu a poluição de anos piores: “Caía uma chuva negra”, disse ela. “Não dava para vestir roupas brancas.”
A fuligem negra já não domina o centro urbano de Handan, mas as casas em Mengwu e outros bairros são sacudidas a cada poucos minutos pelos trens que transportam carvão. Algumas apresentam rachaduras nas paredes. Os moradores pediram indenização ao governo, e nada. Tal como a maioria das pessoas que mora perto de fábricas, Yang não tinha nenhuma expectativa de mudança. “Não se pode lutar contra a Hansteel. A cidade de Handan é a Hansteel”, disse ela, me dando as costas.

D
urante décadas, o governo chinês ignorou a poluição, ou pelo menos tentou acobertá-la. Em 2007, temendo agitação social, Pequim pressionou o Banco Mundial a censurar um relatório sobre as mortes provocadas pela poluição no país. Depois de um vazamento de anilina numa fábrica de produtos químicos em Jilin, 1 200 pessoas sofreram de convulsões, náusea, dificuldade respiratória e paralisia temporária.

A Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos classifica a anilina como provável agente cancerígeno; na Europa, desde o século XIX essa substância tem sido associada a surtos de câncer em cidades industriais ao longo do Reno. As autoridades sanitárias de Pequim, porém, atribuíram os sintomas a uma “histeria coletiva”; no hospital onde estavam sendo medicadas, as vítimas foram aconselhadas a se controlar. Em 2009, depois que a embaixada americana em Pequim passou a divulgar pelo Twitter os índices de poluição aferidos pelo monitor instalado em seu telhado, uma autoridade do Ministério de Relações Exteriores da China se queixou de que os Estados Unidos estavam se intrometendo nos assuntos internos do país.
Contudo, no início de 2013 o governo chinês resolveu tornar públicos dados da poluição atmosférica em 74 cidades – registros de leituras, de hora em hora, das estações de monitoramento em cada uma das cidades (Handan tem quatro), com base numa escala chamada Índice de Qualidade do Ar. A escala adota uma medida conhecida como MP2,5 – ou Material Particulado 2,5 –, que quantifica a concentração de partículas menores que 2,5 micrômetros. Quando inaladas, essas partículas podem aumentar o risco de ataques cardíacos, câncer e infecções respiratórias agudas, sobretudo em crianças e idosos.
Ativistas ambientais na China acreditam que a divulgação de dados pode ser uma tática do Ministério de Proteção Ambiental para criar uma pressão pública que obrigue as alas pró-indústria do governo a aceitar controles de poluição mais rigorosos. Outros sinais de mudança nas atitudes oficiais vêm ocorrendo. Em maio de 2013, Xi Jinping, o novo líder da China, declarou que a proteção ambiental seria um dos fatores para avaliar o desempenho de funcionários administrativos candidatos a promoção. Em julho, o governo noticiou que, para melhorar a qualidade do ar, nos próximos cinco anos iria gastar uma verba de 270 bilhões de dólares, grande parte dela destinada à região em torno de Handan.

A
s ações do governo refletem a conjectura de que a poluição é uma das poucas questões capazes de suscitar o desagrado de setores amplos da população, de todas as classes e etnias. Como o Partido fez da elevação dos padrões de vida seu parâmetro de sucesso, a poluição ambiental e os problemas de saúde que ela provoca minam a sua credibilidade. Em Pequim, Li Bo, veterano do movimento ambientalista chinês, me disse que a poluição “põe em questão a legitimidade do Partido, e o Partido sabe disso”.

