Páginas

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Extremos climáticos devem ocorrer com mais frequência e intensidade em São Paulo

Extremos climáticos devem ocorrer com mais frequência e intensidade em São Paulo


A variação climática observada na Região Metropolitana de São Paulo nos últimos anos – caracterizada por chuvas intensas concentradas em poucos dias, espaçadas entre longos períodos secos e quentes – deve se tornar tendência ou até mesmo agravar nas próximas décadas.
As conclusões são de um estudo realizado por pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), em colaboração com colegas das Universidades de São Paulo (USP), Estadual de Campinas (Unicamp), Estadual Paulista (Unesp), de Taubaté (Unitau) e dos Institutos Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e de Aeronáutica e Espaço (IAE), entre outras instituições e universidades do Brasil e do exterior, no âmbito do Projeto Temático “Assessment of impacts and vulnerability to climate change in Brazil and strategies for adaptation option”, apoiado pela FAPESP.
Resultados do estudo foram descritos em artigos publicados na revista Climate Research e contribuíram para a elaboração do Atlas de Projeções de Temperatura e Precipitação para o Estado de São Paulo, uma publicação interna do Inpe lançada em 2014, também resultado de projeto.
“Estamos observando na Região Metropolitana de São Paulo um aumento na frequência de chuvas intensas, deflagradoras de enchentes e deslizamentos de terra, distribuídas entre períodos secos que podem se estender por meses”, disse José Antônio Marengo Orsini, pesquisador do Inpe e atualmente no Cemaden.
“Os modelos climáticos projetam que esses eventos climáticos extremos passarão a ser cada vez mais comuns em São Paulo e em outras cidades do mundo e podem até mesmo se intensificar, se forem mantidos o atual ritmo de urbanização e de emissão de gases de efeito estufa”, disse o pesquisador, que coordenou o estudo.
Os pesquisadores analisaram a variabilidade do clima da região metropolitana nos últimos 80 anos por meio de dados diários de chuva referentes ao período de 1933 a 2011 fornecidos pela estação meteorológica Água Funda, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da Universidade de São Paulo (USP). Do período de 1973-1997, foram utilizados também dados de outras 94 estações meteorológicas espalhadas pela região.
As observações indicaram um aumento significativo, desde 1961, no volume total de chuva durante a estação chuvosa, que pode estar associado à elevação na frequência de dias com chuva pesada e à diminuição de dias com precipitações leves na cidade.
Enquanto os dias com chuva pesada – acima de 50 milímetros (mm) – foram quase nulos nos anos 1950, eles ocorreram entre duas e cinco vezes por ano entre 2000 e 2010 na cidade de São Paulo.
Ilha de calor – De acordo com Marengo, as alterações no regime de chuvas em São Paulo podem ser decorrentes da variabilidade climática natural, mas podem também estar relacionadas ao crescimento da urbanização, em especial nos últimos 40 anos, que contribuiu para agravar os efeitos da “ilha de calor” na cidade.
Com o aumento da urbanização, o solo da região – antes exposto e com vegetação remanescente da Mata Atlântica – foi sendo cada vez mais coberto por materiais como asfalto e concreto, que absorvem muito calor e não retêm umidade.
Com isso, durante o dia o clima fica muito quente e, à noite, o calor acumulado é liberado para a atmosfera. A umidade relativa do ar da cidade é reduzida e a evaporação de água do solo para a formação de nuvens é acelerada, segundo explicou Marengo.
“O aumento da taxa de evaporação faz com que mais água do solo seja extraída, deixando-o totalmente seco, como tem acontecido nas regiões dos reservatórios que abastecem a região metropolitana de São Paulo”, disse o pesquisador. “Isso pode contribuir para aumentar o deficit hídrico da cidade”, avaliou.
Projeções climáticas – A fim de avaliar possíveis tendências e alterações no padrão de chuvas extremas até 2100, os pesquisadores fizeram projeções de mudanças climáticas de diferentes regiões do Estado de São Paulo, incluindo a região metropolitana, usando uma técnica chamada downscaling.
A técnica combina o modelo climático regional Eta-CPTEC, desenvolvido pelo Inpe, com os modelos globais HadCM3 e HadGEM2, criados no Reino Unido e usados pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), para fazer projeções de curto, médio e longo prazo, com uma resolução espacial de 40 quilômetros.
“Ela permite fazer previsões climáticas mais detalhadas de regiões do Estado de São Paulo, como o Vale do Paraíba ou a Serra do Mar, que não aparecem em um modelo climático global”, explicou Marengo.
O modelo foi rodado pelos pesquisadores com base no cenário 21 SRES A1B de emissões de gases de efeito estufa até 2100, usado pelo IPCC.
Nesse cenário climático, considerado intermediário, as emissões de gases-estufa poderão atingir 450 partes por milhão (ppm) e causar um aumento na temperatura global da ordem de 3 ºC até 2100.
Os pesquisadores realizaram simulações para os períodos de 2010 a 2040, 2041 a 2070 e 2071 a 2100, tendo como base o período climatológico de 1961 a 1990, adotado como padrão para projeções climáticas pela Organização Mundial de Meteorologia.
Os resultados das projeções indicaram que aumentará a frequência e a intensidade de chuvas extremas na região metropolitana de São Paulo e nas regiões norte, central e leste do estado nas próximas décadas.
Por outro lado, as projeções também sugeriram um aumento significativo na frequência de veranicos nessas mesmas regiões, sugerindo que as chuvas extremas serão concentradas em alguns dias e ocorrerão entre períodos de seca mais longos, explicou Marengo.
“As projeções mostram que haverá um aumento dos riscos de enchentes, inundações e de delizamentos de terra na região metropolitana de São Paulo e nas regiões norte, central e leste do estado”, disse o pesquisador.
“As pessoas que moram nessas regiões deverão experimentar um aumento maior de temperatura, assim como mudanças no regime de chuva e secas mais prolongandas”, afirmou.
Vulnerabilidade climática – Segundo Marengo, uma das razões pelas quais essas regiões do estado poderão ser mais atingidas pelas variações climáticas é o fato de terem maior densidade populacional.
Além delas, as regiões do Vale do Paraíba, da Serra do Mar, da Baixada Santista e de Campinas também deverão sentir mais os efeitos das variações climáticas, indicou Marengo.
“Os impactos sociais e econômicos do aumento da temperatura, secas mais prolongadas e mudanças no regime de chuva nesses locais deverão ser maiores”, estimou.
“No caso da região oeste de São Paulo, por exemplo, onde a densidade populacional é menor, os impactos serão relativamente menores, mas também ocorrerão.”
A projeção de aumento da mancha na região metropolitana de São Paulo até 2030, justamente nas áreas mais vulneráveis às consequências das mudanças climáticas, deverão agravar ainda mais o risco de desastres naturais, avaliou o pesquisador.
“Os deslocamentos populacionais causados pelas mudanças climáticas não serão só rurais, porque há mais pessoas vivendo nas cidades do que no campo hoje”, estimou Marengo.
“Se fenômenos recentes, como a seca em São Paulo, mostram que não estamos preparados para enfrentar os problemas relacionados às mudanças climáticas, os resultados do estudo reforçam que esses problemas só tendem a piorar e que é preciso considerar possíveis estratégias de adaptação”, disse Marengo.

Fonte: http://noticias.ambientebrasil.com.br/clipping/2015/02/27/113316-extremos-climaticos-devem-ocorrer-com-mais-frequencia-e-intensidade-em-sao-paulo.html

domingo, 22 de fevereiro de 2015

Desertificação: 'por que este assunto não está na capa dos jornais?

Desertificação: 'por que este assunto não está na capa dos jornais?



Um solo produtivo leva de três mil a 12 mil anos para a sua formação, e o aumento da desertificação no mundo desmascara a 'eficiência' do agronegócio.


Najar Tubino

Mídia Ninja
Créditos da foto: Mídia Ninja

É uma decisão da ONU, que desde 2013 também definiu o dia 5 de dezembro como o dia mundial do solo. Em maio, entre os dias 4 e 7, ocorrerá a Conferência Internacional do Solo na Albânia com o lema: “O solo sustenta a vida: muito lento para formar, rápido demais para perder”. Um centímetro de solo demora entre 100 e 400 anos para se formar, e os pesquisadores calculam que um solo produtivo dentro da normalidade leve de três mil a 12 mil anos para a sua formação. Mesmo assim, a ONU calcula que até 2050 o mundo perderá um Brasil inteiro em solo, ou seja, 849 milhões de hectares. São 12 milhões de hectares por ano. O que é mais importante: somente 5 a 10% dessa terra chegam ao mar. Onde fica o restante? No leito dos rios, no lago das represas, tanto de abastecimento de água, como das hidrelétricas, nos córregos, nos afluentes. Como dizem os chineses: os rios do planeta estão empanturrados.
 
O secretário executivo da Convenção das Nações Unidas contra a desertificação, o africano Luc Gnacadja, do Benin, pergunta: por que este assunto não está na capa dos jornais? Simples, porque a mídia tradicional não trata de assuntos importantes realmente, a não ser com um viés conservador, sempre a favor do mercado. Tratar do solo, portanto, poderá desmascarar a eficiência do agronegócio, cuja receita de monoculturas é a mesma no mundo. Mas aí temos as previsões para o aumento da população e as necessidades de alimentação, o que reforça a prática destrutiva do modelo industrial de produção de alimentos. Temos que crescer 50% até 2050, dizem eles. Isso significa algo como 175 a 200 milhões de novos hectares.
 
A degradação avança em todo o mundo
 
A matemática é simples: se nada for feito para deter a erosão e o desmatamento, os dois principais fatores da degradação dos solos, em 20 anos teremos perdidos mais 240 milhões de hectares, calculando 12 milhões ao ano, como faz a ONU. Em 1991, 15% das terras cultiváveis do planeta estão se degradando, agora são 24%. Eram 110 países que sofriam com o problema da erosão e com o aumento da desertificação, agora são 168.
 
“-Veja o caso da África, cita o secretário da Convenção contra a Desertificação, que é o continente mais vulnerável à seca e à degradação dos solos. A situação atual aponta para 45% do solo afetado pela degradação e admite-se que dois terços podem ser perdidos até 2025”, diz Luc Gnacadja.
 
Ele completa: “até agora a resposta humana à degradação dos solos e ao avanço da desertificação tem sido derrubar mais área de floresta para aumentar a fronteira agrícola”.
 