Li trabalhou vinte de seus 43 anos em causas ambientais, e hoje é membro do conselho da mais antiga ONG ambientalista da China, Amigos da Natureza. As leis chinesas fazem de tudo para impedir que as ONGs se organizem em nível nacional, mas a Amigos da Natureza, com sede em Pequim, tem filiais em todo o país. Desde o final da década de 90, a ONG conseguiu questionar um projeto de hidrelétrica no rio Yang-tze e impedir a derrubada da floresta virgem na província de Yun-Nan, além de lutar pela preservação do antílope tibetano. No momento, sua campanha mais intensa está voltada para uma “aldeia do câncer” em Yun-Nan, onde durante anos uma fábrica de produtos químicos despejou dejetos tóxicos que escoaram para os reservatórios de água. A Amigos da Natureza vem ajudando os moradores a entrar com uma ação judicial com vistas a uma indenização: é a primeira vez que uma organização ambiental consegue levar ao tribunaluma indústria de produtos químicos.
As novas liberdades, segundo Li, vêm acompanhadas de limites claros. “Todo mundo fala da poluição, mas aquele que resolver seguir o curso de um determinado agente poluente até chegar ao poluidor corre o risco de acabar em apuros”, disse ele. “As autoridades locais podem alegar que o sujeito está prejudicando o progresso.”
Em Pequim também conheci Wang Jun e Zhang Bin, engenheiros de software que desenvolveram um aplicativo para smartphone chamado Índice de Qualidade do Ar da China. O aplicativo teve tanto sucesso que eles estavam pensando em alugar um escritório, em vez de trabalhar em seus apartamentos. O programa é capaz de calcular os níveis de poluição atmosférica do bairro, com atualizações de hora em hora e dados que remontam a meses. Pode-se passar horas acompanhando o rastro da poluição, observando a trajetória das nuvens de ar poluído pelas cidades e províncias.
Por vezes o índice registrado numa determinada estação salta de 100 ou 200 – marca que já é de dez a vinte vezes maior que a meta da Organização Mundial de Saúde – para algo como 800. A razão dessas flutuações não é clara: podem ser erros de aferição, pode ser que o equipamento de medição esteja no meiode um rolo de fumaça lançado de uma fábrica vizinha. Ninguém sabe responder com precisão. Mais importante que essas flutuações momentâneas são os dados diários e mensais, que refletem os efeitos de longo prazo sobre a saúde da população. A média do MP2,5 em Handan no primeiro semestre de 2013 foi de 130,5. A de Pequim foi 101,3 e a de Manhattan foi de 8,3. As diretrizes da OMS dizem que qualquer partícula é potencialmente prejudicial, mas estabelece uma meta de MP2,5 no nível 10. Em outras palavras, a concentração em Handan era treze vezes pior do que a meta da OMS.
Zhang e Wang abraçaram a causa ambientalista por acaso. “Na verdade, antes não prestávamos atenção à poluição, mas em 2011 houve um período de péssima qualidade do ar”, disse Zhang. “E então nos perguntamos se não haveria uma maneira mais fácil de acompanhar os índices.” No início, o aplicativo só contava com informações vindas dos tuítes da embaixada e do Consulado dos Estados Unidos, mas no início de 2013 os dois atualizaram o software de modo a incluir novos dados do governo, informações históricas, comparações entre cidades, e ainda a capacidade de localizar qualquer estação de monitoramento. O aplicativo já foi baixado 2 milhões e meio de vezes – das quais 58 mil ocorreram depois de um infame dia de janeiro de 2013, quando uma nuvem de poluição em Pequim provocou o cancelamento de ​​voos e levou firmas estrangeiras a distribuir máscaras para seus funcionários. Agora, Zhang e Wang contabilizam em média 4 mil downloads por dia, e estão pensando em expandir o negócio para outros países. Disseram que, embora o governo não tenha interferido em seu trabalho, a vigorosa resposta do público deixou as autoridades nervosas.

N
um sábado de manhã, em um cume silencioso das Montanhas Taihang, participei de um encontro no Clube de Montanhismo Luz do Sol. A associação foi fundada por Han, o metalúrgico que me conduziu até a fábrica. No final dos anos 90, ele começou a organizar excursões para as montanhas. “Eu não tinha um objetivo; queria apenas caminhar com amigos”, disse ele. “Trabalhava na siderúrgica, e talvez inconscientemente sentisse que precisava do contato com a natureza.”