Mundo urbano não discute o rural
 
Um texto sobre outra conferência – em Brasília, entre os dias 25 a 27 de março- cita alguns argumentos sobre a importância do solo:
 
“- Os solos constituem insumo fundamental para o desenvolvimento humano. Nenhum país consegue desenvolver-se plenamente sem acesso a esse recurso natural e as suas riquezas são incalculáveis. Em interface com a atmosfera, a hidrosfera, a biosfera e a litosfera o solo é responsável pelos principais processos biogeoquímicos que garantem a vida na Terra, estoca a água e recicla nutrientes, protege contra enchentes, sequestra carbono e abriga 25% da biodiversidade”.
 
Ocorre que o mundo atual é urbano, digital, eletrônico e não comporta espaço nem discussão sobre assuntos considerados rurais, do campo, de outra esfera. A não ser quando da realidade bate a porta e começa a sumir a água das torneiras e, de repente, milhões ficarão sem água, como acontecerá em 2015 em São Paulo. É o que diz um trabalho divulgado pela The Nature Conservancy sobre o problema da falta de água nas grandes cidades.
 
Detonaram o mato dos mananciais
 
Se 14,3 mil hectares dos 493,4 mil hectares que formam os sistemas Cantareira, Alto Tietê, Guarapiranga e Rio Grande fossem reflorestados com mato nativo, isso diminuiria em 568,9 mil toneladas de sedimentos que são jogados nos cursos d’água, que alimentam os reservatórios.
 
“- A sedimentação tem impacto direto na quantidade e na qualidade da água dos mananciais. Isso ocorre porque não há cobertura vegetal ao redor dos rios e das represas. O solo exposto, além de sofrer erosão e não absorver a água das chuvas provoca o escoamento da terra para os corpos d’água, assoreando o leito e diminuindo a vida útil dos reservatórios”, como explica Samuel Barreto, coordenador do Movimento Água para São Paulo.
 
A região dos mananciais já perdeu 70% da mata nativa para a pecuária e agricultura. Os números levantados pela organização não governamental SOS Mata Atlântica são piores – só restam 488km2, ou seja, 21,5%. Não se trata de uma novidade brasileira. A erosão na China já consumiu 19% da área agrícola e os números apontam para descarga de terra superior no rio Yang-Tsé, o maior da Ásia, superior as dos rios Nilo e Amazonas juntos – três bilhões de toneladas ao ano.
 
O tempo passa, as cidades inflam, os rios são empanturrados não somente de terra, de solo perdido, juntamente com seus nutrientes e dos fertilizantes químicos, mas também de esgoto e lixo de todo tipo. É uma situação vergonhosa o que acontece no Brasil, onde o tratamento de esgoto ainda não é considerado uma prioridade, mesmo com verbas federais autorizadas. O conto do vigário de políticos sem compromisso com a população não combina com obras que ficam embaixo da terra. Hoje, ao se fazer uma pesquisa sobre assoreamento de rios e represas no país, o resultado é revoltante. Sem exceções, todos os principais rios brasileiros estão assoreados e entupidos de esgoto e lixo. Seus afluentes, córregos e nascentes foram detonados, sem mato para proteção. Tudo em nome do progresso e da modernidade, que fede com os excrementos de milhões de pessoas.
 
Colapso do sistema público de água
 
Em 2015, justamente quando o assunto solo poderá ganhar as páginas da mídia ordinária, o país será usado como exemplo do que pode ocorrer na maior metrópole, a falta de água nas torneiras paulistas. O Centro de Desastres Climáticos, do INPE calculou as estimativas de chuvas até abril – mesmo com fevereiro acima da média-, além do que a SABESP retira do sistema Cantareira. E a previsão é que o sistema seca em julho. No início de dezembro passado ocorreu um encontro na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP, sobre as perspectivas de abastecimento de água na região metropolitana de São Paulo. O professor Pedro Luiz Cortês, da Uninovo, coordenador do encontro, disse:
 
“- Temos um sistema cada vez mais suscetível a eventos climáticos, como secas prolongadas, além do consumo cada vez mais intenso. Desde 2012 sabíamos que entraríamos num regime de falta de chuvas. O governo deveria vir a público apresentar os cenários com os quais está trabalhando”.
 
Outro comentário, agora do professor Reginaldo Berto, do Centro de Pesquisa de Águas Subterrâneas, da USP:
 
“- É preciso se preparar para o colapso do sistema público de abastecimento a partir de abril de 2015”.
 
 
Enquanto isso, a mídia ordinária faz uma contagem regressiva ao contrário, dando uma falsa impressão à população de que as coisas estão melhorando: chegou a 8,9% e continua subindo. O Sistema Cantareira, assim como outros sistemas de abastecimento, começou a entrar em colapso ao longo dos últimos anos. A essência do problema é que a classe política conservadora não considera o ambiente como parte da vida e do suporte da vida, além de combater as mudanças climáticas, como se fosse ideia de comunista. E, por essa e outras, que o país, que tem água doce em grande quantidade, dará um exemplo ao contrário ao mundo. Claro, que tudo ainda depende da decisão técnica do governador paulista.       