Depois de casar e ter uma filha, ele levou a menina para as montanhas, para fazê-la sentir o ar puro. Em 2008, o clube já tinha tomado forma. Através dele, Han conheceu outras pessoas que não trabalhavam na siderurgia – eram funcionários do governo, profissionais liberais e empresários. Nesses contatos, descobriu que havia uma insatisfação generalizada com a forma pela qual a China, em nome do crescimento econômico, desprezara outros fatores.
Anos atrás, Han arrendou 10 hectares nas montanhas, um lote no qual membros do clube poderiam plantar verduras orgânicas. Com a ajuda de agricultores locais, ele espera, no futuro, abrir um restaurante orgânico e também cultivar hortas que possam oferecer verduras frescas. “As pessoas não confiam nos legumes vendidos na cidade”, disse ele, enquanto atravessávamos campos recém-arados. “Acham que está tudo envenenado.”
Han nos guiou até um terreno baldio repleto de aipo-silvestre. O dia estava claro, tanto quanto podem ser claros os dias em Handan, ou seja, o ar estava umas cinco vezes mais poluído que em Manhattan. De vez em quando se vislumbrava um pequeno retalho de azul no céu. Enquanto os adultos colhiam aipo em sacos plásticos, as crianças correram para uma fazenda abandonada e subiram no telhado da sede. Han tinha esperanças de reformar a casa e transformá-la num clube.
Nossas sacolas acabaram abarrotadas de brotos verdes; planejamos preparar guiozas para o almoço. Um dos amigos de Han, um ex-metalúrgico de cabeça raspada que atende pelo apelido de Macaco, veio nos buscar num jipe Cherokee roxo, “envenenado” com enormes pneus, luzes na capota e um barulhento motor a diesel retirado de um ônibus. Descemos as colinas em zigue-zague, parando numa cidadezinha para comprar carne de porco. De repente fomos engolfados por uma nuvem de poeira. Han gritou “As janelas!”, e Macaco fechou os vidros imediatamente.
Na casa de outro amigo de Han, recheamos os guiozas com aipo e carne de porco, jogando conversa fora. Contaram que as mulheres haviam começado a usar máscaras de algodão emendadas em echarpes, para proteger a garganta e o peito contra a fuligem. (Algumas semanas depois notei essas mesmas echarpes em Pequim.)
Uma funcionária do Partido Comunista que treina trabalhadores das indústrias de base fazia parte do grupo. Seria natural esperar que a jovem, um quadro em ascensão no Partido, ficasse na defensiva em relação à política ambiental do governo, mas ela foi direta. “Todo mundo está ciente do problema, e há o desejo explícito de melhorar a situação”, disse ela. “Estamos treinando gerentes de controle da poluição. As coisas não podem continuar assim.” Ela entrou para o clube porque se preocupava com a saúde da filha.
Em geral, operários e funcionários burocráticos do governo não se encontram socialmente, mas Han animou a conversa com piadas descontraídas. “Conhecem aquela do sujeito de Handan que foi para a Suíça? Lá o ar era tão puro que ele começou a se sentir mal. Tiveram que arranjar um tubo e ligar no cano de escapamento de um carro, para ele respirar um pouco até se sentir melhor."

P
ouco antes de partir, fui até um braço do rio Zhuozhang com Wang Xiaohong, ex-funcionário público que é diretor do Clube de Natação de Inverno da cidade, uma agremiação bastante parecida com a dos excursionistas. Wang – que, junto com a mulher, tem uma loja de chá – reúne o grupo há vários anos, em locais onde o rio forma piscinas próprias para a natação. Depois do vazamento químico de 2013, o clube entrou com um processo contra a fábrica, mas abandonou o caso, ao que tudo indica sob pressão do governo. Mesmo assim, os membros estavam decididos a continuar dando suas braçadas.