Fonte: http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Meio-Ambiente/Desertificacao-por-que-este-assunto-nao-esta-na-capa-dos-jornais-/3/32899

terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

Queda de nascimentos no Brasil desafia o equilíbrio da economia

Queda de nascimentos no Brasil desafia o equilíbrio da economia


Casais que optam por não ter filhos já representam uma em cada cinco famílias no país

 São Paulo 17 FEB 2015
Eveli Bacchi veio de uma família grande, mas resolveu ter apenas uma filha. / VICTOR MORIYAMA
Casada há 12 anos, a psicóloga Aline Rosa, de 34 anos, jamais pensou em ter filhos. “Nunca tive um desejo naturalizado e sou contra essa ideia que a mulher só se sente completa quando engravida”, explica. Ela confessa que é bastante cobrada nos espaços pelos quais transita e que a pergunta “quando vocês vão ter um filho?” é recorrente entre familiares, amigos e colegas de trabalho. “As pessoas têm muita dificuldade de aceitar, mas reitero sempre que foi uma escolha dos dois e que a construímos sem culpa. Nunca tivemos essa vontade de ter um bebê”, afirma. Assim como Aline e o marido, um número cada vez maior de casais brasileiros compartilham essa decisão.
Segundo pesquisa do IBGE, a proporção de famílias formadas por casais sem filhos cresceu 33% no Brasil entre 2004 e 2013. Ao longo desse período, houve queda de 13,7% na proporção dos casais com filhos (de 50,9% para 43,9%). Já o número de casais sem herdeiros cresceu de 14,6% para 19,4%. Em 2013, uma em cada cinco casais brasileiros não tinha filhos, de acordo com a Síntese de Indicadores Sociais 2014. Especialistas alertam, no entanto, que a consolidação dessa configuração familiar reduzida aliada ao crescimento da esperança de vida significará, em um futuro próximo, menos profissionais jovens no mercado de trabalho, mais custos com aposentadorias e um risco de queda no crescimento econômico.
A tendência de queda no número da taxa de natalidade não é nova. O número de filhos por mulher vem se reduzindo desde a década de 1960, a exemplo do que ocorreu também em vários outros países. Se em 1970, as brasileiras tinham, em média, 5,8 filhos, hoje, esse número não chega a 2, taxa em que a população não se repõe. O número de nascimentos caiu 13,3% entre 2000 e 2012, quando a taxa de fecundidade foi de 1,77 filho por mulher, contra 2,29 em relação ao período anterior. Os motivos para essa diminuição são vários: maior escolarização, aumento do número de mulheres no mercado de trabalho, uso maior de contraceptivo, entre outros.
Com a população ativa menor e mais aposentados, o desafio será equilibrar as contas da Previdência e o mercado de trabalho, de acordo com Ivan Santana, professor da Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG. “Atualmente, gastamos 10% do PIB com a aposentadoria, número parecido ao da Espanha e de Portugal que possuem uma população muito mais velha que a nossa. Algo tem que ser feito agora, senão vamos gastar cerca de 20% do PIB lá na frente. Precisamos de uma reforma da Previdência, mas como é um tema tratado de uma forma muito emotiva, nenhum presidente quer tocá-la",  explica Santana que ressalta que a economia informal também contribui para desequilibrar a conta da Previdência.
Exercício demográfico realizado pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da UFMG indicou que no ano de 2050 o Brasil deve perder 30 milhões de potenciais contribuintes da Previdência Social. Além da preocupação com os efeitos de um maior investimento com gastos públicos destinados para a aposentadoria, Leila Ervatti, pesquisadora do IBGE, alerta para a questão da atenção à população idosa, já que o envelhecimento da população se dá no país como um todo.
“Precisaremos de muito mais estrutura para eles”, afirma. Segundo a pesquisadora, a razão entre a população potencialmente inativa (0 a 14 anos e 65 ou mais de idade) e a ativa (15 a 64 anos de idade), chamada de razão de dependência vai atingir o seu valor máximo em 2022. “E, a partir de 2037, os idosos vão passar a depender mais da população ativa do que os jovens”, explica.
Outro fator que contribui para o envelhecimento da população brasileira é o aumento da expectativa de vida. Em apenas um ano, os brasileiros ganharam, em média, quase quatro meses a mais de expectativa de vida. Segundo dados do IBGE, a esperança de vida ao nascer da população do país atingiu 74,9 anos em 2013. “O ponto crucial é que, em 30 anos, estaremos vivendo 10 anos mais. Hoje um brasileiro vive mais ou menos 25 anos aposentando. Em 30 anos, podemos aumentar essa taxa para mais uma década. O jovem de hoje terá muito mais tempo aposentado”, afirma Santana.

Brasileiras engravidam cada vez mais tarde

O número de mães de primeira viagem com mais de 30 anos cresceu na última década, de acordo com estudo Saúde Brasil, do Ministério da Saúde. A pesquisa aponta que quanto maior o grau de escolaridade, mais tarde as mulheres optam pelo primeiro parto.
Segundo o Saúde Brasil, o percentual de mães com primeiro filho na faixa de 30 anos passou de 22,5%, em 2000, para 30,2%, em 2012. Já o número de mulheres com menos de 19 anos, que tiveram filhos, caiu de 23,5% para 19,3% no mesmo período.