Wang é adepto do taoismo, a religião nativa da China, que valoriza a proximidade com a natureza. Durante boa parte dos últimos dois milênios, o taoismo foi eclipsado politicamente pelo confucionismo, mais voltado para a família e a sociedade. Mark Elvin, professor emérito de história chinesa na Universidade Nacional da Austrália, já argumentou que o descaso da China pelo meio ambiente tem raízes nessa tradição. O governante ideal, segundo Confúcio, vê o domínio sobre a natureza como parte do triunfo da humanidade sobre a barbárie. Os filósofos taoistas ficaram em minoria.
Han, a julgar pelo pouco tempo que convivemos, me pareceu mais confucionista do que taoista. Seu clube nas montanhas proporciona um refúgio contra a poluição, mas também confere reconhecimento social ao metalúrgico. Já o interesse de Wang pelo meio ambiente está perfeitamente integrado a suas outras atividades – meditar, praticar a caligrafia chinesa e distribuir exemplares do texto clássico Tao Te Ching:O Livro do Caminho e da Virtude, uma das bases filosóficas do taoismo.
Quando chegamos à margem do rio, Wang perguntou se eu me importaria de nadar nu. Cerca de vinte homens tinham aparecido naquele dia e já estavam se despindo. Fiz o mesmo, pensando que pelo menos minha sunga seria poupada daquela água tóxica (mas não abri mão dos meus óculos de proteção). A água estava fria e refrescante. Wang foi o primeiro a mergulhar – um homem de 46 anos, de ombros largos, cabelo à escovinha e uma barba triangular destacada pelas costeletas finas.
Começamos num ritmo acelerado. Virei-me para o nado de costas, e alguém chegou nadando de peito, espanando água com braçadas irregulares. Engoli um bocado de água: tinha um gosto azedo, como uma piscina suja que acabasse de receber uma vasta dose de cloro.
“Essa água é limpa?”, perguntei.
“Não é potável”, disse Wang. “Mas o que não mata engorda.”
“Por que aqui só nadam homens?”
“Alguns anos atrás a qualidade da água era tão ruim que nossas associadas não queriam entrar no rio”, disse ele. “Os homens não se importavam. Depois de algum tempo, já que não havia mais mulheres, decidimos que tudo bem tirar a roupa e nadar nu.”
O produto químico que vazou no rio Zhuozhang era anilina. Se tivesse sido o único derramamento, estaríamos livres de perigo, pois ocorrera havia seis meses – e produtos químicos se dissolvem na água. Mas a julgar pelo número de fábricas nas margens do rio, seria difícil identificar a composição daquela água. “Vamos voltar”, gritei, e a corrente nos levou de volta para a orla.
Fomos até a loja de chá de Wang, forrada de prateleiras de aço onde se empilham tijolinhos de chá envelhecido tipo pu’er e bules de louça de Yixing, cidade famosa pela cerâmica. Há também saletas onde se pode meditar e tomar chá. Wang me disse que entre os membros do clube de natação havia muitos diretores de empresas. “O PIB”, e aqui ele usou a sigla em inglês, GDP, “não significa nada se uma pessoa não curte a vida.”
Nós nos despedimos, e saí em busca de alguma coisa para o jantar. Dei uma olhada no aplicativo do Índice de Qualidade do Ar, e meu smartphone mostrou que, naquele momento, Handan era a cidade mais poluída de toda a China. Dava para enxergar o foge respirar a fumaça. As diretrizes do governo pregavam que em dias assim as pessoas deveriam usar máscaras e não sair de casa. Passei por um parque onde havia um grupo de idosos que dançava ao som de uma música que saía dos alto-falantes. Naquele nevoeiro amarelo, eles pareciam flutuar.
Conversei com uma dançarina aposentada que estava tocando uma espécie de flauta feita com uma cabaça e três tubos de bambu. Segundo ela, é melhor ficar no parque do que em casa, pois há mais oxigênio perto das plantas. Encontrei uma barraquinha de kebab, com uma mesinha e cadeiras, ao lado de um antigo canal, agora seco e cheio de lixo. Do outro lado, uma estátua imortalizava a historieta do homem que tentou imitar os habitantes locais. Seu corpo estava todo desconjuntado e os joelhos meio dobrados. Ele ainda não tinha dominado o jeito de andar de Handan. 

segunda-feira, 28 de abril de 2014

Os escândalos que assombram a canonização de João Paulo II

Os escândalos que assombram a canonização de João Paulo II



João Paulo II, o papa que promoveu e encobriu pedófilos e violadores da Igreja, recebeu, ao mesmo tempo em que João XXIII, a canonização.


Eduardo Febbro




Créditos da foto: Arquivo

Arquivo


Vítimas, que vítimas? – perguntou o cardeal Velasio de Paolis. E acrescentou: “Não são apenas estas vítimas”. Depois houve um silêncio de corpo e alma e o olhar um tanto perdido do superior geral dos Legionários de Cristo, nomeado em 2010 para esse cargo pelo então papa Joseph Ratzinger. À pergunta de de Paolis se seguiu uma resposta: as vítimas não eram só os milhares de menores que sofreram com os apetites sexuais das batinas hipócritas, mas também o próprio Vaticano. As vítimas não eram unicamente os menores ou adultos abusados e violentados pelo padre Marcial Maciel, o fundador dessa indústria dos atentados sexuais que foi, durante seu mandato, o grupo dos Legionários de Cristo. A vítima era a Santa Sé, que foi “enganada”.



João Paulo II, o papa que, entre outros horrores, promoveu e encobriu pedófilos e violadores da Igreja, recebeu, ao mesmo tempo em que João XXIII, a canonização. Para além do espetáculo obsceno montado para esta ocasião, dos milhares de fieis na Praça de São Pedro, dos três satélites suplementares para transmitir o ato, para além da fé de muita gente, a canonização do papa polonês é uma aberração e um ultraje para qualquer cristão do planeta. Declarar santo a Karol Wojtyla é se esquecer do escandaloso catálogo de pecados terrestres que pesam sobre este papa: amparo dos pedófilos, pactos e acordos com ditaduras assassinas, corrupção, suicídios jamais esclarecidos, associações com a máfia, montagem de um sistema bancário paralelo para financiar as obsessões políticas de João Paulo II – a luta contra o comunismo -, perseguição implacável das correntes progressistas da Igreja, em especial a da América Latina, ou seja, a frondosa e renovadora Teologia da Libertação.



O “vítimas, que vítimas?” pronunciado em Roma pelo cardeal Velasio de Paolis encobre toda a impunidade e a continuidade ainda arraigada no seio da Igreja. Jurista e especialista em Direito Canônico, De Paolis fazia parte da Congregação para a Doutrina da Fé na época em que – anos 80 – se acumulavam as denúncias contra Marcial Maciel. No entanto, foi ele quem firmou a segunda absolvição do sacerdote mexicano. O ex-padre mexicano Alberto Athié contou à Carta Maior como Maciel sabia distribuir dinheiro e favores para comprar o silêncio das hierarquias. Athié renunciou em 2000 ao sacerdócio e se dedicou à investigação e denúncia dos abusos sexuais cometidos por clérigos e organizações.



O destino de Maciel foi selado por Bento XVI a partir de 2005. Em 2004, antes da morte de Karol Wojtyla, Maciel foi honrado no Vaticano. Neste mesmo ano, Ratzinger reabriu as investigações contra os Legionários. O dossiê Maciel havia sido bloqueado em 1999 por João Paulo II e mantido invisível por outra das figuras mais soturnas da cúria romana, Angelo Sodano, o ex-secretário de Estado de Giovanni Paolo. Sodano é uma pérola digna de figurar em um curso de manobras sujas. Decano do Colégio de Cardeais, ele tinha negócios com os Legionários de Cristo. Um sobrinho dele foi um dos assessores nomeados por Maciel para construir a universidade que os legionários de Cristo têm em Roma, a Universidade Pontífica Regina Apostolorum.



Sodano, que foi o número dois de Juan Paulo II durante quase 15 anos, tinha um inimigo interno, Joseph Ratzinger, um clube de simpatias exteriores cujos dois membros mais eminentes eram o ditador Augusto Pinochet e o violador Marcial Maciel. Sodano e Ratzinger travaram uma batalha sem tréguas: o primeiro para proteger os pedófilos, o segundo para condená-los. Em 2004, Ratzinger obrigou Maciel a se demitir e a se retirar da vida pública. Dois anos depois, já como Bento XVI, o papa o suspendeu “a divinis”. As investigações reabertas por Ratzinger demonstraram que Maciel era um pederasta, tinha duas mulheres, três filhos, várias identidades diferentes e manejava fundos milionários.
As denúncias prévias nunca haviam passado o paredão levantado por Sodano e o hoje Santo João Paulo. A carreira de Sodano é uma síntese do Papado de Karol Wojtyla, onde se mesclam os interesses políticos, as visões ideológicas ultraconservadoras, a corrupção e as manipulações. Angelo Sodano foi Núncio no Chile durante a ditadura de Pinochet. Manteve uma relação amistosa com o ditador e isso permitiu que organizasse a visita que João Paulo II fez ao Chile em 1987. Seu irmão Alessandro foi condenado por corrupção após a operação Mãos Limpas. Seu sobrinho Andrea teve a mesma sorte nos Estados Unidos. O FBI descobriu que Andrea e um sócio se dedicavam a comprar – mediante informação privilegiada – por um punhado de dólares as propriedades imobiliárias das dioceses dos Estados Unidos que estavam em bancarrota devido aos escândalos de pedofilia.