"Não me imagino responsável por outra pessoa"

"Não me imagino responsável por outra pessoa. Sou muito independente", diz a analista de marketing Elô Kyrmse, de 26 anos, para explicar porque não pretende ter filhos. Ela e a mãe, a aposentada Eveli Bacchi, de 62 anos, são o retrato da mudança demográfica no Brasil. Eveli veio de uma família grande, com quatro irmãos, mas só teve Elô como filha. 
“Tenho uma previdência privada e nem penso em aposentadoria, não quero ficar na inatividade, a minha ideia é trabalhar o máximo que puder”, diz Elô, que resolveu acatar conselho da mãe de que era preciso economizar já que “nunca se sabe o que vai ser do futuro”. 
Elô não é a única a se preocupar. De acordo com pesquisa realizada pela gestora de investimentos BlackRock, os brasileiros dizem reconhecer a importância da economia necessária para a aposentadoria, mas a quantidade poupada por pessoas próximas à idade de se deixar o trabalho não é suficiente. O montante financiaria menos de um ano da aposentadoria desejada dos entrevistados. O estudo, realizado com 4.000 latinos-americanos de Brasil, Chile, Colômbia e México, mostrou que os brasileiros economizaram uma média de R$ 10 mil reais para a aposentadoria. Porém, eles precisariam de 47 mil reais anuais para alcançar o valor almejado. 
“O aumento da longevidade tornou mais necessário que nunca que as pessoas em todo o mundo se planejem, economizem e invistam durante seus anos de trabalho a fim de atingir a segurança financeira na aposentadoria”, afirma Armando Senra, diretor da Black Rock.

Fonte: http://brasil.elpais.com/brasil/2015/02/17/politica/1424196059_041074.html

As novas rotas da seda da China

As novas rotas da seda da China


Megaprojeto pretende conectar a China com a Europa por via terrestre e marítima

 Pequim 17 FEB 2015

Primeiro trem de direto da China chega a Madri, em dezembro. / J. R.

O que o trajeto de trem mais longo do mundo, o porto de Pireus e um centro logístico no Cazaquistão têm em comum? Ou Duisburg, na Alemanha, as ilhas Maldivas e Gwadar, no Paquistão? A resposta é a China.
Todos formam parte do ambicioso conceito que Pequim transformou em uma das grandes prioridades de sua política exterior: a criação de extensas redes de transporte, conexões e infraestrutura que partam da China e, por via terrestre e marítima, cheguem à Europa. O Governo chinês batizou a iniciativa de Novas Rotas da Seda e pretende completá-la até 2025. O projeto prevê investimentos de 40 bilhões de dólares (113 bilhões de reais). E também inclui acordos de construção e empréstimos na Ásia Central em torno de 54 bilhões de dólares (153 bilhões de reais).
Caso funcione —e Pequim está concentrando esforços políticos e meios econômicos para isso—, o projeto proporcionará à China um volume potencial de comércio exorbitante, em uma área de 4,4 bilhões de pessoas e com um terço da riqueza mundial. E aumentará exponencialmente a influência global da segunda economia do mundo diante dos EUA, que por sua vez se volta para a região Ásia-Pacífico. Mas praticamente todos os detalhes do projeto ainda precisam ser definidos.
“As chamadas Novas Rotas da Seda são projetos de diplomacia econômica, mas sua realização concreta está incerta no momento, com exceção do desenvolvimento da infraestrutura. Muitos países vizinhos da China se perguntam como podem ser beneficiados. E os altos funcionários de instituições de pesquisa da China se perguntam como aplicar sobre o terreno esse conceito geral, decidido pelas instâncias mais altas do Governo central”, destaca por e-mail Alice Ekman, pesquisadora responsável da China no Instituto Francês de Relações Internacionais (IFRI).
O presidente chinês, Xi Jinping, propôs o projeto de rota terrestre pela primeira vez em outubro de 2013, durante uma visita ao Cazaquistão. Um mês depois, na Indonésia, discutia a rota marítima. Pequim afirma que 50 países mostraram interesse no projeto.
Embora alguns países, como a Índia, demonstrem certa reserva, outros anunciaram sua adesão, interessados no investimento que possam receber do gigante asiático. O novo Governo do Sri Lanka, depois de se mostrar inicialmente contra o projeto, deu finalmente o sinal verde este mês para o porto que a China está construindo em Colombo.
Segundo o rascunho fornecido por Pequim, o braço marítimo, o “cinturão”—de grande importância para o país, já que 90% de seu comércio é realizado por via marítima—, sairia do leste da China para atravessar o Estreito de Malaca e, através de Bangladesh, Sri Lanka e Paquistão, continuaria pelo Mar Vermelho até o porto de Pireus, em Atenas.
O braço terrestre atravessaria a China de leste a oeste e, através da região de Xinjiang, chegaria aos países da Ásia Central para continuar até a Europa, uma alternativa mais rápida para o transporte de produtos do que a atual via marítima. Nessa rede de trajetos está incluída a rota ferroviária Madri-Yiwu, a mais longa do planeta e ainda em fase experimental.
Uma das grandes vantagens que a China obtém com o plano —além de conseguir novas rotas de abastecimento e distribuição— é o desenvolvimento de infraestrutura em países vizinhos, num momento em que esse setor perde fôlego no mercado interno diante do desaquecimento da economia. E, se esses países são ricos em energia, pode tentar receber acesso privilegiado a esses recursos, em troca das obras.
Sob a perspectiva da segurança, afirma Vikram Nehru, do Carnegie Endowment for International Peace, “há quem diga que, na hipótese de que haja um conflito e não possa acessar facilmente o comércio através do Pacífico, a China sempre teria a rota ocidental por terra para alcançar a Europa e ter acesso a matérias-primas e energia”.
O desenvolvimento da rota terrestre permitirá também à China desenvolver as províncias mais pobres do centro e do oeste, que não se beneficiaram tanto do boom econômico dos últimos 20 anos no país, como as regiões do leste.
Mas essa rota terrestre, alerta Ekman, “pode enfrentar ainda muitos desafios em seu desenvolvimento. Pode, por exemplo, gerar uma competição econômica com outros atores regionais. Assim, o reforço da presença econômica chinesa em vários países da Ásia Central pode competir com os interesses russos a longo prazo e, com isso, pode ser que Moscou não a receba de braços abertos. Além disso, a segurança das rodovias (contra redes de contrabando, ataques terroristas) também pode se tornar um desafio significativo, à medida que se desenvolvam e se valorizem”.