Mas o mundo sucumbiu ao grito de “santo súbito” que reclamava a canonização de um homem que presidiu os destinos da Igreja em seu momento mais infame e corrupto. O papa “viajante”, o papa “amável”, o papa “dos jovens”, era um impostor ortodoxo que deixou desprotegidas as vítimas dos abusos sexuais e os próprios pastores da Igreja quando estes estiveram com suas vidas ameaçadas.
Sua visão e suas necessidades estratégicas sempre se opuseram às humanas. Na trama desta história também há muito sangue, e não só de banqueiros mafiosos como Roberto Calvi ou Michele Sindona, com quem João Paulo II se associou para alimentar com fundos secretos os cofres do IOR (Banco do Vaticano), fundos que serviram para financiar a luta contra o comunismo no leste europeu e contra  a Teologia da Libertação na América Latina.



João Paulo II deixou desprotegidos os padres que encarnavam, na América Latina, a opção pelos pobres frente às ditaduras criminosas e seus aliados das burguesias nacionais. Em 2011, cinquenta destacados teólogos da Alemanha assinaram uma carta contra a beatificação de João Paulo II por não ter apoiado o arcebispo salvadorenho Óscar Arnulfo Romero, assassinado em 24 de março de 1980 por um comando paramilitar da extrema-direita salvadorenha, enquanto celebrava uma missa. Romero sim que é e será um santo. O arcebispo enfrentou os militares para pedir-lhes que não assassinassem seu povo, percorreu bairros, zonas castigadas pela repressão e pela violência, defendeu os direitos humanos e os pobres. Em resumo, não esperou que Bergoglio chegasse a Roma para falar de “uma Igreja pobre para os pobres”. Não. Ele a encarnou em sua figura e pagou com sua vida, como tantos outros padres aos quais o Vaticano taxava de marxistas ou comunistas só porque se envolviam em causas sociais.



João Paulo II é um santo impostor que traiu a América Latina e aqueles que, a partir de uma igreja modesta, ousaram dizer não aos assassinos de seus povos. Se, no leste europeu, João Paulo II contribuiu para a queda do bloco comunista, na América Latina favoreceu a queda da democracia e a permanência nefasta de ditaduras e sua ideologia apocalíptica. Um detalhe atroz se soma à já incontável dívida que o Vaticano tem com a justiça e a verdade: o expediente de beatificação de Óscar Romero segue bloqueado nos meandros políticos da Santa Sé. João Paulo II beatificou Josemaría Escrivá, o polêmico fundador da Opus Dei e um de seus protegidos. Mas deixou Romero de fora, inclusive quando estava com sua vida ameaçada. “Cada vez mais sou um pastor de um país de cadáveres”, costumava dizer Romero.



João Paulo II foi eleito em 1978. No ano seguinte, Monsenhor Romero entregou a ele um informe sobre a espantosa violação dos Direitos Humanos em El Salvador. O papa ignorou o informe e recomendou a Romero que trabalhasse “mais estreitamente com o governo”. Como lembrou à Carta Maior Giacomo Galeazzi, vaticanista de La Stampa e autor de uma magistral investigação, “Wojtyla Secreto”, em “seus 25 anos de pontificado nenhum bispo latinoamericanao ligado à ação social ou à Teologia da Libertação foi nomeado cardeal por João Paulo II”. A resposta está em uma frase de outro dos mais dignos representantes da “Igreja dos Pobres”, o falecido arcebispo brasileiro Hélder Câmara. “Quando alimentei os pobres me chamaram de santo; mas quando perguntei por que há gente pobre me chamaram de comunista”.



O show universal da canonização já foi lançado. A imprensa branca da Europa tem a memória muito curta e sua cultura do outro é estreita como um corredor de hospital. Todos celebram o grande papa. Ela promoveu à categoria de santo um homem que tem as mãos sujas, que cometeu a infâmia de encobrir violadores de crianças, de beijar ditadores e legitimar com isso o rastro de mortos que deixavam pelo caminho, de negociar benefícios para a máfia, que sacrificou em nome dos interesses de uma parte da Europa a misericórdia e a justiça de outros, entre eles os da América Latina. Estão canonizando um trapaceiro. O cúmulo da esperteza, do erro imemorial.
Em que altar se ajoelharão as vítimas dos abusadores sexuais e das ditaduras? Podemos levantar todos juntos um lugar aprazível e justo na memória com as imagens do padre Múgica ou do Monsenhor Romero para nos reencontrarmos com a beatitude o sentido de quem, por um ideal de justiça e igualdade, enfrentou a morte sem pensar nunca em si mesmo, ou em baixas vantagens humanas.