Fonte: http://brasil.elpais.com/brasil/2014/12/19/economia/1419009258_040938.html

terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Pesquisa revela núcleo desconhecido da Terra com cristais de ferro

Pesquisa revela núcleo desconhecido da Terra com cristais de ferro



Cerca de 5 mil km abaixo do solo em que pisamos, o núcleo da Terra não pode ser investigado diretamente


Cientistas afirmam que descobriram novas informações sobre o interior do núcleo do planeta Terra.
Uma pesquisa realizada em conjunto pela China e Estados Unidos, publicada na revista Nature Geoscience, sugere que o núcleo central do planeta tem outro núcleo interior, de composição diferente.
A equipe de cientistas acredita que a estrutura de cristais de ferro nesta região mais central é diferente das camadas exteriores do núcleo da Terra.
A composição do núcleo sempre foi um grande mistério, pois não há tecnologia que permita que se perfure a crosta até chegar a esta região para coletar materiais.
A saída foi analisar ecos gerados por terremotos para estudar o núcleo da Terra, observando suas mudanças enquanto viajam pelas diferentes camadas do planeta.
"As ondas estão indo e voltando de um lado para outro da Terra", disse Xiaodong Song, da Universidade de Illinois em Urbana-Champaign.

Duas partes

De acordo com Song e outros cientistas na China, estes dados sugerem que o núcleo interno da Terra, uma região sólida aproximadamente do tamanho da Lua, é feito de duas partes.
Os dados da onda sísmica sugerem que os cristais no interior do núcleo interno estão alinhados na direção leste para oeste, se o observador estiver olhando para baixo, a partir do Polo Norte.
Os cristais que estão no "exterior do núcleo interno" estão alinhados de norte a sul; na vertical se o observador estiver olhando do Polo Norte.
Lachina Publishing Services
"O fato de estarmos descobrindo estruturas diferentes em regiões diferentes do núcleo interno pode nos esclarecer algo a respeito da longa história da Terra", afirmou Song.
O núcleo do planeta, que está a mais de 5 mil quilômetros abaixo da superfície, começou a se solidificar cerca de um bilhão de anos atrás e continua crescendo cerca de 0,5 milímetro por ano.

Condições diferentes

A descoberta de que o núcleo interno da Terra tem cristais com alinhamentos diferentes sugere que eles se formaram em condições diferentes e que o nosso planeta pode ter passado por uma mudança dramática durante este período.
Comentando op estudo, Simon Redfern, professor da Universidade de Cambridge, na Grã-Bretanha., disse que "a sondagem profunda no núcleo interno e sólido é como examinar o passado, o início de sua formação".
"As pessoas já notaram antes as diferenças na forma como as ondas sísmicas viajam pelas partes externas do núcleo interno e suas partes mais profundas, mas nunca antes elas sugeriram que o alinhamento do ferro cristalino que forma esta região é completamente torto comparado com as partes mais externas."
"Se isto for verdade, implicaria que algo muito importante aconteceu para mudar a orientação do núcleo, para mudar o alinhamento dos cristais", acrescentou.
Segundo Redfern, outros estudos sugerem que o campo magnético da Terra possa ter passado por uma mudança há cerca de meio bilhão de anos, mudando entre os eixos equatoriais e polares.
"Pode ser que o estranho alinhamento que o professor Song viu no núcleo mais profundo explique as estranhas assinaturas paleomagnéticas de rochas antigas que podiam estar presentes perto do equador há cerca de meio bilhão de anos."
"Mas, no momento, o modelo proposto nesta pesquisa precisa ser testado e comparado a outras formas de analisar as propriedades sísmicas do núcleo mais profundo da Terra, já que nenhum outro pesquisador pensou nestas provas para chegar a essas conclusões em seus estudos", afirmou.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

“O que está em debate em São Paulo é a estupidez do automóvel”

“O que está em debate em São Paulo é a estupidez do automóvel”



Ganhador do Pritzker, o mais importante da arquitetura mundial, Paulo Mendes da Rocha diz que as horas gastas em transporte público pelos paulistanos é uma forma de mantê-los escravizados

 São Paulo 9 FEB 2015
Paulo Mendes da Rocha, em seu escritório em São Paulo. / VICTOR MORIYAMA

É possível dizer que o arquiteto brasileiro Paulo Mendes da Rocha, de 86 anos, está em um lugar onde poucos do mundo já chegaram. Em 2006, recebeu o prêmio Pritzker, o mais importante da arquitetura mundial. Autor de obras como o Museu Brasileiro da Escultura (MUBE), em São Paulo, o arquiteto pertence a uma geração de modernistas, influenciados por nomes como o francês Le Corbusier, o russo Gregori Warchavchik e os brasileiros Lúcio Costa,Oscar Niemeyer e João Batista Vilanova Artigas.
No centro da cidade, onde mantém um escritório no mesmo endereço há 30 anos, o arquiteto que nasceu em Vitória, no Espírito Santo, recebeu o EL PAÍS, sentado em sua Poltrona Paulistana, projetada em 1957 e que até hoje é vendida em diversos países. Tornou-se, inclusive, peça da coleção permanente do MoMA de Nova York. Atento aos movimentos paulistanos, ele faz uma leitura do momento atual, onde o paulistano disputa espaço com os carros.
Pergunta. São Paulo está sendo palco de movimentos que, mais do que reivindicar por direitos como moradia e trabalho, visam ocupar a cidade. O senhor acha que a briga por espaço está, de fato, mais no centro das questões nesse momento?
Resposta. Eu prefiro dizer que não, até porque, a coisa sempre foi assim. Do ponto de vista da transformação do homem de camponês ao urbano, num período histórico muito amplo – do século 19 e 20 – a questão sempre foi essa. A razão da cidade é podermos conversar.Se você dá chance de as pessoas se encontrarem para falar, eis o movimento. Isso é tão verdade que aqueles que lutam contra isso, a parte que nós chamamos de 'conservadora' da sociedade, sempre esteve muito atenta e agiu com políticas violentíssimas do ponto de vista de grandes empreendimentos. Um exemplo disso em São Paulo foi o de tirar o ensino universitário da cidade, quando historicamente as grandes cidades sempre foram feitas em torno delas.
P. De que forma?
R. A Escola Politécnica, que era aqui junto ao Rio Tietê, na Rua Três Rios, foi tirada daqui para fundar essa ‘Cidade Universitária’ [na região do Butantã]. E eis o ato falho, pois não havia condução para ir até lá. Ou seja, a escola estatal grátis que nós tínhamos, uma das melhores inclusive, só era frequentada por quem tivesse automóvel. Então tiraram os estudantes justamente da área central, porque ele era muito politizado e por qualquer coisa ele estava na rua. Esse diálogo, no bar, no botequim, é muito importante. O estudante que vai comer na cantina da escola é uma espécie de idiota diante do estudante que vai ao botequim da esquina e encontra o jornalista, o operário... Ou seja, a grande universidade do ponto de vista do espaço físico é a própria cidade. Tudo isso mostra que nós sempre lidamos com a questão de evitar justamente a mobilização popular.
R. A Escola Politécnica, que era aqui junto ao Rio Tietê, na Rua Três Rios, foi tirada daqui para fundar essa ‘Cidade Universitária’ [na região do Butantã]. E eis o ato falho, pois não havia condução para ir até lá. Ou seja, a escola estatal grátis que nós tínhamos, uma das melhores inclusive, só era frequentada por quem tivesse automóvel. Então tiraram os estudantes justamente da área central, porque ele era muito politizado e por qualquer coisa ele estava na rua. Esse diálogo, no bar, no botequim, é muito importante. O estudante que vai comer na cantina da escola é uma espécie de idiota diante do estudante que vai ao botequim da esquina e encontra o jornalista, o operário... Ou seja, a grande universidade do ponto de vista do espaço físico é a própria cidade. Tudo isso mostra que nós sempre lidamos com a questão de evitar justamente a mobilização popular.
P. Então, na visão do senhor, essas manifestações são um movimento natural da cidade?
R. É o que se espera de uma cidade: que ela seja falante. Agora, quando o desajuste é muito evidente e violento,como no caso do transporte e do abastecimento de água, é de se esperar mesmo um movimento, que são sadios. 
P. Falando então de transporte. O Plano Diretor de São Paulo, aprovado no ano passado, prevê, dentre outras coisas, o estímulo ao uso do transporte público a partir do momento em que reduz a possibilidade de construção de prédios com garagens que sejam próximos aos eixos de um transporte público que...
R. ...que não há.
P. Enquanto isso, a Prefeitura tenta implementar mais corredores de ônibus. O senhor vê que, ao mesmo tempo em que se vendem 500 carros por dia na cidade, o poder público tenta estimular o uso do transporte coletivo? Ou ainda falta muita estrutura para atender a essa demanda?
R. No fundo, o que está em discussão é a estupidez do automóvel. Portanto muita coisa vai se fazer nessa direção de desestimular o transporte individual e estimular o transporte público. Entretanto, também já há consciência que o automóvel virou uma estupidez muito em evidência. O mundo está em guerra por causa do petróleo. E você queima o petróleo para levar uma lataria que pesa 700 quilos e lá dentro tem um cretino de 70 quilos. Alguma coisa está errada.
P. E por que não avançamos em transporte?