Tradução: Marco Aurélio Weissheimer



De namorados a sabonete de leite materno: 10 itens incomuns à venda online na China

De namorados a sabonete de leite materno: 10 itens incomuns à venda online na China



Atualizado em  27 de abril, 2014

O Taobao é um dos maiores sites de comércio online do mundo, uma espécie de combinação do site de leilões eBay com o de vendas Amazon. Gigantesco, seus 500 milhões de usuários registrados vendem, em média, quase 50 mil produtos por minuto.
O site tem duas áreas distintas: o TMall, onde donos de marcas conhecidas vendem diretamente para consumidores, e o Taobao Marketplace, onde companhias menores montam suas "bancas" virtuais.
No dia 11 de novembro de 2013, quando o Taobao fez sua liquidação anual, vendas totalizando 1 bilhão de yuan (US$ 161 milhões) foram realizadas em apenas seis minutos. O total de vendas no dia ultrapassou os 35 bilhões de yuan (US$ 5,6 bilhões).
Com mais de 800 milhões de itens anunciados, existe tudo que é tipo de produto no Taobao, inclusive alguns bastante inusitados.
Confira alguns dos produtos que estão disponíveis no site.

1. Drone

Em novembro, rebeldes sírios anunciaram que haviam derrubado um drone operado por forças do governo.
Assim que as fotos do drone apareceram na internet, o aparelho foi identificado como um produto vendido no Taobao por uma companhia chinesa.
O DJI Phantom 2 Quadcopter é um aparelho voador acoplado de uma câmera embutida e controlado remotamente.
O Quadcopter atingido pelos rebeldes sírios é vendido na loja da DJI Innovations no TMall por cerca de US$ 800.
Números publicados pelo site mostram que a loja DJI vendeu 134 modelos Phantom 2, 80 destes, no mês passado. Não dá para saber se a publicidade gerada pelo conflito sírio contribuiu para um aumento nas vendas.

2. Namorado de Aluguel

Assim como o Natal no Ocidente, o Ano Novo Chinês é uma ocasião para reuniões familiares. Para muitos homens e mulheres solteiros, esses encontros podem ser estressantes, especialmente quando os parentes começam a fazer perguntas incômodas.
No período que antecedeu as comemorações do Ano Novo chinês, houve uma explosão de anúncios por homens oferecendo seus serviços de "namorados de faz de conta".
Um dos anunciantes oferecia uma lista de opções e preços:
  • Para viagens para visitar a família em outras cidades, 800 yuan por dia (US$ 129).
  • Para acompanhar a cliente durante as compras, 150 yuan por hora (US$ 24).
  • Para ouvir reclamações ou xingamentos, ajudando a cliente a se livrar de energias negativas, 50 yuan por 20 minutos (US$ 8).
Com o fim das festas do Ano Novo, os anúncios foram retirados. Portanto, não se sabe que tipo de retorno financeiro eles produziram.

3. Escorpiões Vivos

No Taobao, escorpiões vivos são um produto muito procurado. Mais de 800 lojas virtuais oferecem variedades diversas, do imperador africano, vendido como bicho de estimação, ao escorpião chinês com cauda de armadura, vendido vivo, porém usado como alimento.
Os escorpiões são vendidos por cerca de US$ 1,60 a dúzia.
Uma das lojas - que alega ser uma das maiores fornecedoras de escorpiões do site - publicou fotos das embalagens para assegurar aos consumidores de que os escorpiões são embalados de forma segura.
A loja também esclarece que as embalagens contêm instruções para que clientes desempacotem os escorpiões em segurança ao recebê-los.
Os consumidores mais delicados podem optar por comprar o produto já fervido ou frito.

4. Sabonete de Leite Materno

Um produto que se tornou bastante popular no Taobao são sabonetes feitos - supostamente - à base de leite materno.
Uma vendedora explica em sua página que usa seu próprio leite para fabricar seu sabonete, porque seu filho não consegue tomar tudo.
"Eu costumava jogar tudo no ralo, mas achava um desperdício", ela escreve.
A vendedora publicou uma foto de si própria segurando o bebê ao lado de fotos dos sabonetes, pequenos, em formato de flor ou de coração. Os sabonetes de leite materno seriam suaves, podendo ser usados por adultos e bebês, diz a vendedora.