R. A luta é contra o conformismo de um lado e o reacionarismo do outro. E esse conservadorismo não tem outra alternativa para a vida, do ponto de vista da economia, se não a exploração do homem pelo homem. Temos que nos livrar dessa chave infame de que só é possível trabalhar explorando o próprio homem. E para explorá-lo, a coisa que tem que fazer é evitar os movimentos. Tanto que o homem não pode ter tempo livre. Então a forma de você manter uma população capaz de ser explorada é ocupá-la absolutamente. Se uma pessoa gasta quatro horas por dia, no mínimo, para ir e voltar do trabalho, isso é o ideal. Ela não pode sair, ir ao teatro, porque não tem onde deixar as crianças. Uma forma de se escravizar é ocupar o tempo inteiro inexoravelmente. E como você consegue fazer isso de modo inexorável? Sendo a única condição de sobrevivência do sujeito. Então, se ele não tem o que comer, ele vive nessa condição de levar horas para chegar ao trabalho, de não poder ter lazer etc. Mas ele vive isso de tal maneira que, qualquer fagulha vira uma explosão.
P. Fala-se muito, há muito tempo em revitalização do centro. Todo governo que começa em São Paulo fala sobre isso, mas ninguém consegue de fato executar. Por que não dá certo?
R. Não dá certo porque a população capaz, que tem mais dinheiro, tem pavor da cidade, porque a cidade, seja como for feita, mal feita ou bem feita, ela é democrática. Para você chegar ao meu escritório, que é na área central, você deve ter passado por muita gente dormindo na calçada. Nesses bairros exclusivamente habitacionais, não tem disso. As pessoas têm segurança, tem polícia vigiando. Portanto, a cidade, por mais mal feita que ela seja, ela é muito mais democrática, sempre mais para todos do que se imagina. E os que podem mais abandonam aquilo que tornou-se efetivamente uma cidade.
P. Mas o poder público não deveria tomar conta então? Aproveitar que há esse abandono do espaço pela elite?
R. Mas é claro que deveria. Por isso que nós estamos na rua reclamando! A consciência sobre isso vai se formando. O absurdo torna-se visível. Por exemplo, nós estamos no quinto andar aqui no meu escritório. Se você olhar pela janela agora, vai ver no que deveria ser um teto-jardim no nível que nós estamos sentados na minha sala, automóveis estacionados [há um estacionamento em frente ao prédio]. É evidente que deve ser um absurdo isso aí. Como essa casa foi transformada em garagem até na cobertura? O que é isso? Por outro lado, a população, desde a menos educada ou menos favorecida, até todos nós, está vendo aí as favelas, as ocupações dos prédios abandonados, como uma possibilidade de as pessoas fazerem suas próprias cidades. Um dos mais monumentais espetáculos da questão de consciência urbanística que existe entre nós são as favelas.
P. Por quê?
R. Porque é uma prova de que eu quero morar ali, custe o que custar. É uma visão de consciência de que não há outro lugar melhor do que aquele ali.
P. Por que não há uma política mais enérgica para ocupar os prédios abandonados do centro de São Paulo e tentar assim reduzir o déficit habitacional?
R. Porque é uma defesa exacerbada de uma verdade que interessa a nós todos, que é a liberdade individual, levada a um extremo de uma visão puramente mercantilista e com isso deixar que a parte predadora de compra e venda do mercado, da especulação, possa gozar plenamente [do espaço]. No fundo, são forças políticas. Como nós vivemos? Com o desejo do estabelecimento de repúblicas democráticas, ou seja, quem governa é eleito pelo povo. E esse processo tem que ser aprimorado a ponto de passar a ser efetivamente verdade. Agora você diz: Mas isso será possível? O que você quer? Lute por isso.
P. Falando então de alguns desses movimentos. O que luta pelo Parque Augusta. É um terreno enorme, particular, em uma área central e esse grupo ocupa para que a área se transforme em um parque. Qual é a viabilidade disso? A Prefeitura diz que não tem dinheiro para comprar o terreno. O movimento tenta resistir... O desejo de transformar essa área em um parque é viável?
R. Aí é uma questão mais técnica. Olhando o [edifício] Copan, por exemplo: ali são 1.000 apartamentos, e tem desde apartamentos de 30 metros até 150 metros. Há uma coisa que me agrada muito em relação inclusive à obra de Niemeyer: há ali apartamentos de um dormitório, três dormitórios... Se você é músico e toca no Teatro Municipal, você pode morar ali sozinho e ir a pé ao teatro. Enfim, o que caracteriza a casa pequena não é a pobreza, é a conveniência. O Edifício Copan é um belo exemplo de uma habitação em uma ideia de cidade para todos.
P. Faltam mais Copans em São Paulo?
R. Sim. E, portanto, o que fazer ali [no Parque Augusta], se é um jardim ou não, é uma outra questão. O que deveria ser feito é tornar aquele terreno disponível. Eu tenho a impressão de que o projeto ideal seria qualquer coisa gênero Copan. Habitação para todo mundo, com escolas para as crianças, etc. O projeto ideal pode não ser um grande parque, mas também com certeza não é construir prédios e dizer que vai preservar um percentual de área verde, essa besteira...


Fonte: http://brasil.elpais.com/brasil/2015/02/04/politica/1423084557_163097.html