5. Produto para Embranquecer a Pele

Wang Xiafeng, de 32 anos, é conhecido por milhares de consumidores do Taobao como Irmão Terra.
Três anos após ter abandonado uma bem sucedida carreira em marketing, Wang comanda uma das mais conhecidas marcas de alimentos "da fazenda" do Taobao.
"Meus pais ficaram muito preocupados quando larguei meu emprego em Xangai", disse Wang. "Mas consegui meu primeiro freguês dois dias depois de abrir (a loja virtual) e nunca mais olhei para trás".
Hoje, Wang vende mais de 20 variedades de produtos em sua loja, de sementes de lótus a salsichas caseiras.
Entre os mais vendidos de sua loja virtual está um produto à base do legume conhecido como buchinha do norte ou cabacinha (Luffa Operculata). Muitos acreditam que esse legume tem propriedades amaciadoras e embranquecedoras da pele.

6. Talismãs Taoístas

O Taoísmo é uma filosofia e religião milenar profundamente arraigada na cultura chinesa.
Dezenas de lojas no Taobao são administradas pelos Daoshi, o clero taoísta, e oferecem um talismã conhecido como Fu. O talismã, acredita-se, tem o poder de trazer sorte e de afastar infortúnios na vida do comprador.
Um tipo bastante popular de Fu é usado para acalmar bebês que choram. Os preços de Fus variam bastante: de menos de um centavo de dólar até US$ 26 mil.

7. Marmite

Iguarias de diversas partes do mundo podem ser encontradas na China.
No entanto, o Marmite - tradicional pasta à base de levedura de cerveja, típica da Grã-Bretanha, normalmente comida no pão, com um pouquinho de manteiga ou margarina - não está disponível em qualquer supermercado chinês.
Adeptos do alimento podem recorrer ao Taobao, onde lojas oferecem diferentes variedades do produto, inclusive de outras marcas (por exemplo, uma versão produzida na Nova Zelândia e mais consumida no Hemisfério Sul).
Um consumidor satisfeito deixou o seguinte comentário em uma das lojas: "O mesmo sabor gostoso que eu que eu sentia na Inglaterra".

8. Poesia para a Alma

A Tristeza de um Poeta de 50 Centavos é o nome de uma loja que vende nada mais do que poemas no Taobao.
A loja oferece 45 poemas curtos escritos por quatro poetas. A mensagem, em forma de poema (em tradução livre), é direta:
"Nos tempos de hoje, poetas passam fome
Nossos poemas são gratuitos
Se você achar que são bons
Não recusaremos uma doação de 50 centavos"
Segundo os números publicados pelo Taobao, a loja foi aberta em agosto do ano passado. Até agora, recebeu duas doações.

9. O Prato do Presidente

Em dezembro último, quando o presidente chinês Xi Jinping parou para comer no restaurante Qingfeng, no coração de Pequim, provavelmente não tinha ideia de que a refeição escolhida por ele se tornaria a opção mais popular da casa.
O restaurante é hoje uma atração turística na cidade. Visitantes escolhem o "Prato do Presidente", que consiste de seis bolinhos de porco com alho poró, duas opções de verdura como acompanhamento e um cozido de fígado e intestino de porco.
No entanto, se você não pode ir até Pequim, pode se deliciar com o Prato do Presidente - agora disponível no Taobao.
A refeição, que custou ao presidente Xi cerca de US$ 3,40, sai por US$ 70 no Taobao.

10. Créditos de Games Online

A indústria dos jogos online é hoje um negócio bilionário na China. Segundo estatísticas oficiais, em 2012 havia 190 milhões de jogadores de games no país. A renda total do setor naquele ano foi de US$ 11 bilhões.
O Taobao é uma importante plataforma de comércio para os jogadores, que podem comprar crédito virtual de operadores de games ou pagar outros jogadores por itens que existem apenas em games.
Alguns jogadores, sem tempo ou paciência, preferem pagar para evitar tarefas repetitivas. O site oferece dezenas de lojas que fazem esse tipo de serviço. Funcionários dessa lojas tendem a ser jogadores que trabalham em horário integral.